segunda-feira, outubro 31, 2016

Sinfonia da Necrópole (Juliana Rojas, 2014)


O Blogger, Blogspot ou Google Blogs, plataforma grátis da Google para criação de blogs, reformulou recentemente os templates, obrigando seus usuários a reorganizar os gadgets que compunham os seus respectivos espaços (layouts). Este blogueiro fajuto que vos escreve demorou em entender o teor das mensagens que o próprio Google enviava, na tentativa de explicar a mudança que já estava em curso. De repente, o gadget que exibia a minha lista de blogs que eu costumava acessar, o qual eu conferi o nome de “Os Comparsas”, sumiu. Estou desde então tentando recompô-lo, dependendo da minha memória falha, que pouco tem me ajudado para trazê-los de volta a este espaço. Dessa forma, voltei a pesquisá-los, o que tem me proporcionado novas descobertas. Um deles é o blog www.discursocinematografico.com.br, do Yuri Deliberalli, cujo conteúdo me chamou a atenção e desde então me tornei frequentador. O texto desta postagem, inclusive, é dele e foi publicado alguns dias atrás. Vale a visita ao seu espaço!

Sinfonia da Necrópole por Yuri Deliberalli

O estranhamento é a engrenagem que gira e move Sinfonia da Necrópole rumo ao campo do desconhecido na cinematografia brasileira. A começar pelo gênero: um musical ambientado em um cemitério paulistano e permeado por músicas sobre a vida, a morte e o amor, cantadas por personagens dos mais variados tipos, como um padre que come hóstias, um velho que deseja morrer e pelos próprios coveiros que lá trabalham.

Dentre eles está Deodato (Eduardo Gomes), o aprendiz de coveiro que logo na primeira cena surge sendo retirado de um túmulo porque desmaiou durante um enterro. Deodato é esse homem meio desajeitado que não faz nada direito e que vive em São Paulo para tentar algo da vida. Eis que o administrador do cemitério anuncia um novo projeto de modernização do local e assim chega Jaqueline (Luciana Paes), a agente funerária insensível e focada no trabalho que tumultuará o coração de Deodato.

A lógica da relação entre os dois é um tanto imprevisível, se pensarmos na tradição dos romances clássicos (os opostos se atraem?), porque Deodato pode conseguir tudo, menos encantar Jaqueline. É o homem meio abobalhado que vê na mulher independente e cheia de si mesma a “diferença” que justifica a paixão. Por não ser necessariamente correspondido, cria-se uma relação de poder, em que Jaqueline se delicia ao exercer controle sobre o apaixonado Deodato.

Jaqueline é, afinal, a personificação do ser humano urbano moderno, preocupado em demasia com o trabalho e sem tempo para relacionamentos. Chega ao cemitério obstinada a reformular os túmulos antigos e concretizar o projeto de modernização dos jazigos, missão esta que ganha contornos metafóricos nas mãos da diretora Juliana Rojas. Isso porque faz o jogo cênico de equiparar tal projeto com a especulação imobiliária que avança selvagemente por São Paulo, em que casas (túmulos terrenos) são destruídas e seus moradores (mortos) desalojados de forma autoritária para dar lugar a prédios suntuosos (jazigos verticais).

Mas é preciso deixar claro que Rojas não faz da questão social um mote político de tom alarmante e urgente, a ponto de transformar o seu musical funerário no que há de pior do cinema político contemporâneo. Pelo contrário, o ar ingênuo, natural e cômico permanece durante todo o registro para formalizar o estranhamento que o move, afinal, não é todo dia que vemos um filme tão corajoso e apto a correr riscos, sem medo de errar ou ser cafona. É por isso que o resultado final seja um filme expansivo, aberto a inúmeras leituras e feliz em ser um peixe fora da água.