sexta-feira, setembro 30, 2011
segunda-feira, setembro 26, 2011
O Universo de Terrence Malick
É difícil começar um texto a
respeito de Terrence Malick, são tantos os pontos de partida... Pra dar conta
de toda a dimensão dos seus trabalhos eu teria de fazer um texto extenso, o que
não é a minha intenção. Pra encurtar, vou me ater a dois momentos de Dias de Paraíso (1978) e A Árvore da Vida (2011), que, a meu ver,
proporcionam uma boa reflexão das suas preocupações e da sua maneira de
enxergar as coisas.
Deixei a sessão de A Árvore da Vida convencido de que não
seria possível registrar qualquer pensamento em um texto sem antes assistir ao
filme dele que me faltava, Dias de
Paraíso – seus outros três são Terra
de Ninguém (1973), Além da Linha Vermelha (1998) e O Novo Mundo (2005). A impressão que fica é que desde sempre Terrence
Malick buscou filmar A Árvore da Vida,
numa espécie de evolução natural dentro da sua própria cinematografia. O que
não quer dizer que seus filmes anteriores sejam menos interessantes, complexos
ou importantes. Todos os seus anos de reclusão – de 1978 a 1998 ele não fez um
filme sequer – devem ter contribuído para amadurecer a concepção do projeto
ambicioso de A Árvore da Vida. É uma
enorme carga de informação concentrada em 2h19min de projeção, o típico filme concebido
pra ser explorado na telona do cinema. Sua dimensão não cabe na telinha da TV. Já
estou curioso pra saber qual caminho será trilhado pelo diretor a partir de seu
próximo projeto (que já se encontra em fase de pós-produção).
Honestamente, não sei se
compartilho de todo o entusiasmo que encontro nos textos da net, o que não quer
dizer necessariamente que tenha desgostado do filme, muito pelo contrário. Uma
coisa é certa: é impossível ficar indiferente a sua grandiosidade. Não é fácil
se livrar dele. Assistir a Dias de
Paraíso posteriormente ajudou a aumentar o meu apreço pelo filme.
Salvo O Novo Mundo, todos os seus outros quatro filmes são ambientados na
primeira metade do século passado e retratam, de maneira direta ou indireta, um
período que reside na memória do realizador. A Árvore da Vida é o mais autobiográfico de todos, conforme atesta
o trecho do livro Como a Geração Sexo,
Drogas e Rock-and-Roll Salvou Hollywood de Peter Biskind:
“Ele era tímido e introvertido, falava muito pouco. Malick vinha do Texas.
Seu pai era um executivo da Phillips Petroleum, e ele tinha dois irmãos mais
moços, Chris e Larry. Larry foi para a Espanha estudar violão com Segovia, um
professor cujo rigor era lendário. No verão de 1968, Terry soube que seu irmão
havia quebrado as próprias mãos, aparentemente enlouquecido com seus estudos. O
pai pediu que Terry fosse à Espanha ajudar Larry. Terry se recusou. O pai foi,
e voltou com o corpo de Larry. Aparentemente, ele cometera suicídio. Terry, o
irmão mais velho, fora coberto pelos privilégios da primogenitura. Ele é que
havia estudado em Harvard, tornara-se um Rhodes Scholar (prestigiosa bolsa de
estudos que permite a universitários americanos fazer pós-graduação em Oxford,
na Grã-Betanha), e quando seu irmão caçula mais precisara dele, tinha falhado.
Para sempre carregaria o peso da culpa."
Seus personagens quando crianças
ou adolescentes representam verdadeiros espíritos livres, inocentes, guiados
pelo prazer da fantasia e da descoberta; seus homens, adultos, embora sejam seres
capazes de amar impetuosamente, já estão corrompidos pela riqueza material,
pela ambição e pela ganância. O contraste entre essas duas “existências” é
reforçado pelos voices off (narração)
de Terra de Ninguém, Dias de Paraíso e
A Árvore da Vida: neles, os mais
jovens se prestam a observar as atitudes e decisões dos mais velhos, mesmo sem
compreendê-las. É uma espécie de voz da consciência do Malick jovem: o que fui
e o que me tornarei.
Uma cena de Dias de Paraíso e outra de A
Árvore da Vida, elaboradas de forma muito semelhante (do ponto de vista
cinematográfico), evidenciam esses dois momentos da “existência” dos Homens
(mais precisamente das figuras masculinas dos filmes de Malick): quando Bill
(Richard Gere em Dias de Paraíso) e o
jovem Jack (Hunter McCraken em A Árvore
da Vida) adentram uma casa que não lhes pertence. Embora Bill tenha sido
convidado pelo proprietário das terras (Sam Shepard) para usufruir da sua mansão
na sua ausência, uma vez lá dentro experimentamos um sentimento de invasão;
como adulto, ele se maravilha com a riqueza (material) dos bens dispostos nela
- ele herdará todo o patrimônio do proprietário caso seu golpe seja bem
sucedido. Já o jovem Jack viola a intimidade de uma vizinha em busca de uma
aproximação amorosa, afetiva; como criança, ele se maravilha com uma peça
íntima de uma mulher, como que ao “roubá-la” esteja dando vazão a sua fantasia,
seu desejo. É o despertar da sexualidade. Seus Homens se mostram ora sob a
forma de crianças inocentes, ora sob a forma de adultos corrompidos.
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Em Malick existe sempre uma força
superior, de caráter divino, regendo as vidas que habitam o nosso Universo. Seus
personagens estão sempre recorrendo ao Criador, na busca de respostas para os
eventos que lhes escapam à razão. Não é à toa que os voices off (dos narradores) de todos os seus filmes fazem menção a
Deus.
Em A Árvore da Vida, Malick parece encontrar a melhor forma para
representar a influência dessa “mão invisível” nos rumos de seus personagens, como
se quisesse organizar o caos que orienta nossas vidas. Essa ambição desmedida (não
consigo encontrar um termo melhor para expressar esse desejo) é que confere uma
aura de grandiosidade ao filme. Em Dias
de Paraíso a solução encontrada é mais simplória, nem por isso menos
interessante. Em A Árvore da Vida, a
reflexão que Malick propõe não diz respeito apenas aos personagens retratados,
mas a todos os seres em vida, aos que já viveram e aos que ainda estão por vir.
Quando Bill (Richard Gere)
percebe que o seu plano se aproxima de um desfecho indesejado, – seu golpe toma
um rumo inesperado (sua namorada, Brooke Adams, se apaixona pelo proprietário
das terras, Sam Shepard) – como que por um milagre, um grupo de circenses
irrompe no céu pilotando dois monomotores para “salvá-lo” dali antes que a
farsa seja desnudada. Um ano depois, quando ele retorna para a colheita da
safra e logo em seguida a plantação sofre o ataque súbito de uma praga
devastadora, fica implícito que ele é o vetor da desgraça, da danação. Seus
“salvadores involuntários” (mesma espécie) vêm do céu, bem como o seu
infortúnio, a praga (da natureza).
Em A Árvore da Vida, Malick complica mais as coisas: ele recorre aos
dinossauros pra falar de nós mesmos – mais precisamente da vida, da Natureza, “the way of grace and the way of nature”,
segundo as palavras iniciais de Mrs. O’Brien, a mãe (Jessica Chastain). Nas
duas únicas cenas em que eles aparecem, ora um deles é ferido por outros
predadores (da natureza), ora um deles é poupado por um de seus pares (mesma
espécie). Não somos os únicos a sucumbir aos caprichos da Natureza, em verdade,
todos os seres vivos trilham o mesmo caminho. A sucessão de imagens que remete
à criação do Universo explora muito bem essa ideia: vida e morte; início e fim
- sucessivos Ciclos de Vida asseguram a continuidade de uma espécie. Malick
inverte a lógica do Ciclo, iniciando pela morte de um dos três filhos da
família O’Brien, pra só então voltar ao nascimento do mesmo.
Embora eu tenha feito uma
analogia entre os dois filmes de forma a aproximá-los, é a diferença entre eles
que mais me interessa: em Dias de Paraíso,
Bill (Richard Gere) carrega consigo uma semente do mal, um desvio de conduta, de
forma que o seu retorno desequilibra
a harmonia do relacionamento entre Abby (Brooke Adams) e o Fazendeiro (Sam
Shepard), levando-o à morte - numa espécie de castigo; em A Árvore da Vida, o filho mais novo chamado de R.L (Laramie Eppler)
carrega toda a pureza da vida em seu interior, a inocência ou isenção de culpa,
de certa forma o equilíbrio, mas nem
por isso seu fim é menos dramático: ele também morre. A Natureza que nos dá a
vida é a mesma que nos priva dela.
Terrence Malick levou todo esse
tempo para enfrentar os seus fantasmas. O filme, na minha interpretação,
funciona como uma espécie de prestação de contas com o passado.
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Infelizmente, não consegui
cumprir com a minha intenção: o texto acabou ficando longo. Imagine se eu
tivesse me proposto a escrever sobre mais aspectos da filmografia de Malick?
PS: Cinzas do Paraíso ou Dias de Paraíso???? Inicialmente eu colocaria Cinzas do Paraíso, que foi o nome pelo qual eu conheci o filme de Malick muito antes de assisti-lo. Ao locá-lo, a capa do DVD - antigo - trazia o nome Dias de Paraíso. Na dúvida, fiquei com o DVD. O livro de Peter Biskind (Como a geração sexo, drogas e rock n' roll salvou Hollywood) se refere ao filme como Cinzas do Paraíso. Pra salvar a prosa da confusão talvez seja melhor ficar com o nome original do filme, Days of Heaven (Terrence Malick, 1978).
PS: Cinzas do Paraíso ou Dias de Paraíso???? Inicialmente eu colocaria Cinzas do Paraíso, que foi o nome pelo qual eu conheci o filme de Malick muito antes de assisti-lo. Ao locá-lo, a capa do DVD - antigo - trazia o nome Dias de Paraíso. Na dúvida, fiquei com o DVD. O livro de Peter Biskind (Como a geração sexo, drogas e rock n' roll salvou Hollywood) se refere ao filme como Cinzas do Paraíso. Pra salvar a prosa da confusão talvez seja melhor ficar com o nome original do filme, Days of Heaven (Terrence Malick, 1978).
sexta-feira, setembro 16, 2011
Singularidades de Manoel de Oliveira
Não é de estranhar que Manoel de
Oliveira reserve as melhores falas de Singularidade
de uma Rapariga Loura (2009) ao personagem do tio Francisco (Diogo Dória): ora pois, como diria um autêntico português,
ele é o alter ego de Oliveira, o único personagem sóbrio de todo o
filme. De início pensamos tratar-se de um carrasco insensível, um homem
amargurado que praticamente boicota a felicidade do sobrinho Macário (Ricardo
Trêpa), despedindo-o quando toma conhecimento das suas intenções de casar-se
com a bela vizinha Luísa (Catarina Wallenstein). Ocorre que, assim como
Macário, também nos apaixonamos de imediato pela bela Luísa e seu leque chinês,
de forma que torcemos por ele.
A mesma imagem que confunde a
cabeça de Macário engana os nossos sentidos: se converterá numa verdadeira
armadilha, como saberemos. Bem como ele, enxergamos apenas a superfície, o
invólucro, não o seu conteúdo. Aquilo
que vemos – ou talvez, aquilo que queremos ver – não comporta imperfeições ou questionamentos;
sendo assim, como julgar por mal uma imagem imaculada, cândida como a de Luísa?
A virada de mesa, que determinará
o verdadeiro julgamento que faremos do tio, vem da mesma linhagem retórica que levou
Manoel de Oliveira a costurar seus últimos filmes: a ironia (que, aliás, foi muito
bem aproveitada do texto de Eça de Queiroz). O tio, que já enxergava o conteúdo desde os primeiros flertes,
tentou avisar o jovem contador da impostora, porém foi injustamente tomado por insensível,
desumano. Ao final, entenderemos que Macário deveria tê-lo escutado, mas aí já
terá sido tarde. A cena em que o tio aceita o sobrinho de volta como
colaborador e aprova seu casamento, mesmo desgostoso de suas decisões
matrimoniais, é um primor de realização - dá até pra imaginar Oliveira se
divertindo atrás das câmeras, sarcástico.
Tudo em enxutos 63 minutos. Não
dá pra desrespeitar um senhor de mais de 100 anos de idade.
segunda-feira, setembro 12, 2011
Vincente Minnelli no CCBB
Não havia visto qualquer um dos títulos listados abaixo. Valeu a espera (inconsciente) para assistí-los em película 35mm. O catálogo elaborado para a Mostra, assinado por Luis Carlos Oliveira Jr. e Sérgio Alpendre, ficou impecável.
Madame Bovary (1949) - o filme vale pela cena do baile. |
quarta-feira, setembro 07, 2011
Ex-Isto (Cao Guimarães, 2010)
Fiquei curioso para ler o livro Catatau, de Paulo Leminski (1944-89), que
serviu de base para a realização do filme Ex-Isto
(2010), de Cao Guimarães. Embora eu saiba que não se trata de uma adaptação
convencional, o genial ponto de partida da empreitada se encontra todo lá: uma
viagem imaginária do filósofo racionalista francês René Descartes (interpretado
brilhantemente por João Miguel) ao Brasil, desembarcando como membro da
comitiva do holandês Maurício de Nassau (1604-1679) na ocupação de Pernambuco.
Desse mote interessantíssimo Cao Guimarães extraiu um filme sensorial,
exuberante, quase tátil, repleto de cores, sons e “cheiros”. Uma verdadeira
viagem pelo Brasil das contradições, dos paradoxos, da riqueza natural e do
povo resignado, que mesmo diante dos infortúnios encontra alegria onde
prevalece a miséria.
João Miguel começa bem vestido,
carregado de trajes de época dignos de um mosqueteiro e aos poucos vai se
despindo, peça por peça, culminando num banho de mar totalmente nu - reflexo do
calor tropical insuportável e da necessidade do filósofo de se
aproximar/tocar/sentir nossa exuberância:
água, terra e ar. São dois extremos bem captados por Cao Guimarães: no início bem
trajado, fotografado no segundo andar de uma biblioteca, “engolido” pela quantidade
de livros que o circundam; no final despido, fotografado em uma praia do nosso
extenso litoral, banhado pela areia, o sol e as águas do mar. O desempenho mudo
de João Miguel é a alma do filme, no estilo “estou, logo existo”. O voice-over
representa seu fluxo de consciência e justifica a célebre frase “penso, logo existo”. Ótimo filme.
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