sábado, julho 24, 2010

Donnie Darko (Richard Kelly, 2001)


Desde que nos conhecemos, no início do projeto do programa Papo de Buteco, o Gilles sempre me recomendou que assistisse ao filme Donnie Darko (2001), de Richard Kelly. Isso se tornou mais intenso na época em que o ator Patrick Swayze faleceu e fizemos um “duelo” (no segundo ou terceiro programa) em que elegeríamos o filme mais significativo da carreira dele. Donnie Darko não fez parte da seleção porque eu ainda não havia assistido... Ai vai um breve relato das minhas impressões.

Mais do que direcionar meu olhar para uma possível explicação metafísica dos eventos que se sucedem ao longo da projeção, me chamou mais atenção as escolhas do escritor e diretor Richard Kelly para a ambientação do seu longa-metragem. O filme se passa dias antes da eleição de Bush pai para a presidência dos Estados Unidos, 1988, e foi lançado no mesmo ano em que os aviões se chocaram contra as torres gêmeas de Nova Iorque, 2001, dando início à política de “combate ao terror” de Bush filho. Traduzindo, o conservadorismo e o moralismo dão à tônica.

O personagem Donnie Darko, interpretado por Jake Gyllenhall, bem como Chance, personagem de Peter Sellers no renomado Muito Além do Jardim (1979), de Hal Ashby, são tratados como excêntricos pelos seus pares, embora representem para o espectador uma aura de lucidez – esta, interpretada como um endosso dos ideais liberais. Note-se: 1. como a palavra fear (medo em inglês) serve de base para a construção de uma cena inteira; 2. como a bandeira norte americana é empunhada pela professora liberal (Drew Barrymore) ao ser despedida da escola e sair pela porta da frente (na cena anterior ela discorre sobre a beleza da palavra Cellardoor – porta do porão, em inglês); 3. a descoberta de um revólver guardado dentro da própria casa de Donnie Darko, reduto da burguesia; 4. o confronto entre Donnie Darko e o palestrante de auto ajuda (Patrick Swayze) e 5. como a adoção de um livro para leitura pode gerar uma polêmica discussão entre pais e educadores.

Todas essas escolhas me parecem bem mais interessantes do que o desvendamento do significado do coelho, embora o mistério que paira após o término da fita seja intrigante. O filme teve uma imensa aceitação por parte do público e já se tornou um cult, tanto é verdade que hoje se encontra na posição n⁰124 do ranking do site www.imdb.com (talvez a melhor representação do gosto popular norte americano) a frente de obras-primas como Interlúdio (Alfred Hitchcock, 1946), n⁰127 e Yojimbo (Akira Kurosawa, 1961), n⁰143. Não é pra tanto...


OBS: Publicado em fevereiro de 2010 no site http://www.programapapodebuteco.com.br/

Distrito 9 (Neill Blomkamp, 2009)


Em 1996, em pleno dia da Independência dos Estados Unidos, um verdadeiro blockbuster tomou as salas de cinema do mundo inteiro: Independence Day. A data não poderia ter sido mais do que oportuna, afinal de contas, o filme exala em cada fotograma um exagerado patriotismo e faz dos heróicos cidadãos norte-americanos verdadeiros salvadores da raça humana. O filme, que foi sucesso de público, é lembrado por muitos ao lado de Alien, o oitavo passageiro e das contribuições pessoais de Spielberg para o gênero (ET – o extraterrestre, Contatos Imediatos do Terceiro Grau e Guerra dos Mundos) como um marco da invasão alienígena. Goste-se ou não.

Infelizmente dois outros filmes, menores, lançados em 1996 e 1997 não lograram do mesmo êxito: Marte Ataca, de Tim Burton e Tropas Estelares, de Paul Verhoeven. Muito mais ricos em referências e idéias, críticos em relação ao assunto e políticos na abordagem, ambos custaram caro a seus realizadores, vindo, cada qual, a se tornar o único fracasso comercial de Burton e a sepultar a carreira hollywoodiana de Verhoeven.

Eis que em 2009 um óvni vindo de Johanesburgo, Distrito 9, assalta as telas de cinema e traz um sopro de criatividade a um gênero ultimamente acomodado a refilmagens e batalhas inócuas. É difícil sair indiferente a mistura de filme favela, ficção-científica e semi-documentário proposta pelo novato diretor Neill Blomkamp. Apadrinhado pelo realizador da trilogia dos anéis, Peter Jackson, Blomkamp desloca o eixo da ação para a África do Sul subdesenvolvida, e apimenta a discussão com uma metáfora do apartheid sul-africano que também pode ser lida como uma metáfora da luta de forças entre o primeiro e o terceiro mundo. À classe branca do filme só interessa o domínio armamentista, que pratica mortes sádicas não muito diferente das imagens que circulam pela internet das torturas em Guantánamo. A consciência branca só muda de lado quando o herói da história, em uma transformação física impressionante, passa a agir em prol dos mais fracos. Como de hábito, o espírito belicoso do ser humano toma conta da projeção.

OBS: Publicado em outubro de 2009 no site http://www.programapapodebuteco.com.br/

domingo, julho 18, 2010

Dois diretores, duas visões de mundo


Vício Frenético (1992), de Abel Ferrara, e Vício Frenético (2009), de Werner Herzog, dois ótimos filmes que tomam rumos diferentes a partir do mesmo ponto de partida. Ambos partem do mesmo argumento e cada qual se desenrola bem à maneira de seus realizadores: o senso trágico de Ferrara se vê representado no catolicismo do personagem de Harvey Keitel enquanto que o mundo desequilibrado de Herzog se vê representado na New Orleans pós Katrina. Quem mais, a não ser Herzog, filmaria um crocodilo morto em plena rodovia? Só fui atrás do primeiro quando soube que o segundo estava sendo apresentado, em setembro de 2009, no Festival de Veneza. Recomendo a todos que façam o mesmo, pena que o filme ainda não tenha saído em DVD. Tomara que o lançamento em DVD do filme do Herzog encoraje os distribuidores a fazer o mesmo com a película do Ferrara.

Os dois filmes são de seus realizadores tanto quanto de seus protagonistas. Não da pra pensar cada filme sem a contribuição preciosa dos atores Harvey Keitel (1992) e Nicolas Cage (2009). Aliás, enquanto assistia a primeira versão pensei comigo, por onde anda Harvey Keitel? No início da década de 90 ele deu boas contribuições aos filmes que participou: Cães de Aluguel (1992) e Pulp Fiction (1994), ambos de Quentin Tarantino, O Piano (1993), de Jane Campion, Cortina de Fumaça (1995), de Wayne Wang e Clockers (1995), de Spike Lee. Não espanta saber que Martin Scorsese elegeu o Vício Frenético de Abel Ferrara como um dos 10 melhores filmes da década de 90, afinal de contas o Bad Lieutenant de Harvey Keitel, em busca da redenção de sua alma, pode ser visto como a versão mais velha do personagem Charlie, de Caminhos Perigosos (1973) do próprio Scorsese, interpretado pelo mesmo Keitel. Imperdível!

OBS: Publicado em fevereiro de 2010 no site http://www.programapapodebuteco.com.br/

sábado, julho 17, 2010

Bastardos Inglórios (Quentin Tarantino, 2009)


Enquanto os holofotes e a publicidade do filme Bastardos Inglórios (2009), de Quentin Tarantino, valorizam a presença de Brad Pitt no elenco, deixamos a sala do cinema nos perguntando: quem é o sujeito que interpreta o oficial alemão apelidado de “Caçador de Judeus”? É o austríaco Christoph Waltz. O cara literalmente rouba a cena. Não foi à toa que recebeu, este ano, a Palma de Ouro de Melhor Ator no Festival de Cannes por sua atuação.

É impressionante o vigor com que Tarantino dirige todas as cenas do filme. São tão bem acabadas, decupadas, escritas, são tão únicas, que dariam todas, uma coleção de curtas metragens. Por mais que exista um eixo narrativo que agrupe todas as cenas, elas parecem existir independentes umas das outras. Tome a primeira cena como exemplo, uma verdadeira obra-prima.

Em um mercado desabituado a filmes falados em outra língua que não o inglês (vide o exemplo do que foi feito com os recentes Operação Valquíria (2008), de Bryan Singer, O leitor (2008), de Stephen Daldry e Um homem bom (2008), de Vicente Amorim), é louvável a coragem do diretor de escrever em alemão, francês e italiano e ainda assim fazer piadas do uso das mesmas. O próprio Christoph Waltz fala as quatro línguas. O diretor tem uma queda confessa pelo idioma francês, já que os franceses sempre o respeitaram e o reconhecem como um verdadeiro auteur. Não se trata de mera coincidência o fato da dona da sala de cinema no filme ser uma francesa.

Tarantino mais uma vez faz a alegria dos cinéfilos com seu mix de filme de guerra, western spaghetti, filmes de ação e comédia tresloucada e compartilha com o público seu gosto de fazer cinema recheando o filme de referências. Hitler como esse, apenas nos filmes de Ernst Lubitsch e Charles Chaplin. Mas não pense que o filme é uma comédia, só está repleto de humor, e dos bons.

OBS: Publicado em setembro de 2009 no site http://www.programapapodebuteco.com.br/