O Blogger, Blogspot ou Google
Blogs, plataforma grátis da Google para criação de blogs, reformulou
recentemente os templates, obrigando seus usuários a reorganizar os gadgets que
compunham os seus respectivos espaços (layouts). Este blogueiro fajuto que vos
escreve demorou em entender o teor das mensagens que o próprio Google enviava,
na tentativa de explicar a mudança que já estava em curso. De repente, o gadget
que exibia a minha lista de blogs que eu costumava acessar, o qual eu conferi o
nome de “Os Comparsas”, sumiu. Estou desde então tentando recompô-lo,
dependendo da minha memória falha, que pouco tem me ajudado para trazê-los de
volta a este espaço. Dessa forma, voltei a pesquisá-los, o que tem me
proporcionado novas descobertas. Um deles é o blog
www.discursocinematografico.com.br, do Yuri Deliberalli, cujo conteúdo me
chamou a atenção e desde então me tornei frequentador. O texto desta postagem,
inclusive, é dele e foi publicado alguns dias atrás. Vale a visita ao seu
espaço!
Sinfonia da Necrópole por Yuri
Deliberalli
O estranhamento é a engrenagem que gira e move Sinfonia da
Necrópole rumo ao campo do
desconhecido na cinematografia brasileira. A começar pelo gênero: um musical
ambientado em um cemitério paulistano e permeado por músicas sobre a vida, a
morte e o amor, cantadas por personagens dos mais variados tipos, como um padre
que come hóstias, um velho que deseja morrer e pelos próprios coveiros que lá
trabalham.
Dentre eles está Deodato (Eduardo Gomes), o aprendiz de coveiro que
logo na primeira cena surge sendo retirado de um túmulo porque desmaiou durante
um enterro. Deodato é esse homem meio desajeitado que não faz nada direito e
que vive em São Paulo para tentar algo da vida. Eis que o administrador do
cemitério anuncia um novo projeto de modernização do local e assim chega
Jaqueline (Luciana Paes), a agente funerária insensível e focada no trabalho
que tumultuará o coração de Deodato.
A lógica da relação entre os dois é um tanto imprevisível, se pensarmos
na tradição dos romances clássicos (os opostos se atraem?), porque Deodato pode
conseguir tudo, menos encantar Jaqueline. É o homem meio abobalhado que vê na
mulher independente e cheia de si mesma a “diferença” que justifica a paixão.
Por não ser necessariamente correspondido, cria-se uma relação de poder, em que
Jaqueline se delicia ao exercer controle sobre o apaixonado Deodato.
Jaqueline é, afinal, a personificação do ser humano urbano moderno,
preocupado em demasia com o trabalho e sem tempo para relacionamentos. Chega ao
cemitério obstinada a reformular os túmulos antigos e concretizar o projeto de
modernização dos jazigos, missão esta que ganha contornos metafóricos nas mãos
da diretora Juliana Rojas. Isso porque faz o jogo cênico de equiparar tal
projeto com a especulação imobiliária que avança selvagemente por São Paulo, em
que casas (túmulos terrenos) são destruídas e seus moradores (mortos)
desalojados de forma autoritária para dar lugar a prédios suntuosos (jazigos
verticais).
Mas é preciso deixar claro que Rojas não faz da questão social um mote
político de tom alarmante e urgente, a ponto de transformar o seu musical
funerário no que há de pior do cinema político contemporâneo. Pelo contrário, o
ar ingênuo, natural e cômico permanece durante todo o registro para formalizar
o estranhamento que o move, afinal, não é todo dia que vemos um filme tão
corajoso e apto a correr riscos, sem medo de errar ou ser cafona. É por isso
que o resultado final seja um filme expansivo, aberto a inúmeras leituras e
feliz em ser um peixe fora da água.