domingo, abril 24, 2011

Copie Conforme ainda...



Quando escrevi o texto a respeito de Cópia Fiel, a imagem que eu tinha em mente para ilustrar o post não era exatamente aquela que acabou ficando; seriam, na verdade, as duas imagens que abrem esta publicação.

Só não ficou desta forma porque eu não encontrava na net este fotograma de William Shimell: ele faz o contraponto perfeito do fotograma de Juliette Binoche (usado em larga escala para a divulgação do filme). Zapeando ontem na net, acabei esbarrando com ele e resolvi aproveitá-lo.

A iluminação, a expressão facial, o brilho, a expressão corporal, a sombra, a janela menor, a janela maior, a janela fechada, a janela aberta, o pescoço coberto, o peitoril exposto, o azul, o cinza, os tons escuros, o vermelho, o bege, os tons claros, a sisudez, a leveza dos gestos.

O filme todo está ai, basta querer enxergar.

sexta-feira, abril 22, 2011

Kubrick na Cinemateca de Paris

Eu estava convencido em não postar as fotos que tirei da Exposição de Stanley Kubrick que visitei no mês passado – estava rolando na Cinemateca de Paris. Era proibido tirar fotos e as poucas que eu consegui registrar não ficaram lá essas coisas (tirei as mesmas do meu iPhone sempre que rolava uma brecha). Depois que li o post do Merten comentando a visita que faria à Exposição após o festival de Cannes deste ano, percebi que talvez esse “documento”, uma vez postado, não correria o risco de ser deletado do meu computador - exatamente como fiz com as fotos da Exposição de Guerra nas Estrelas que passou pelo Ibirapuera há uns anos atrás.

Neste espaço, sei que elas estarão protegidas de mim mesmo.

Como disse, a qualidade não é das melhores...

Se vier ao Brasil, vou de novo.




quarta-feira, abril 20, 2011

Cópia Fiel (Abbas Kiarostami, 2010)


“Não suporto o cinema narrativo. Quanto mais ele conta história e quanto melhor o faz, maior fica minha resistência. O único meio de pensar um novo cinema é dar maior importância ao papel do espectador. Devemos encarar um cinema inacabado e incompleto para que o espectador possa intervir e preencher os espaços vazios, as lacunas. Ao invés de fazer um filme com estrutura sólida, devemos enfraquecê-la – tendo consciência de que não se deve afugentar o espectador.”
Abbas Kiarostami



Qualquer abordagem que se faça de Cópia Fiel, é primordial que se leve em consideração o fato de Kiarostami filmar pela primeira vez fora do seu país natal, o Irã. O olhar de quem vê - tanto do seu realizador quanto de seus personagens (uma francesa e um inglês) - é o olhar do estrangeiro, que sem se dar conta se vê transformado pelo espaço que habita, mesmo quando procura permanecer incólume às suas influências. Por meio da jornada de um “casal” (uma referência ao fato de os protagonistas serem um homem e uma mulher, ou/bem como o fato de os protagonistas estarem casados), à imagem e semelhança (cópia?) de Viagem à Itália (1954), de Roberto Rossellini (original), acompanhamos a desconstrução de um relacionamento (já existente, ou que está por se formar).
 
O encontro do “casal” se dá na Itália, na belíssima região da Toscana, em meio a pinturas, afrescos, esculturas, estátuas e muita história. Em virtude do convite para o lançamento do seu livro intitulado Copie Conforme (que deve sua inspiração à região em questão e coincide com o nome original do filme), o inglês, interpretado por William Shimell, aceita o pedido da francesa - Juliette Binoche, dona de uma galeria local de antiquarias - para dialogar a respeito da questão levantada pela sua publicação: a de que uma cópia vale o mesmo, ou mais, que o original. O nível dos diálogos beira a perfeição e a interação dos dois com o assunto se restringe ao aspecto formal da questão: no melhor estilo “faça o que eu digo, não faça o que eu faço” – uma interação fria, intelectualizada; sem envolvimento, pouco emocional. O interesse dos protagonistas pelo meio em que se encontram se faz apenas por intermédio daquilo que ele representa – restringe-se ao comércio dessas "representações" (lembremos que os proventos de ambos são oriundos da exploração do legado histórico da região).

É no contato com uma nativa (dotada de outro senso de valores), quase na metade da projeção, que nossa percepção dá uma volta de 180 graus. A partir da conversa travada entre a personagem de Juliette Binoche e a dona de uma cafeteria, Kiarostami nos convida a participar da sua versão do “jogo dos sexos” no melhor estilo de uma screwball comedy de Howard Hawks. Nesse “jogo” chocam-se culturas, dominação e subserviência (esse recurso é usado com maestria por meio do idioma empregado pelo emissor da conversação), verdades e mentiras, lembranças e memórias, opiniões e pontos de vista. No tabuleiro de Kiarostami, encenamos sempre a mesma peça: seja ela original ou uma cópia, não importa, nosso repertório limita-se sempre as mesmas jogadas desempenhadas de formas diferentes. Cada qual se vale das armas que dispõe: a mulher, a sensualidade; o homem, a retórica do discurso. Apesar da representação esquemática, de minha parte, o filme não poderia se desenvolver de maneira mais natural: absolutamente nada soa falso. A estória dos dois bem que poderia ser a estória de qualquer um.

Talvez uma metragem um pouco mais curta lhe faria bem, em especial para algumas cenas mais ao fim. Mesmo longe de se tratar de um flerte do diretor iraniano com o cinema norte americano, eu diria que o resultado é o mais próximo que ele consegue chegar de uma comédia romântica. Felizmente esse “rótulo” não limita seu alcance nem interpretação; talvez represente mais uma via de acesso para obra tão rica e instigante, cujo diretor goza da fama de “difícil”.

Quem dera Kiarostami se aventurasse por outros gêneros no intuito de subvertê-los... A gente agradeceria.

domingo, abril 10, 2011

Anjo do Mal (Samuel Fuller, 1953)


Skip McCoy: Sou you’re a Red, who cares? Your money’s as good as anybody else’s.
________________________________________
Skip McCoy: You boys are talking to the wrong corner. I’m just a guy keeping my hands in my own pockets.
FBI Agent Zara: If you refuse to cooperate you’ll be as guilty as the traitors who gave Stalin the A-bomb.
Skip McCoy: Are you *waving the flag* at me?
______________________________________
Moe Williams: What’s the matter with you? Playing footsie with the Commies!
Skip McCoy: You waving the flag, too?
Moe Williams: Listen, I knew you since you was a little kid. You was always a regular kind of crook. I never figured you for a louse.
Skip McCoy: Stop, you’re breaking my heart.
Moe Williams: Even in our crummy line of business you gotta draw the line somewhere.
________________________________________
Moe Williams: You got any Happy Money
Candy: Happy Money?
Moe Williams: Yeah, money that’s gonna make me happy.

O que são esses diálogos? Curtos, francos, diretos, ríspidos. Não me lembro de outros filmes com tantas frases de efeito como essas (certamente hão de existir, mas mesmo um cinéfilo mais experimentado teria dificuldades em nomeá-los; esse grau de excelência não se atinge a todo momento). A partir dessa pequena amostragem (havia muito mais coisa pra colocar!) é possível sacar que a história se passa em algum momento em que a bandeira vermelha significava muito mais do que apenas uma cor que evoca a paixão, o calor. O filme é de 1953 (foi produzido no calor do momento), e por meio dele dá pra se ter uma ideia do que era viver nos EUA em plena Guerra Fria: a paranóia estava instaurada. Só havia duas bandas tocando na cidade: os capitalistas e os comunistas. Se você não simpatizava com uma delas, logo você torcia pela outra. Esse mal entendido, na ocasião, podia custar uma vida.

Os personagens de Fuller trafegam justamente nessa linha tênue, nesse espaço estreito, se recusando a abraçar os “ismos” vigentes. Como em toda a sua obra, é dos marginais que o filme trata. Seus heróis, ou vilões (essa distinção não se dá com tanta facilidade), são sobreviventes, guerreiros, combatentes; no momento em que somos devidamente apresentados, eles já se encontram “no lugar errado, na hora errada”. O registro desses seres humanos lutando/combatendo para sair dessa condição é o que interessa a Fuller.

Richard Widmark (Skip McCoy) e Thelma Ritter (Moe Williams) estão impagáveis, perfeitos. Não é comum ver atores do primeiro escalão em uma produção assinada por Samuel Fuller. Seu cinema, bem como seus personagens, transitam pelas margens do sistema: retratam aquilo que ninguém quer ver, nem comentar. O mundo é sujo, corrupto. Fuller expõe seu ponto de vista num tom irônico e recheia o discurso de seus personagens (seus porta-vozes) de cinismo. Sem este recurso, o impacto do seu filme não seria o mesmo.

OBS: páreo para a criativa geladeira de Skip McCoy só mesmo o escorredor de C.C Baxter (Jack Lemmon) em Se meu apartamento falasse (1960), de Billy Wilder. Inesquecível!

Abaixo, numa breve entrevista que integra o documentário A Personal Journey with Martin Scorsese Through American Movies (1995), o diretor esclarece como as autoridades censuravam passagens de obras artísticas. O caso relatado refere-se a Anjos do Mal e a passagem em questão se encontra nos diálogos transcritos no início do post.

Samuel Fuller (1989) Quando ele dizia “Não esfregue a maldita bandeira na minha cara”, Edgar Hoover fez objeção à frase em minha presença na mesa do Romanoff, com Zanuck. Ele desaprovava que um americano dissesse, no calor da Guerra Fria com a Rússia, “Não esfregue a maldita bandeira na minha cara”. E Zanuck me disse: “Ele tem razão, vamos tirar o maldita”. Hoover ficou muito furioso: “Você sabe muito bem que não é a isso que me refiro”. E Zanuck explicou tudo muito simplesmente. Era amigo dele, conhecia-o bem. “Quem está falando é um personagem, e esse personagem não dá a mínima para a bandeira. Ela não significa nada para ele. Qualquer bandeira! É preciso ser como aquele personagem. Caso contrário acabamos fazendo um filme de propaganda, e não fazemos esse tipo de filme”.
  • Em inglês, a expressão wave the flag (ao pé da letra, “agitar a bandeira”) tem também o sentido figurado de manifestar lealdade a um país, um partido ou uma ideologia. Na cena em questão, é este segundo sentido que prevalece.