Em meio ao sucesso da série oitentista Stranger Things (Netflix, 2016), cujos
dois primeiros capítulos eu acabei assistindo por insistência do meu filho, uma
pérola do nosso cinema que não recebeu um milésimo da atenção destinada ao
produto americano estreou em surdina no Canal Brasil: o primeiro longa metragem
ficcional de Marina Person, Califórnia
(2015) – muito bem recebido nos
festivais de que participou no ano passado.
Um belo rito de passagem, provavelmente influenciado
por material autobiográfico da própria diretora, que viveu a puberdade nesse
período e conseguiu recriar o contexto político-social-econômico e cultural da
ocasião sem perder de vista as angústias e os dilemas da sua protagonista. Terminei
a sessão certo de que terei de ouvir mais The
Cure e Siouxie and The Banshees -
essas duas bandas exigem uma dosagem equilibrada entre sensibilidade e
sombriedade. A música desempenha um
papel importante na produção e Marina faz uso certeiro do material que tem em mãos.
Ao contrário de um filme como Stranger
Things, que bebe na fonte oitentista de forma saudosista e reverente, Califórnia parece ter saído de lá,
"direto do túnel do tempo", sem o distanciamento temporal.
O filme carrega um pouco do DNA das
comédias adolescentes de John Hughes, com uma atmosfera mais pesada que me
trouxe à mente a melancolia mais árida do pós guerra de Os Incompreendidos (François Truffaut, 1959), fortalecida pela
fantástica trilha sonora inglesa da época. Inclusive, conta com uma cena
semelhante à da corrida de Jean-Pierre Léaud rumo à praia, motivada, contudo,
pela mesma paixão que levou Woody Allen a percorrer as ruas de Nova York ao
final de Manhattan (1979).
Eu vi Aquarius
(2016), de Kleber Mendonça Filho, uns
dias depois, mas Califórnia é que
permanece crescendo na minha memória. Aquarius
é um filme de evidente fluência narrativa, mas que perde o impacto com o passar
do tempo. Sônia Braga está gigante, merecendo todas as láureas conquistadas por
sua interpretação. Eu gostaria de ter carregado ele comigo por mais tempo.
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