Sempre que eu abuso demais do
lado analítico do meu cérebro, só um intensivo em matéria de humanas para
reestabelecer o meu equilíbrio mental. O cinema sempre foi a minha escolha predileta
para exercer essa função. A música também cumpre muito bem esse papel. Mesmo
que as circunstâncias que costumam me levar a eles sejam bem mais abrangentes, eu gosto
do caráter terapia que por vezes eles assumem – naturalmente, quando se prestam
a isso. Nessas ocasiões, até o ato de escrever acaba sendo um exercício de descarga
emocional – embora um tanto quanto custoso (pelo menos pra mim). A fadiga do
raciocínio dificulta a escolha das palavras, mas não esconde a satisfação de
ver um texto tomar corpo, mesmo quando curto.
Eu ainda não fui capaz de
estabelecer a posição que Blue Jasmine ocuparia
numa provável relação minha de melhores do Woody Allen. Não estou certo de que
“se trata do melhor Woody Allen desde Match
Point (2005)” como afirmam alguns sites, mesmo porque o meu Match
Point é outro filme dele, Crimes e
Pecados (1989). Essa é uma briga que eu não compro porque é natural que
cada um tenha a sua preferência. Sobretudo em uma filmografia como a de Woody
Allen, com inúmeros títulos excelentes, não seria incomum encontrar listas bastante
díspares - sem qualquer prejuízo para a qualidade das seleções.
O diretor norte-americano não dá propriamente
um testemunho sobre a crise financeira que assolou os EUA em 2008 (política
nunca foi o seu forte), mas aproveita o mote para explorar uma estrutura de
roteiro que já lhe valeu um registro cômico da situação, em Trapaceiros (2000), desenvolvida em Blue Jasmine numa inclinação mais
dramática: enquanto no primeiro os small
time crooks do título original ascendiam da classe média a classe abastada num
verdadeiro golpe (hilário) de sorte do destino, no segundo a socialite casada
com um corrupto vê a sua condição de fartura material ruir junto com a falência
dos bancos que os bancaram (ao final, veremos que as coisas não foram bem
assim...). Em ambos, Woody Allen investe na dicotomia burlesca que separa esses
dois mundos, povoando as cenas com personagens caricatos, em uma decisão que
garante a empatia do público ao mesmo tempo em que aponta as limitações de alcance
do seu discurso. O registro cômico de Trapaceiros
se mostra mais apropriado para abraçar esse formato. Em Trapaceiros, a risada tem um cunho de
gozação; em Blue Jasmine, a presença
dela pontua a narrativa de forma irônica.
O filme funciona perfeitamente
como um precioso estudo de personagem (character
study), valorizado pela atuação assombrosa de Cate Blanchett, bem como de
todo o elenco de suporte. Mais um conto moral de Woody Allen em que o acaso assume
um papel fundamental, pregando uma peça no universo de certezas do espectador.
O diretor puxou o meu tapete mais uma vez.