O Som ao Redor (Kléber Mendonça
Filho, 2012) – o texto de Kléber Mendonça Filho na cobertura de
Cannes para o filme Trabalhar Cansa
(2011), no espaço que o próprio cultivou durante um bom tempo, o extinto
Cinemascópio (cinemascopio.blog.uol.com.br), já antecipava boa parte das
preocupações do diretor que se fariam presentes em O Som ao Redor um ano mais tarde – especialmente o que diz
respeito ao flerte com o cinema de gênero. O projeto de curtas que Kléber já
fomentava há pelo menos uma década foi estendido para o formato de longa-metragem
com um “exercício bem conduzido em estabelecer uma crônica de tensos costumes,
muitos deles possíveis de serem observados apenas no Brasil” (palavras do
próprio Kléber). Mais do que prestar-se a um estudo sociológico das raízes do
nosso coronelismo e suas implicações, o que permanece é a forma como Kléber constrói
o mosaico de tipos e situações, investindo suas fichas na construção (cinematográfica)
do clima sugestivo, sem se curvar à violência que o tema frequentemente
costuma associar-se.
Boa Sorte, Meu Amor (Daniel
Aragão, 2012) – mais um filho legítimo da safra de filmes
pernambucanos que se dispõe a tratar da herança que o passado remoto
colonialista exerce sobre a vida urbana contemporânea. O texto entusiasmado do
José Geraldo Couto em seu blog no IMS faz uma aproximação interessante, “Os
bons filmes de uma safra costumam iluminar uns aos outros, nem que seja por
contraste. Dessa perspectiva, O Som ao
Redor e Boa sorte, meu amor são
opostos que se complementam. Se o filme de Kléber Mendonça Filho é um prodígio
de equilíbrio e sutileza, o de Daniel Aragão é “petulante, ambicioso,
desgovernado” (trecho da crítica de Fábio Andrade para a Revista Cinética). É
dessa desmesura que ele extrai sua força, ainda que exponha também suas
fragilidades”.
Tatuagem (Hilton Lacerda, 2013) –
um musical brasileiro improvável ambientado em plena ditadura militar turbinado
pelo espírito libertário e transformador dos Dzi Croquettes, símbolo do movimento de contracultura. A vertente política da produção
restringe-se ao conteúdo dos números encenados pelo grupo Chão de Estrelas capitaneado por Clécio (o sempre excelente Irandhir Santos), seja na prosa ou
no uso do corpo como instrumento de protesto, e ao personagem de Fininho
(Jesuíta Barbosa) e sua involuntária filiação às forças armadas, fruto da
pressão familiar e do status que a ocupação representava na ocasião. O filme
decola mesmo ao registrar a rotina do grupo, o esforço do conjunto para
veicular suas produções, a interação entre seus integrantes e o show de
interpretação do elenco. Tem cú, tem cú, tem cú...
O que se move (Caetano Gotardo, 2012) – um verdadeiro achado em meio a tantas estreias de filmes
nacionais. Pena que o filme não foi devidamente descoberto – esse, talvez, seja
o problema de todos os longas listados neste post. Um tema difícil, a perda de um filho, tratado com uma
sensibilidade ímpar em um formato um tanto quanto arriscado. O recurso da
cantoria, que poderia resvalar para o piegas, ao contrário, confere uma carga
emocional extraordinária para o drama das mães – três histórias distintas
concernindo o mesmo tema. Na terceira e última parte, quando o dispositivo já
está prestes a mostrar o limite do seu alcance, correndo o risco de
desgastar-se pela previsibilidade, o efeito consolador que ele assume desarma
qualquer tentativa de julgamento que se faça. O encadeamento das histórias, que
não surtiria o mesmo efeito caso estivesse em outra ordem, é perfeito.
Hoje (Tata Amaral, 2011) –
a sessão promovida pela Feira do Livro em Ribeirão Preto, no Cine Cauim, em
2013, não foi das melhores. A cópia deixava bastante a desejar. O filme faria
uma dobradinha muito boa com Nunca Fomos
Tão Felizes (1984), do Murilo Salles. A ditadura militar compõe o pano de
fundo de ambas as tramas, cujos desdobramentos se passam quase exclusivamente
nas dependências de um apartamento. O tom sépia da fotografia de Hoje reforça o sentido de sujeira
impregnada que a protagonista Vera (Denise Fraga, ótima) se esforça para
remover – um acerto de contas com o passado de militante, representado no plano
fantástico pelo encontro com o falecido parceiro de militância, cujo
desaparecimento durante o regime militar ocasionou a indenização que lhe permitiu
adquirir o imóvel.
Educação Sentimental (Júlio
Bressane, 2013) – se não fosse o Canal Brasil esse filme não
estaria nessa lista. A oportunidade surgiu esta semana quando ele foi
selecionado para ser exibido no quadro Filme do Mês. A capacidade de Bressane
de transformar a fala de seus personagens em imagens é impressionante –
importante: desde sempre foi assim. Poesia literária, musical e visual (pintura e filme) combinadas em um vasto repertório de variações, sempre
memoráveis. A fala de Áurea (Josi Antello), professora e personagem principal,
a respeito da película é profética: “um filme, uma película; isto hoje tem um
valor arqueológico, estará em breve no museu das sensibilidades perdidas”.