domingo, novembro 30, 2014

38ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo - Parte 4


P´tit Quinquin (2014), Bruno Dumont (FRANÇA)

Mais um exemplo de uma minissérie encomendada para a TV que ganhou as telas dos cinemas. A exibição no CineSesc estava impecável, digna de registro. O Quinquin do título parece um Tintin às avessas, no sentido de que suas brincadeiras e/ou travessuras possuem um caráter mais perverso. À medida que o filme avança, a relativa estupidez de Quinquin e de seus colegas começa a soar ingênua frente aos episódios absurdos de esquartejamento que injuriam os habitantes da região. Um respiro na obra de Bruno Dumont, comumente lembrado pela austeridade de seus temas e personagens. Ele encontrou o tom certo da comédia, sem abrir mão do seu estilo. A dupla protagonista de policiais está impagável.


Los Angeles Por Ela Mesma (2003), Thom Andersen (EUA)

Um verdadeiro achado para o amante do cinema. Foi a minha última sessão da Mostra em São Paulo e não poderia ter sido mais gratificante. O IMDB traz a seguinte descrição da produção, "A documentary on how Los Angeles has been used and depicted in the movies". Embora ela seja precisa, o filme se desdobra em outras camadas de interpretação, capazes de atrair o interesse de um público não muito ligado a sétima arte. A "história" de Los Angeles filtrada pelo cinema e pelos diversos cineastas que a compuseram ao longo do tempo (consciente ou inconscientemente). Fecho com o Filipe Furtado, "O melhor trabalho crítico sobre cinema dos anos 2000. Todos aqueles que desejam fazer cinema deveriam ver o filme de Andersen ao menos uma vez, porque ao final dele saímos com uma consciência muito maior sobre a nossa responsabilidade sobre os espaços que filmamos".


Acima das Nuvens (2014), Olivier Assayas (EUA-FRANÇA)

Este filme e o próximo foram vistos na Itinerância da Mostra que chegou a Ribeirão Preto posteriormente. A exibição foi prejudicada pela má regulação da luz, que estourava sempre que a captação era diurna. Não diria que se trata de um filme memorável de Assayas, tampouco seria honesto se dissesse que a produção não desperta interesse. A belíssima locação quase rouba a cena, dominada pela queda de braços entre as atrizes Juliette Binoche e Kristen Stewart. Quem duvidava da capacidade de interpretação da insossa Bella Swan da franquia Crepúsculo, vai ficar de queixo caído. O filme faz uma interessante e amargurada reflexão do mundo do showbiz sob a ótica da influência implacável que o tempo exerce sobre o seu principal ativo: o astro de cinema - quando calha de ser um ser humano. Com a proliferação das animações, essa observação se faz pertinente.


Tsili (2014), Amos Gitai (ISRAEL)

É pouco provável que eu seja capaz de me recordar dos detalhes dessa produção num futuro próximo. Amos Gitai não facilita a vida do espectador, de forma que a procedência e o paradeiro da sua protagonista (Tsili) só são revelados nas últimas cenas do filme. Entretanto, é essa aura de mistério serenamente construída que garante o seu interesse. Das longas tomadas dos refugiados em meio à natureza e do som do violino regendo a caminhada dos sobreviventes, dificilmente eu me esquecerei. A edição do material dificulta a identificação do tempo da narrativa, que só faz aumentar a consciência da atemporalidade do seu conteúdo (bélico).

domingo, novembro 23, 2014

38ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo - Parte 3


Permanência (2014), Leonardo Lacca (BRASIL)

A trupe responsável por O Som ao Redor (Kléber Mendonça Filho, 2012), produz esse longa de deslocamento (físico e espiritual), ambientado na capital paulista, mas de alma pernambucana. O filme é de Irandhir Santos e, passado um mês da sessão, é basicamente dele que me recordo e do personagem que faz uma caricatura do paulistano - sem que isso represente algum tipo de vantagem para a análise. Lembra um pouco as produções americanas da década de 1970, não tanto pelo inconformismo, motivado pela política, mas mais pelo sentimento impregnado de desesperança. Penso que um tom um pouco mais melodramático faria bem a ele.


Queen & Country (2014), John Boorman (INGLATERRA)

Parece cada vez mais difícil conciliar entretenimento/diversão com densidade/profundidade. Ou se faz cinema para entreter, ou se faz cinema para pensar/refletir. Só um diretor old school, que já não precisa provar nada para ninguém, pra se arriscar no formato híbrido, num material que retrata as forças armadas inglesas do pós-guerra sem que um tiro sequer seja disparado - ele equilibra de forma hábil o drama e a comédia, evitando o tom solene das produções britânicas. Uma possível sequência para Esperança e Glória (1987), sem a onipresença ameaçadora do nazismo - como diria o Capitão Nascimento, o inimigo agora é outro, praticamente indecifrável. Um registro de passagem da adolescência à vida adulta, com o toque irresistível do humor inglês.


Retorno a Ítaca (2014), Laurent Cantet (CUBA)

Palma de Ouro com Entre os Muros da Escola (2008), o francês Laurent Cantet faz, com Retorno a Ítaca, um puro filme cubano, sem tirar nem pôr. Totalmente filmado em Havana, ou melhor, num terraço debruçado sobre a capital cubana, Ítaca fala dos eternos dilemas da ilha, e talvez o principal deles – permanecer no país e sofrer privações ou exilar-se e morrer de saudades pelo resto da vida. Luiz Zanin Oricchio foi sucinto, mas certeiro no parágrafo acima. O filme é muito falado e o texto é tão bom que exige de Cantet apenas o controle do ritmo e das interpretações, aliás, todas excelentes. Política na veia mesmo para quem não gosta de tratar do assunto – se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Eu vi o filme na véspera do segundo turno para a presidência, no calor das declarações de pessoas dizendo que deixariam o país caso Dilma fosse reeleita. Patético! Retorno a Ítaca ajuda a colocar as coisas em perspectiva.


O Sol do Marmelo (1992), Victor Erice (ESPANHA)

Mais uma vez recorro a Luiz Zanin Oricchio e seus pequenos textos de recomendações redigidos enquanto o evento acontecia, “A começar pelos imperdíveis e, um entre todos, O Sol do Marmelo, de Victor Erice, uma raridade nas telas brasileiras. Erice acompanha um amigo pintor, dia após dia, enquanto este tenta captar o impossível – a cor de uma fruta de marmelo, batida pelo sol, no momento em que ela atinge o esplendor e antes que caia do pé e apodreça. Claro, a tentativa é uma parábola da passagem do ser humano pela Terra e a tentativa de captar o tempo, em seu auge. Talvez o mais belo filme do diretor, conhecido por sua obra pequena (apenas três longas), de grande rigor e beleza formal”. Curto e grosso (essa parte é minha!): um dos melhores documentários que eu já vi. Obra-prima.

segunda-feira, novembro 10, 2014

38ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo - Parte 2


Infância (2014), Domingos de Oliveira (BRASIL)

O filme que Arnaldo Jabor tentou fazer com A Suprema Felicidade (2010), mas não conseguiu. O menino (alter ego do diretor) é menos protagonista é mais testemunha da história. Incrível como Domingos de Oliveira consegue recriar a atmosfera do Rio de Janeiro dos anos 1950 trabalhando apenas dentro do espaço confinado de uma mansão carioca - num excelente trabalho de reconstituição de época. A qualidade do texto é excepcional, além da laureada interpretação de Fernanda Montenegro, como viúva matriarca da família, num papel feito sob encomenda. Ela está irresistível.


Ela Volta na Quinta (2014), André Novais Oliveira (BRASIL)

Mais um representante da safra mineira de filmes que procura registrar um espaço e seus habitantes, numa tentativa de “documentar a vida”. Pra quem desconhecia qualquer informação prévia a respeito do projeto, a chegada dos créditos se incube logo em esclarecer que os principais personagens da história são membros de uma verdadeira família constituída - na verdade, trata-se da família do realizador. Confesso que essa informação melhorou a minha impressão/estima sobre ele, mas não foi capaz de perdurar o seu impacto sobre mim. Apesar do senão da frase anterior, o filme contém algumas boas cenas.


A História da Eternidade (2014), Camilo Cavalcante (BRASIL)

Confesso que eu estava ansioso para conferir o filme que vem colhendo boas impressões por onde passa. Ainda que eu não o tenha desgostado por completo, incomodou-me o calculismo das cenas envolvendo o personagem de Irandhir Santos (Joo), cuja influência é crucial para os desdobramentos da trama. Deixei a sala com um gosto forte de decepção. Mesmo compreendendo o uso alegórico da narrativa, justificado pelo seu forte caráter transcendental, penso que o filme se perde em sua suposta grandeza, sem alcançar o impacto que seu título sugere.


O Pequeno Fugitivo (1953), Ray Ashley, Morris Engel e Ruth Orkin (EUA)

Embora este filme não figurasse na programação oficial da Mostra - ele estava em cartaz no Espaço Itaú da Augusta -, não seria nenhum disparate se estivesse, tamanha a sua afinidade com a proposta do evento. Uma oportunidade rara de assistir no cinema um dos filmes que influenciaram o espírito libertário e espontâneo dos integrantes da Nouvelle Vague, o qual eu desconhecia completamente. Nas palavras do próprio Truffaut, "A Nouvelle Vague nunca teria existido se não fosse pelo jovem americano Morris Engel, que nos mostrou o caminho com seu O Pequeno Fugitivo".