segunda-feira, agosto 31, 2015

Lutador de Rua (Walter Hill, 1975)


Eu acho que encontrei o filme que foi capaz de me fazer enxergar o talento de Charles Bronson. Os anos em que a programação televisiva insistia nas sessões de Desejo de Matar (SuperCines e afins), fizeram-me criar um preconceito infundado em relação ao ator. O IMDB lista 167 produções em que ele atuou, dos quais vi algumas poucas, embora não me recorde de sua presença na maioria delas - verdade que ele atua como coadjuvante em todas elas.

O filme de estréia de Walter Hill opera muito próximo de um Jean Pierre Melville, com algumas tomadas quase extraídas de O Samurai (1967). Além do aspecto estético, o comportamento lacônico dos protagonistas contribui para a aproximação comparativa. A estrutura narrativa é a mais simples possível, podendo servir de referência para os livros que se prestam a ensinar a elaboração de roteiros. O protagonista, lutador de rua do título em português (Charles Bronson), exibe suas habilidades marciais no início (na apresentação do personagem), no meio do filme (quando o triunfo da sua arte equivale a sua invencibilidade) e na última cena (quando a humildade se sobrepõe ao orgulho).

O arco narrativo esboçado pelo roteiro serve ao protagonista tão bem como ao coadjuvante (James Coburn). Na verdade, é o personagem de James Coburn que estabelece o conflito ao qual todo o eixo de sustentação moral do filme será julgado. Só ao termino da última luta é que as motivações de todos os personagens serão devidamente esclarecidas. Nessa manipulação dos ânimos dos envolvidos, da qual o espectador participa passivamente, Walter Hill entrega exatamente o que prometeu: um espetáculo artístico de alto nível, proporcionado pela rivalidade ficcional de seus personagens. O vício do jogo, que alimenta o desejo de Speed (James Coburn) e Gandil (Michael McGuire), é a razão de ser do filme, cujo efeito extasiante atinge em cheio o espectador.

sexta-feira, agosto 21, 2015

Depois da Chuva (Cláudio Marques e Marília Hughes, 2013)


Foi por causa de gente como você, que confunde liberdade com bagunça, que os militares tomaram o poder. Basta desse confronto aqui na escola. Eu vou conversar com a sua mãe, espero que ela dê um jeito no senhor.
Diretor da escola 
Esse breve sermão é direcionado ao protagonista Caio (o ótimo Pedro Maia) por causa de uma redação redigida no calor do Movimento das Diretas Já, em que o mesmo manifestava sua descrença com os rumos do país, sujeito a "escolha" de dois candidatos à presidência que não despertavam a ideia de renovação que o Movimento se esforçava em "vender".

Logo após o término dessa fala, os diretores Cláudio e Marília realizam um corte abrupto para inserir um comercial famoso dos anos 80, do jeans Starup, conhecido como "O Protesto". Com uma ambientação digna do clipe London Calling do grupo britânico The Clash, o comercial reproduz habilmente o embate do proletariado com a polícia, fundindo imagens dignas de um Estado repressor (por meio da ação policial) à uma narração oportuna que valoriza as qualidades do produto em questão sob as mais adversas condições. Esse material publicitário inserido nesse momento da narrativa, um pouco antes da metade do filme, rivaliza com a seriedade do Movimento, visto até então como a pedra de salvação do nosso país - o material de arquivo selecionado explora o contexto de euforia que levou milhares de pessoas às ruas, em sua maioria confiantes de que as mudanças viriam e seriam transformadoras.

Ao término do comercial os realizadores cortam para a mãe de Caio sentada na poltrona de casa com a televisão ligada, no que o próprio Caio chega para conversar com ela. Segue-se um discurso bem escapista, quase uma não-conversa, um puxão de orelha mal dado, ao que a mãe termina com o seguinte pedido (no intuito de estabelecer um pacto entre ela e o filho): "eu não dou trabalho pra você, e você não dá trabalho pra mim".

A partir dessa sequência, bem representativa do jogo de toma lá dá cá que os pais e a escola praticam quando se trata de assumir responsabilidades pela educação dos jovens, a narrativa assume um tom mais sombrio, reconfigurando o papel do grupo de resistência do qual Caio faz parte, ao alinhar o macroambiente (Diretas Já) com o microambiente (eleições para representante na escola local).

Pode-se argumentar que a distância que separa os eventos retratados pelo filme dos dias de hoje permite aos realizadores olhar para o passado com uma sobriedade questionadora, impossível de se manifestar plenamente à medida que os eventos transcorriam. Ainda que alguém julgue esse exercício fácil de ser realizado, ninguém pode lhes tirar o mérito de promover no espectador uma reflexão madura do macroambiente político em que estamos inseridos hoje: colhemos a muda que foi plantada lá atrás.

No calor das Manifestações de Junho de 2013, sempre havia alguém para nos lembrar que os políticos são o espelho de nós mesmos. Nunca essa premissa foi tão verdadeira.