terça-feira, março 08, 2011

Mario Tursi (09/08/29 – 01/09/08)


Mario Tursi nasce na “Cidade Eterna” em 9 de agosto de 1929. Filho de fotógrafos, estava predestinado a ignorar o tempo através do seu olhar. Contrariando a astrologia do seu signo solar, era discreto e reservado.

Em 1943, Segunda Guerra Mundial, já trabalha como repórter fotográfico pelas ruas das cidades italianas e, com a “Libertação Italiana”, é contratado como fotógrafo do Vaticano. Passa por grandes agências jornalísticas e suas fotos giram o mundo.

É o cinema que corre atrás de Tursi a partir de 1953. O fotógrafo encontrava-se na cidade de San Pietro Romano durante as gravações de Pão, Amor e Fantasia, de Luigi Comencini, quando seu interesse pelo set cinematográfico é despertado.

Em 1956, torna-se diretor da Agência VEDO e faz alguns especiais para filmes americanos rodados na Itália. Em 1962, chega seu primeiro contrato como fotógrafo de cena para acompanhar toda uma produção. Mare Matto de Renato Castellani.

Em 1965, já completamente apaixonado pelo cinema, vende a agência e entrega-se à fotografia de cena. Faz Vagas Estrelas da Ursa com Visconti e uma grande parceria profissional é iniciada.

Tursi trabalha com Elio Petri em Investigação de um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita, ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 1970. Depois, dedica-se a Pasolini, Lina Wertmüller, Buñuel, Scola, Polanski e Trosi (com Massimo estabelece uma relação quase de pai e filho, acompanhando sua carreira cinematográfica do início até O Carteiro e o Poeta, último filme do ator e diretor).

Suas fotos de O Nome da Rosa, de Annaud e Piratas, de Polanski, giram o mundo e é cada vez mais admirado e reconhecido. Seus últimos registros foram Gangues de Nova York, de Scorsese e Sob o Sol da Toscana, de Audrey Wells.

Sempre quis, como fotógrafo, evitar as imagens de telenovelas; tecnicamente corretas, mas sem vida. Nunca gostou dos “quadrinhos” fotográficos “bem feitinhos”. Morre no dia 1 de setembro de 2008, deixando como maior, e mais valiosa herança, uma enorme coleção de imagens cristalizadas.



Estes são alguns dos trabalhos mais expressivos de Mario Tursi para o cinema:

O melhor dos inimigos – Guy Hamilton, 1961
Mare Matto (Craze Sea) – Renato Castellani, 1963
Vagas Estrelas da Ursa – Luchino Visconti, 1964
The Chairman – Jack Lee Thompson, 1968
Os Deuses Malditos – Luchino Visconti, 1969
Medea – Pier Paolo Pasolini, 1969
Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita – Elio Petri, 1970
Tristana – Luis Buñuel, 1970
Morte em Veneza – Luchino Visconti, 1971
O Decameron – Pier Paolo Pasolini, 1971
Lisa e o Diabo – Mario Bava, 1972
Ludwig – A Paixão de um Rei – Luchino Visconti, 1972
La proprietá non è più furto – Elio Petri, 1973
Violência e Paixão – Luchino Visconti, 1974
O Porteiro da Noite – Liliana Cavani, 1974
O Caso de uma Vida – Giuseppe Patroni Griffi, 1974
O Inocente – Luchino Visconti, 1976
Calígula – Tinto Brass, 1977
Um Dia Muito Especial – Ettore Scola, 1977
Tentação Proibida – Alberto Lattuada, 1978
Monsenhor – Frank Perry, 1982
Através Daquela Porta – Liliana Cavani, 1982
Era Uma Vez na América – Sergio Leone, 1983
Não resta mais nada a não ser chorar – Massimo Troisi, 1984
Os últimos dias de Pompéia – Peter Hunt, 1984
Piratas – Roman Polanski, 1986
O Nome da Rosa – Jean-Jacques Annaud, 1986
Crônica de uma Morte Anunciada – Francesco Rosi, 1987
A Última Tentação de Cristo – Martin Scorsese, 1988
O Pequeno Diabo – Roberto Benigni, 1988
Splendor – Ettore Scola, 1989
Que horas são? – Ettore Scola, 1989
Estamos todos bem – Giuseppe Tornatore, 1990
A Viagem do Capitão Tornado – Ettore Scola, 1990
O Carteiro e o Poeta – M. Radford e M. Troisi, 1994
O Cavalheiro do Telhado e a Dama das Sombras – Jean-Paul Rappeneau, 1994
Em luta pelo amor – Marshall Herskovitz, 1996
Kundun – Martin Scorsese, 1996
Sonhos de uma Noite de Verão – Michael Hoffman, 1997
Titus – Julie Taylor, 1998
U-571 A Batalha do Atlântico – Jonathan Mostow, 1999
Gangues de Nova York – Martin Scorsese, 2000
Sob o Sol da Toscana – Audrey Wells, 2003

sábado, março 05, 2011

Tursi, Apichatpong e Visconti

Depois de três meses sem visitar a capital, minha única certeza ao deixar Ribeirão no último dia 12 era de que veria o último filme do tailandês Apichatpong Weerasethakul: Tio Boonme, que pode recordar suas vidas passadas (2010). Até tentei assisti-lo durante a Mostra de São Paulo no ano passado, mas a sessão foi tão concorrida que os ingressos haviam se esgotado 12 horas antes da sua exibição. Felizmente (tem de haver um lado positivo nisso!), se não fosse por essa procura, não teria visto Caterpillar (2010), de Kôji Wakamatsu.

Eis que um consulta rápida ao blog do Luiz Zanin Oricchio, na parada no posto Graal da Rodovia dos Bandeirantes, alterou a minha programação inicial e me levou diretamente ao CINESESC na Rua Augusta. Discreto como sempre, Zanin chamava a atenção do leitor para a estréia de Violência e Paixão (1974), do mestre Luchino Visconti, em película de 35 mm. A cópia do filme havia aportado na capital sem qualquer cobertura das publicações impressas. Como se tratava de uma única sessão diária e eu ainda não havia programado outra ocasião para retornar a São Paulo, minha prioridade passou a ser o filme de Visconti.

Pra minha sorte - e bota sorte nisso - tive o privilégio de conferir no mesmo dia os três sujeitos que encabeçam este post. Por uma dessas felizes coincidências o filme do tailandês estava programado para passar uma sessão antes do filme do italiano. E pra arrematar o programa, o CINESESC, onde os dois filmes seriam exibidos, abrigava uma exposição temporária do fotógrafo Mário Tursi, responsável pelo registro em cena de todos os filmes de Visconti a partir de Vagas Estrelas da Ursa (1965). Tursi colaborou ainda com Ettore Scola, Pier Paolo Pasolini, Elio Petri, Martin Scorsese e muitos outros. O templo da cinefilia paulistana estava todo decorado com imagens captadas por Mário nos últimos filmes de Visconti. As fotos que seguem foram tiradas pela minha esposa no próprio CINESESC.










O próximo post será totalmente dedicado a Mário Tursi. Agora vou tratar dos dois filmes vistos em seguida.

Ao contrário da matemática, em que a ordem dos fatores não altera o produto, no cinema, a ordem dos filmes assistidos pode alterar a percepção a respeito de ambos, ou de apenas um deles, tanto pra melhor quanto pra pior. A experiência de assistir a filmes em seguida nos coloca, involuntariamente, na condição de compará-los, mesmo quando não há muito a se comparar – gêneros distintos, temas diversos, épocas diferentes, etc. A verdade é que mesmo a diferença, que sempre existirá, nos permite divagar nem que seja a respeito dela mesma. E é sempre bom lembrar que cada pessoa vê um filme diferente, afinal de contas nos projetamos sobre aquilo que vemos: nossas expectativas, experiência de vida, sonhos, frustrações, preconceitos, etc. Em toda sessão, carregamos conosco essa “bagagem de vida” que interage com o fluxo de imagens projetado na tela. É um processo inconsciente.

Dito isso, confesso que a experiência de ver Tio Boonme seguido de Violência e Paixão foi das melhores que já tive. Não sei até que ponto a programação foi intencional (de caso pensado) e duvido que muitas pessoas tenham feito como eu: assistir aos dois filmes em seguida. Seja como for, recomendo a prova. Acompanhei o início do filme de Visconti ainda digerindo o filme de Apichatpong. Tio Boonme pede uma pausa, um momento de meditação, aquela conversa - troca de idéias - com quem passou pela mesma experiência e saberá do que se trata. As imagens deslumbrantes de Tio Boonme clamam pelo nosso desvendamento, que não se dá necessariamente enquanto o assistimos e sim seguido da sua experimentação. Duas semanas se passaram e ainda me pego refletindo sobre a caverna, os macacos, a floresta, o bagre, o boi, a cachoeira, em suma, a natureza que o filme tanto preza.

Na comparação, três temas coincidem: a morte, a família e o conflito geracional. Entretanto, cada diretor sugere uma interação diferente entre esses elementos. Em Visconti, a morte vem para salvar as pobres almas penadas que habitam esse mundo. O inferno é aqui. O professor, interpretado magnificamente por Burt Lancaster, refugiado dentro da sua mansão, evita qualquer contato com o mundo exterior a fim de preservar a sua dignidade. Ele se esforça para não se “contaminar” pelo espírito vigente da época. A chegada da “sua família” abala seus valores morais, virando seu mundo de cabeça pra baixo. Os jovens são a ameaça - carregam os ideários em vigor. Em Apichatpong, a morte é um rito de passagem natural: sua chegada não é temida, mas sim celebrada – mesmo que por outros seres. O mundo é harmônico. A vida é enaltecida, louvada, renova-se o tempo todo. Tio Boonme, o personagem, se refugia no campo e se cerca da natureza e de sua família a fim de ser acolhido, preservado. Os jovens, seduzidos pelos avanços tecnológicos, encontram dificuldades para interagir com essa natureza contemplativa. Eles não chegam a representar uma ameaça, como o são os jovens de Visconti, mas caminham em sentido oposto ao equilíbrio proposto pelo diretor.

Visconti e sua fiel roteirista, Suso Cecchi d’Amico, carregam os diálogos em significância, urgência e gravidade. É tudo pesado, grandiloquente: figurino, decoração, locação. Apichatpong, ao contrário, conduz seu projeto com mãos leves. A edição de som é primorosa, nos coloca “dentro” da natureza retratada por ele. Água, terra e ar se tornam praticamente tangíveis.

A política sempre andou de mãos dadas com Visconti: comunista e filho da nobreza italiana, criou uma obra cheia de contradições (como sua própria vida, era ainda homossexual), repleta de personagens atormentados, divididos entre a razão (convicções políticas) e a emoção. Em Violência e Paixão é o maio de 68 que compõe o panorama político sobre o qual os personagens se debruçam. Um prato cheio para Visconti expor a sua incredulidade a respeito dos rumos que o mundo tomou.

É curioso como Apichatpong confere um viés político ao seu belo filme sem ser pedante. A política nunca se impõe; ainda assim constatamos o efeito da sua prática sobre o destino dos personagens. A televisão e suas imagens, que compõem a última cena, são o espelho do mundo que habitamos. Na tela vemos soldados armados marchando rumo a um confronto. Essa inserção sem alardes - nada forçada - logo após a enxurrada de "natureza" que permeia toda a projeção desperta um sentimento incômodo que vez ou outra nos acomete e que somos incapazes de eximir: o de sobrevalorizar tudo o que estamos prestes a perder - ou já foi perdido. Apichatpong encerra seu filme em tom preocupante, sem respostas fáceis. Ao menos, o recado foi dado.