quarta-feira, agosto 31, 2016

Wenders, Pialat e Peckinpah


Depois do nascimento da minha filha no finalzinho de março, a segunda criança em casa, minhas sessões cinematográficas externas foram reduzidas praticamente a zero, enquanto me sobraram as programações da Netflix e os Telecines, às vezes um Canal Brasil. Vez ou outra encaixo um DVD adquirido ou um aluguel da única empresa remanescente de Ribeirão Preto, sempre que procuro radicalizar mais a proposta.

Meu interesse em escrever reside normalmente sobre os filmes que já passaram pelo teste do tempo, o que reduz bastante as chances da Netflix ou do Telecine, embora a conveniência desses meios de distribuição, sintonizada com a nossa habitual falta de tempo, represente a maior parte da minha programação. Em outros tempos, como já aconteceu quando eu estudava na faculdade, ainda na década de 90, a opção da conveniência restringia-se aos canais abertos da TV e seus programas tradicionais dublados.

Alice nas Cidades (1974) - aos poucos eu vou compondo o início da carreira de Wim Wenders, que goza de maior prestígio junto à crítica. Talvez o primeiro grande filme do diretor alemão, que eu dispunha em DVD há algum tempo, mas ainda não havia visto. Um road movie que fez a fama de Wenders e que representa a essência do seu cinema. Dois personagens na estrada ao acaso forçados a interagir devido à circunstância que os uniu. Ela (Alice) construindo a sua memória incipiente, ele (Phil) em busca da sua memória perdida. Um filme sensível construído essencialmente por meio de imagens.

Sob o Sol de Satã (1987) - meu segundo Pialat, tão impactante quanto o primeiro (Infância Nua). Parece-me que seus filmes crescem em nosso imaginário à medida que o tempo passa. Uma primeira parte dominada pelo diálogo intenso, de verborragia incessante (uma queda de braço entre as forças do bem e do mal, Deus e o Diabo), cede espaço para uma segunda parte em que impera a crueza das imagens e da montagem. Os "golpes de montagem", expressão muito bem utilizada por Victor Guimarães em seu ensaio sobre o filme para a Revista Cinética, arremessam o espectador para dentro da narrativa rarefeita de atmosfera carregada, como no "extraordinário corte que nos conduz subitamente da navalha no pescoço de Mouchette (Sandrine Bonnaire) ao arrombamento da porta do banheiro por Donissan (Gérard Depardieu)".

Juramento de Vingança (1965) - qualquer abordagem que se busque desse filme na internet, os bastidores conturbados da filmagem assumem uma boa parte da discussão. Eu vi a versão lançada pela Versátil, com um corte mais próximo do que seria a "versão do diretor". Um western denso, com a marca registrada de Peckinpah. Antes de vê-lo, eu duvidava da presença de Charlton Heston no universo do diretor. Surpreendeu-me, mas os personagens que realmente chamaram a minha atenção foram o capitão irlandês Tyreen (Richard Harris) e a austríaca Teresa Santiago (Senta Berger). Engajados em uma luta que não lhes diz respeito, reconhecem-se e solidarizam-se como membros da falida "upper class" européia - o primeiro encontro entre ambos esclarece essas questões para além da beleza e do sex appeal de Senta Berger. A cena me trouxe à memória a obra-prima de Jean Renoir, A Grande Ilusão (1937). O sacrifício final de Richard Harris que deserda do grupo e parte para a morte no confronto individual com a tropa francesa é simplesmente antológico - morrer combalido por índios, saqueadores, ladrões e desertores seria demais desonroso para os padrões da sua classe.