sexta-feira, agosto 21, 2015

Depois da Chuva (Cláudio Marques e Marília Hughes, 2013)


Foi por causa de gente como você, que confunde liberdade com bagunça, que os militares tomaram o poder. Basta desse confronto aqui na escola. Eu vou conversar com a sua mãe, espero que ela dê um jeito no senhor.
Diretor da escola 
Esse breve sermão é direcionado ao protagonista Caio (o ótimo Pedro Maia) por causa de uma redação redigida no calor do Movimento das Diretas Já, em que o mesmo manifestava sua descrença com os rumos do país, sujeito a "escolha" de dois candidatos à presidência que não despertavam a ideia de renovação que o Movimento se esforçava em "vender".

Logo após o término dessa fala, os diretores Cláudio e Marília realizam um corte abrupto para inserir um comercial famoso dos anos 80, do jeans Starup, conhecido como "O Protesto". Com uma ambientação digna do clipe London Calling do grupo britânico The Clash, o comercial reproduz habilmente o embate do proletariado com a polícia, fundindo imagens dignas de um Estado repressor (por meio da ação policial) à uma narração oportuna que valoriza as qualidades do produto em questão sob as mais adversas condições. Esse material publicitário inserido nesse momento da narrativa, um pouco antes da metade do filme, rivaliza com a seriedade do Movimento, visto até então como a pedra de salvação do nosso país - o material de arquivo selecionado explora o contexto de euforia que levou milhares de pessoas às ruas, em sua maioria confiantes de que as mudanças viriam e seriam transformadoras.

Ao término do comercial os realizadores cortam para a mãe de Caio sentada na poltrona de casa com a televisão ligada, no que o próprio Caio chega para conversar com ela. Segue-se um discurso bem escapista, quase uma não-conversa, um puxão de orelha mal dado, ao que a mãe termina com o seguinte pedido (no intuito de estabelecer um pacto entre ela e o filho): "eu não dou trabalho pra você, e você não dá trabalho pra mim".

A partir dessa sequência, bem representativa do jogo de toma lá dá cá que os pais e a escola praticam quando se trata de assumir responsabilidades pela educação dos jovens, a narrativa assume um tom mais sombrio, reconfigurando o papel do grupo de resistência do qual Caio faz parte, ao alinhar o macroambiente (Diretas Já) com o microambiente (eleições para representante na escola local).

Pode-se argumentar que a distância que separa os eventos retratados pelo filme dos dias de hoje permite aos realizadores olhar para o passado com uma sobriedade questionadora, impossível de se manifestar plenamente à medida que os eventos transcorriam. Ainda que alguém julgue esse exercício fácil de ser realizado, ninguém pode lhes tirar o mérito de promover no espectador uma reflexão madura do macroambiente político em que estamos inseridos hoje: colhemos a muda que foi plantada lá atrás.

No calor das Manifestações de Junho de 2013, sempre havia alguém para nos lembrar que os políticos são o espelho de nós mesmos. Nunca essa premissa foi tão verdadeira.

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