Um respiro de dois anos depois de
uma séria ininterrupta de quatro filmes em quatro anos - Onde os Fracos não Tem Vez (2007), Queime Depois de Ler (2008), Um
Homem Sério (2009) e Bravura Indômita (2010) - parece ter feito muito bem
aos irmãos Coen. Sobretudo depois do sucesso alcançado com um western, gênero pouco valorizado nos
dias de hoje, que, ironicamente, acabou tornando-se a maior bilheteria da dupla
– uma adaptação do livro de Charles Portis, True
Grit, clássico da literatura norte-americana, que já havia ganhado as telas
em 1969, com John Wayne no papel do xerife Rooster Cogburn, lhe rendendo o único
Oscar de sua carreira. Inside Llewyn
Davis trilha um caminho inverso, bem menos promocional, mais próximo das
produções low profile da dupla, como Gosto de Sangue (1984), Fargo (1996) e O Homem que Não Estava Lá (2001).
Inside Llewyn Davis promove o encontro dos Coen com o universo da
música folk (na verdade é o segundo, E
Aí, Meu Irmão, Cadê Você? (2000) já abordara essa aproximação), numa
tentativa de registrar o efervescente cenário nova-iorquino dos anos 60,
celeiro de nomes importantes que despontariam posteriormente. A dupla, no
entanto, evita os holofotes inerentes à abordagem de uma figura icônica como
Dylan, direcionando a sua câmera para um personagem bem menos afortunado, embora
dotado de enorme talento e personalidade forte, pra não dizer difícil, o Llewyn
Davis do título (Oscar Isaac, em ótima interpretação).
A galeria de tipos secundários, uma
marca inconfundível dos seus filmes, aposta menos no tom caricatural das
caracterizações e mais na naturalidade das circunstâncias. Um desvio de rota,
já que os Coen costumam adotar mais a outra via para representar suas criações,
incentivando o exagero das interpretações a fim de potencializar a estupidez do
comportamento humano. Em Llewyn Davis todos
os atores incorporam tipos reais, críveis, prováveis seres existentes daqueles tempos
tempestuosos. Mesmo os atores que gozam de pouco tempo em cena, como F. Murray
Abraham na pele de Bud Grossman, ou John Goodman encarnando um músico junkie, contribuem para elevar a
qualidade da produção a outro patamar – as intervenções de todos eles são absolutamente
necessárias para o desenvolvimento da trama, sem qualquer resquício de
gratuidade. Todos interpretam personagens memoráveis, dignos de nota.
No meio do filme, numa sequência
crucial que cria uma falsa expectativa no espectador, Llewyn Davis viaja de
Nova Iorque a Chicago para tentar a sorte no lendário The Gate of Horn, ambiente cultural valorizado por celebrar a
música folk americana, administrado pelo empresário Bud Grossman. A viagem em
si é uma espécie de simulacro dos beatnicks,
movimento sócio-cultural dos anos 50 e princípio dos anos 60, cujo livro de
estrada, On the Road, de Jack Kerouac,
acabou se firmando como a influência definitiva sobre a juventude que “colocava
a mochila nas costas e botava o pé na estrada” (Wikipédia). O trajeto é
percorrido em pleno inverno norte-americano, em rota fronteiriça ao território
canadense, com temperaturas baixíssimas. Em Chicago, a entrada de Llewyn Davis no The Gate of Horn não é nem um pouco
triunfal, pelos fundos (se não me falha a memória), mais relevante para
garantir a sua sobrevivência corporal, devido ao aquecimento do
estabelecimento, do que para lhe trazer frutos comerciais. O comentário de Bud
Grossman, ao conceder alguns minutos do seu tempo para uma avaliação musical de
Llewyn Davis, é desolador: “Não vejo muito dinheiro nisso aí”. Um golpe de
misericórdia nas pretensões artísticas do talentoso músico.
A partir daí, o filme abraça de
vez a vertente mais negativa do tom melancólico que vinha sendo adotado até
então, sem espaço algum para a esperança. A crítica do Luiz Zanin Oricchio, do
Estadão, termina com uma nota que eu pego emprestado para encerrar o meu, “Llewyn Davis é o mais notável filme do
Oscar 2014. Não vai ganhar nada, ou no máximo algum prêmio de consolação –
exatamente como seu protagonista”.