sábado, agosto 30, 2014

Lawrence da Arábia (David Lean, 1962)




As pessoas sempre fazem as coisas por dois motivos, o bom e o verdadeiro.
J.P.Morgan
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Jackson Bentley: I´m looking for a hero.
Prince Feisal: Indeed, you do not seem a romantic man. 
Jackson Bentley: Oh, no! But certain influential men back home believe the time has come for America to lend her weight to the patriotic struggle against Germany… and Turkey. Now, I´ve been sent to find material that makes this war seem more… 
Prince Feisal: Enjoyable? 
Jackson Bentley: Oh, hardly THAT, sir. But to show it in its more… adventurous aspects. 
Prince Feisal: You are looking for a figure that will draw your country towards war? 
Jackson Bentley: All right, yes. 
Prince Feisal: Lawrence is your man.
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Jackson Bentley: What is it, Major Lawrence, that attracts you personally to the desert? 
T.E. Lawrence: It's clean.

Quando Lawrence (Peter O'Toole) responde a essa questão do jornalista Bentley (Arthur Kennedy), sua condição no deserto já se encontra plenamente estabelecida, tanto do ponto de vista pessoal, da adaptação corpórea à adversidade climática, como do ponto de vista da influência, política e/ou emocional. Esse momento representa o auge da sua trajetória, no retorno triunfante à frente de batalha, equilibrando os interesses dos árabes de um lado, e dos ingleses do outro. O espectador a essa altura já enxerga um panorama mais pessimista, incentivado pela chegada do tal jornalista americano pragmático, cujos comentários não escondem o interesse da futura potência em acomodar as forças conflitantes conforme a sua conveniência e o proveito dos britânicos.

Assistir a Lawrence da Arábia no cinema é um sonho. É o típico filme que não cabe na tela diminuta de um televisor. A magnitude das cenas no deserto exige a dimensão alcançada pelo projetor cinematográfico para ser devidamente apreciada. O presente foi proporcionado pela rede de cinemas Cinemark, num esforço louvável para relançar em cópias digitais (de matrizes restauradas) alguns filmes que ganharam status de cult. Na primeira leva estiveram presentes O Poderoso Chefão (Francis Ford Copolla, 1972) e Quanto Mais Quente Melhor (Billy wilder, 1959), cuja oportunidade de vê-los na tela grande eu já tive. A segunda temporada promete Taxi Driver (Martin Scorsese, 1976), Laranja Mecânica (Stanley Kubrick, 1971) e Pulp Fiction (Quentin Tarantino, 1994).

Na primeira ocasião em que eu vi Lawrence da Arábia, o ego do personagem não me pareceu tão inflado. Desta vez eu me dei conta do quanto a sua personalidade influenciou os desdobramentos bélicos originados na região do Oriente Médio, atuando como uma espécie de conselheiro logístico pela independência dos árabes. Suas emoções estão nitidamente estampadas em seus trajes, alterando conforme a ocasião - o figurino assume um papel dramático, inclusive espelhando a sua vaidade. Sua indumentária é o reflexo perfeito da sua postura ideológica pontual, ora imperialista (tendendo para os britânicos), ora pró-independência (tendendo para os árabes). Esse conflito interno, que baliza a construção do personagem, chega ao espectador (em imagens) por meio do seu vestuário.

Essa relação conflituosa de um personagem estrangulado pelas forças políticas que o circundam já havia sido explorada por Elia Kazan no ótimo Viva Zapata (1952). A diferença é que Kazan optou por martirizar seu personagem, exemplo maior de caráter e conduta, interpretado por Marlon Brando.  Seu filme é mais panfletário, esquerdista até, expediente pelo qual ele teve de responder posteriormente quando intimado a prestar esclarecimentos no Comitê de Investigações de Atividades Anti-Americanas. Kazan ainda insistiria nessa abordagem manipulativa de um personagem em Um Rosto na Multidão (1957), num contexto midiático pleno e de exposição danosa (os primórdios da televisão e da exploração da imagem).

Todos os três filmes mencionados retratam figuras que, de uma forma ou de outra e envolvendo graus distintos de influência e caráter, operam como marionetes (puppets) num cenário político de interesses bem mais amplo/complexo do que eles são capazes de enxergar. O custo pessoal da empreitada é alto, talvez além do que eles estariam dispostos a arcar se soubessem dos sacrifícios a que seriam submetidos, fossem eles físicos ou morais.

E examinando-lhes a vida e as ações, conclui-se que eles não receberam da fortuna mais do que a ocasião de poder amoldar as coisas como melhor lhe aprouveram. Sem aquela ocasião, suas qualidades pessoais se teriam apagado e sem essas virtudes a ocasião lhes teria sido vã.
 O Príncipe, Nicolau Maquiavel

segunda-feira, agosto 18, 2014

Também Fomos Felizes (Yasujirô Ozu, 1951)


Dos poucos filmes que eu vi do Ozu (ainda), Também Fomos Felizes (1951) é aquele que congrega o maior número de personagens, seja dentro do universo da família retratada ou daqueles que orbitam ao seu redor. Para além de todas as considerações recorrentes presentes em qualquer análise que se faça de sua obra, relacionadas ao posicionamento de câmera, ao registro dos detalhes dos objetos em cena, ou dos rituais cotidianos domésticos, bem como do prosaísmo das relações humanas, foi neste exemplar que a maestria da sua direção se fez notar mais nitidamente pra mim. A sua intervenção me pareceu tão precisa, tão cirúrgica, a ponto de me fazer crer por vários instantes que não era um filme que se desenrolava diante de meus olhos, mas um drama concreto, palpável, que bem poderia ser o meu e de minha família - embora, obviamente, a minha realidade seja bem diferente da condição de vida japonesa do pós-guerra.

O enredo é básico: a família Mamiya procura um marido para a filha mais nova, Noriko, interpretada por Setsuko Hara, com a habitual leveza quase sobrenatural que caracteriza as suas parcerias com Ozu. No entanto, a moça não quer aceitar um casamento arranjado. Simples assim.

É absolutamente impressionante como nenhuma palavra trocada ou ação empregada carrega qualquer resquício de artificialidade, nada parece forçado ou fora de contexto. As emoções exploradas pelos personagens, mesmo aquelas que possuem uma inclinação mais negativa, tais como as manifestações machistas do irmão mais velho (Chishû Ryû, o eterno parceiro de Ozu), são genuínas, perfeitamente cabíveis dentro do contexto sócio-econômico-cultural na qual o Japão estava inserido. O equilíbrio das forças que regem as relações dos personagens é perfeito, o mais próximo possível da naturalidade, sem prejuízo algum para a exploração da ficção (inerente à própria ideia de filme/cinema) ou para qualquer aproximação que se queira fazer delas no plano da realidade. É como se o cinema de Ozu, e mais propriamente de Também Fomos Felizes, fosse a representação fiel da realidade humana, ao menos no que concerne os dilemas (comuns/corriqueiros) enfrentados pelos seres humanos no dia a dia - sem o efeito da "manipulação" intrínseca à prática cinematográfica.

Três cenas permanecem comigo:

- quando Koichi (Chishû Ryû), irmão de Noriko e pai de dois filhos pequenos, se excede e dá um tapa no mais velho deles. A maneira como Ozu desenvolve o conflito até encontrar um desfecho para esse ato de desespero/irracionalidade é sublime. Não há como ser mais honesto no retrato do envolvimento dos personagens (principais e secundários) com o episódio;

- quando a mãe de Kenkichi declara a Noriko a sua vontade de vê-la fazendo parte de sua família (Kenkichi é viúvo e tem um filho, sofrendo um preconceito por parte da família de Noriko, que já prometera sua mão para outro pretendente, mais bem sucedido);

- o momento em que Noriko veria pessoalmente o seu pretendente arranjado, depois de haver se decidido por Kenkichi (a reação que ela teria ao vê-lo pessoalmente fica por conta da imaginação do público).

sexta-feira, agosto 08, 2014

O Signo das Tetas (Frederico Machado, ...)

Eu não sou muito bom para fazer promoção, seja das minhas coisas ou das coisas dos outros. Meus esforços parecem caminhar em direção contrária às minhas intenções – estou exagerando, naturalmente, mas ciente de que meu talento comercial precisa, e muito, ser mais bem trabalhado. Mesmo conhecendo as limitações do meu intento, e, sobretudo, do canal que faço uso para tal fim, aproveito teimosamente este modesto espaço para levar aos poucos curiosos que por fim abarquem por essas bandas o projeto do longa-metragem de Frederico Machado, O Signo das Tetas, que precisa de um “empurrãozinho” para ser finalizado. Quem viu o filme anterior de Frederico, O Exercício do Caos (2013), sabe que o esforço é justificado – o Canal Brasil já o adotou em sua programação corrente, sujeito a várias reprises, 13/08 às 00h45min ou 17/08 às 04h00. O tempo é curto e corre contra a sua conclusão. Enfim, quem tiver interesse acesse qualquer um dos links http://www.catarse.me/pt/osignodastetas ou http://lumefilmes.com.br/. Qualquer dúvida será melhor esclarecida por lá.