The connection between religious and imagination, which influences perception and behavior, is a fascinating area of inquiry. Even in post–Christian America – for those willing to accept the term – religious imaginations in their many diverse forms continue to shape the lines of discourse and give rise to prejudice and conflict. Understanding the ways religion influences the imagination may at long last help people of conflicting faiths and those who claim no faith at all, to appreciate their differences. The movies can provide a fruitful, if modest, contribuition to that enterprise.
Richard A. Blake
________________________________________
Há dois posts atrás, tratando de Homens e Deuses (Xavier Beauvois, 2010), eu comentava sobre o cristianismo de Beauvois (ou o que restou do cristianismo no mundo contemporâneo, como abordá-lo hoje em dia?) quando comparado à visão católica de mundo de Bresson, Dreyer e Bergman retratada em seus respectivos filmes. Ao assistir Terra Bruta (1961), Domínio de Bárbaros (1947), e O delator (1935), todos de John Ford, o post me veio à cabeça novamente - como eu já imaginava que seria.
O cinema norte americano também foi capaz de nos brindar com grandes cineastas que filtravam seus dramas por meio das lentes do cristianismo. Numa vertente mais narrativa e menos contemplativa (diferente do cinema europeu, menos narrativo e mais contemplativo), resultando, normalmente, em formas menos diretas de retratação, também é possível encontrar indícios de sua prática em produções de cunho mais comercial – John Ford, Alfred Hitchcock, Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Frank Capra e Brian de Palma, pra ficar em alguns nomes mais representativos. É curioso notar que alguns desses autores, não raro, negavam essa influência sobre seus trabalhos. Seja pela escola, pela educação, pelos pais ou pelo meio, seus filmes não desmentem: o catolicismo configura o prisma sob o qual cada um desses mundos – entenda-se, filmes - chegou até nós.
Quem me faz retomar esse assunto aqui é o cineasta John Ford e os seus três filmes listados acima. Tratando-se de John Ford, é praticamente impossível conversar a respeito de um de seus filmes sem mencionar seus outros. Ford se nutria de um imaginário cristão (mais precisamente católico) para compor o caráter de seus personagens e as vastas planícies de seus filmes. Na maioria das vezes, a presença do cristianismo se dava de forma sutil, discreta, quase imperceptível (não é o caso de Domínio de Bárbaros). Porém, o fato de não haver uma menção explícita ao catolicismo, em algumas de suas produções, não significa que ele esteja ausente. Para enxergarmos a influência do cristianismo em sua obra, quando este não se apresenta de forma tão evidente, devemos treinar o olhar para juntar as peças desse quebra-cabeça. Quando se pensa em John Ford uma coisa é certa: seus filmes enriquecem quando analisados em conjunto. A coerência de sua obra permite que encontremos respostas para nossas perguntas em outras produções com a sua assinatura. Isto é uma das bases para se entender a politique des auters. Não menos freqüente, alguns filmes operam como se fossem continuação de outros. Um raro exemplo de artista (um dos maiores do século XX, produziu dos anos 10 aos 60) que deixou uma marca indelével na história do cinema. Seus filmes registram o amadurecimento e a evolução de um homem como ser humano e artista.
Sua respeitada reputação foi conquistada por meio de uma notável consistência de temas que refletem a sua percepção do dilema católico: uma permanente tensão entre a vida material que levamos e a vida futura de perfeição espiritual que almejamos. Seus personagens se esforçam para deixar este "vale de lágrimas", onde se encontram cercados por todos os tipos de perigo, e aguardam a entrada num porto seguro idealizado de felicidade, reconhecido como o seu verdadeiro lar – “a casa”. A viagem envolve uma luta contra os poderes das trevas deste mundo, no entanto, como o universo material de Ford é sacramental, a presença de Deus e a salvação estão sempre a trabalhar no aqui e agora. Como muitos pensadores e artistas católicos, Ford vê a viagem não como uma aventura solitária, mas como algo que se passa dentro de uma comunidade constituída por uma enorme variedade de indivíduos. O centro da ação de seus filmes, quase sempre, gira em torno do deslocamento de um grupo de pessoas: passageiros de uma diligência; uma tropa de cavalaria; um vagão de trem; a tripulação de um navio; um grupo de fiéis, de um lugar perigoso para outro de segurança relativa. A expedição envolve um perigo extremo, mas manter-se no ponto de partida é uma opção impensável: na ausência de um porto seguro, resta ao grupo apenas a alternativa de seguir sempre adiante.
A sobrevivência do grupo depende da sua união e da liderança de um herói solitário. O isolamento da comunidade ou a excomunhão traz a morte, literalmente ou metaforicamente. A relação entre ambos é recíproca, uma vez que a comunidade depende do indivíduo para a sua sobrevivência. Muitas vezes o herói solitário deve sacrificar seus próprios interesses para o bem do grupo e essa atitude, freqüentemente, significa conduzir essa comunidade ao seu destino escolhido ou "a casa". Ford envolve suas histórias com cerimonial e mito; freqüentemente, os líderes da comunidade atingem o status de santos, cuja bravura maior-que-a-vida, como lembrada e recontada, é muito mais importante do que suas façanhas reais, ou historicamente comprovadas, para a identidade do grupo. Para John Ford, a vida na Terra não passa de uma Viagem de regresso a eterna “casa”.
Agora aos filmes propriamente ditos:
O Delator – o filme envelheceu um pouco. A recriação em estúdio confisca parte da urgência do assunto (a retratação do conflito entre o IRA e o governo Britânico). O dilema moral do protagonista ganha contornos cristãos e afasta o discurso político da história. O grandalhão Victor McLaglen ganha o público com seu carisma. Duas décadas depois Elia Kazan faria o filme definitivo da delação, O Sindicato dos Ladrões (1954) – contando com a presença de um padre (Karl Malden) para estabelecer a crise de consciência.
Domínio de Bárbaros – conforme anuncia o narrador no início do filme: “Este é um filme atemporal. A história é real. É também uma história muito antiga, contada pela primeira vez na Bíblia. É atemporal e atual e continua acontecendo em muitas partes do mundo. Seu cenário é fictício. Este é um mero estado há 1.600 km ao norte ou ao sul do Equador. Quem sabe?” O que diferencia esta história das outras contadas desde a sua primeira vez é a fotografia de Gabriel Figueroa. As imagens são poderosas e contribuem para perpetuar o imaginário cristão pregado por Ford. Catolicismo ao extremo numa releitura da história bíblica.
Terra Bruta – um filme de Ford considerado menor, o que é uma pena. A verdade é que ele não tem nada de pequeno, muito pelo contrário. É belíssimo o confronto moral que ele estabelece entre os brancos resgatados da dominação indígena (Linda Cristal e David Kent) e a comunidade que os esperava para reintegrá-los aos seus costumes. O homem e seus preconceitos. Uma pena que a cena do baile não se desenrole sem diálogos como em O Leopardo (1965), de Luchino Visconti. Ainda assim, ela retém sua força no discurso poderoso de James Stewart (roteiro do habitual colaborador de Ford, Frank S. Nugent). Pode ser visto como uma continuação de Rastros de Ódio (1956).