O Sérgio Alpendre começou com a
brincadeira em 25 de março, seguida pelo Ronald Perrone em 31 de março, e eis
que praticamente um mês depois, enquanto eu fritava a cabeça para eleger os
meus, publico a minha lista de 20 filmes de cabeceira.
Na abertura do seu texto de
publicação da lista Perrone define o que seriam “filmes de cabeceira”: “Filmes de cabeceira, na minha visão, não tem
necessariamente relação com qualidade, não são “os melhores filmes favoritos”,
mas são produções que de algum modo tiveram um impacto pessoal, que arrebatam,
são contextos na formação cinéfila, influenciam no modo de ver cinema e te
acompanham pro resto da vida, independente de qualquer coisa…”
Vamos ao que interessa.
A Boneca (Die Puppe, 1919), de Ernst Lubitsch
Embora o registro da minha
infância esteja mais próximo de um Pialat (Infância
Nua, 1969), esse filme estabelece no meu imaginário o verdadeiro gozo de
uma infância ideal. Epifania pura.
Um dia no campo (Partie de
campagne, 1936), de Jean Renoir
Assim que meu filho nasceu eu
assisti um monte de curtas e médias metragens, já que os longas tinham de ser
interrompidos constantemente para ampará-lo. Renoir tem uma penca de obras
primas no currículo, mas essa jóia de apenas 40 minutos tem uma leveza de
espírito, de mise en scène, de atuação, de ideias, de formalidades, etc...
absolutamente inigualáveis.
Boêmio Encantador (Holiday, 1938),
de George Cukor
O filme mais alto astral que eu
conheço. Katharine Hepburn e Cary Grant estão insanos nessa clássica screwball comedy.
A Felicidade Não se Compra (It´s
a Wonderful Life, 1946), de Frank Capra
Tem muito cinéfilo que torce o nariz para esse filme por causa da
dose cavalar de sacarina. A simplicidade dele me arrebata e não resisto aos
minutos finais com a presença do anjo Clarence (Henry Travers). Cristianismo puro
sem o inconveniente da pregação religiosa.
Rashomon (Rashômon, 1950), de
Akira Kurosawa
Quando eu descobri o verdadeiro
significado da máxima de Nietzsche: "Não há fatos, apenas
interpretações." Só que Kurosawa veio antes.
Umberto D. (Umberto D., 1952),
de Vittorio De Sica
O sangue do Neo Realismo italiano
corre pelas veias de Carlo Battisti. Uma aula de como explorar a condição
miserável sem ser auto-complacente. Um dos grandes filmes que retratam a
velhice (rivalizando de frente com Era
Uma Vez em Tóquio, de Yasujiro Ozu e A
Cruz dos Anos, de Leo McCarey).
Depois do Vendaval (The Quiet
Man, 1952), de John Ford
A comédia de costumes de John
Ford no coração da sua Irlanda querida. A versão cinematográfica do sonho
idílico por excelência. Elenco em finíssima sintonia. A melhor parceria entre
John Wayne e Maureen O' Hara.
O Homem dos Olhos Frios (The Tin Star, 1957), de Anthony Mann
Eu poderia ter escolhido outros
westerns tão bons quanto. Não consigo lembrar-me de algum que trabalhe tão bem
a figura do herói que discursa sobre a não violência e pratique a mesma à
altura.
Deus Sabe Quanto Amei (Some Came
Running, 1958), de Vincente Minnelli
O mais perfeito melodrama norte
americano. Uma das melhores experiências que eu tive em uma sala de cinema.
Obra prima absoluta.
Oito e meio (8 1/2,
1963), de Federico Fellini
Meu filme de cabeceira. Todos nós
somos um pouco Guido Anselmo (Marcello Mastroianni).
Beijos Proibidos (Baisers Volés, 1968), de François Truffaut
Beijos Proibidos (Baisers Volés, 1968), de François Truffaut
Para o cinéfilo, Truffaut pode
ser referência crítica ou cinematográfica. A odisséia completa de Antoine
Doinel (Jean-Pierre Léaud) é digna de nota, oscilando entre a dureza de Os Incompreendidos e a leveza
inconsequente de Beijos Proibidos. A
escolha é difícil, pendendo para o elogio da distração em pleno despertar da
consciência juvenil em Maio de 68.
Faces (Faces, 1968), de John Cassavetes
Faces (Faces, 1968), de John Cassavetes
Os últimos 30 minutos dele são
antológicos, Seymour Cassel tentando reavivar Lynn Carlin, enclausurados em um
apartamento sob os efeitos deletérios da embriaguez. Cassavetes ainda faria
outras sequências memoráveis, mas essa vale pela experiência do todo.
Onde os Homens São Homens (McCabe
& Mrs. Miller, 1971), de Robert Altman
Quando eu o vi na programação do
Cinemax na década de 90, eu não estava preparado para o impacto que o filme
iria me causar. Embora eu já houvesse visto alguns poucos filmes de Altman,
sendo Mash a maior referência, seu
nome ainda não figurava no meu panteão de preferências. Daí pra frente foi só
acompanhar os lançamentos e buscar as pérolas setentistas. Mesmo pra quem gosta
de westerns não é pra todos os gostos.
Saló ou 120 Dias de Sodoma (Salò
o le 120 giornate di Sodoma, 1975), de Pier Paolo Pasolini
Ninguém sai incólume dessa
experiência. Comecei a filmografia de Pasolini de trás pra frente, de forma que
seus filmes anteriores não têm sido capazes de me causar o mesmo impacto que
esse. Um soco na boca do estômago muito bem dado.
Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie
Hall, 1977), de Woody Allen
A comédia romântica de Allen
continua imbatível. O filme que estabelece seu despertar cinematográfico
permanece atualíssimo. Meu parâmetro para o gênero junto com Se Meu Apartamento Falasse (Billy Wilder,
1960).
O Estado das Coisas (Der Stand
der Dinge, 1982), de Wim Wenders
Como transformar uma experiência
mal sucedida em um filme absolutamente genial. Condena o sonho americano ao
mesmo tempo em que se nutre dele, numa relação ambígua de amor e ódio. Los
Angeles nunca foi tão bonita.
O Dinheiro (L'argent, 1983),
de Robert Bresson
Comecei assistindo os primeiros
filmes de Bresson e de súbito pulei para seu último. Sua visão de mundo se
tornou bem mais amargurada, menos esperançosa. Aos poucos me dei conta de que a
realidade se abateu sobre ele. Assombroso como peça cinematográfica e como
retrato fiel da nossa condição trágica.
A Hora do Pesadelo (A Nightmare
on Elm Street, 1984), de Wes Craven
Eu seria desonesto se não
colocasse um filme de terror dos anos 80 na minha lista de cabeceira. Minha via
de acesso ao cinema começou por aí. Nenhum personagem me causou tanto
fascínio quanto o invasor de sonhos alheios, Freddy Krueger. Passei muita noite
em claro por causa dele.
Fuga de Los Angeles (Escape from
L.A., 1996), de John Carpenter
O melhor filme de ação já feito.
Fiz um reconhecimento tardio da carreira de Carpenter aqui no blog, desde então
convivo com a excelência de seus filmes que negligenciara por um bom tempo. De
todas as suas produções, essa é a que eu levaria para uma ilha deserta.
Serras da desordem (2006), de
Andrea Tonacci
Se eu tivesse que escolher o
melhor filme feito a partir dos anos 2000, Serras
da desordem encabeçaria a lista. Eu o vi numa sessão com a presença do
diretor, que conversou conosco após o término da mesma, no templo do Cine Cauim
em Ribeirão Preto. Nossas origens, contradições e condições (de homem e
cidadão) cabem dentro desse filme imenso.