Escrevo sobre o filme depois que todo
mundo já o fez e passadas umas três semanas da minha sessão. A Forma da Água (Guillermo Del Toro, 2017)
e Três Anúncios para um Crime (Martin
McDonagh, 2017), pra ficar no Oscar, também foram vistos no período, mas
não despertaram o meu entusiasmo. Spielberg tem o meu voto de confiança. O
filme abre com uma cena na Guerra do Vietnã, totalmente descolada do restante
da proposta (parece ter sido inserida pra atender exigências de metragem), mas
não tarda para entrar logo no eixo. O esforço de lição cívica que já justificou
outros projetos recentes do diretor fica evidente (Lincoln e Ponte dos Espiões),
agora embalado pela defesa da liberdade de imprensa, protagonizado por uma
mulher.
Aparte essa urgências temáticas do nosso
tempo, o que mais me chamou a atenção no filme foi a exploração da relação
entre a dona do jornal (Meryl Streep) e a cúpula do governo norte americano.
Não me recordo de ver isso representado na tela em outras produções. O jornal
Washington Post só se torna “grande” quando deixa de ser conivente com o jogo
político engendrado pelo governo (no caso o governo Nixon), cessando de preocupar-se
com a cobertura das festas promovidas na Casa Branca em plena crise de imagem
do Estado, e passando a prestar um serviço de esclarecimento para a sociedade.
Mas isso só vem com a “libertação de consciência” da sua proprietária, herdeira
involuntária do jornal, criada no seio do meio político, convivendo desde
sempre com os chefes de Estado em sua propriedade, confiando às relações estabelecidas
entre as partes o status de amizade. Essa amarra emocional configura, a meu ver,
o ponto forte do filme. Ela não enxerga conflito ideológico na conduta suspeita do seu
amigo de longa data e a sua postura de preservá-lo da denúncia. A amizade se
estende, por consequência, ao corpo editorial do jornal.
É muito boa a cena em que ela se
desvencilha de Robert McNamara (Bruce Greenwood), um dos principais envolvidos no “escândalo dos
papéis publicados”, a quem considera amigo de verdade. A relação estabelecida
entre ambos me fez lembrar o pensamento do sociólogo e pesquisador Mark Granovetter,
ao argumentar que a visão neoclássica da ação econômica, que separava a
economia da sociedade e da cultura, promovia uma atomização do comportamento
humano. Segundo ele, “as pessoas não se comportam ou decidem como átomos fora
de um contexto social, nem aderem servilmente a um roteiro escrito para elas
pela interseção particular de categorias sociais que elas ocupam. Suas
tentativas de ação intencional são embutidas/inseridas (embedded) em sistemas
concretos e contínuos de relações sociais.”
Só pra finalizar, o entusiasmo do
personagem de Tom Hanks me contagia, especialmente na longa cena que se passa
em sua casa - a melhor do filme. Por mais romântica que tenha sido a sua
concepção, chama a atenção aquele ambiente de trabalho improvisado tomado pelos
tais “papéis” - a energia envolvida nela é muito orgânica. O seu personagem
também convive com a mesma crise de consciência que acometeu a sua chefa, na
relação próxima que ele e sua esposa nutriam com a família Kennedy. Em verdade,
todos nós fomentamos relações desse tipo, em maior ou menor grau, em algum
ponto de nossas vidas.
PS: O fechamento, com a “documentação” do
processo da escrita impressa, é um achado, sobretudo pra quem nunca teve a
oportunidade de presenciá-lo. Fazer a informação chegar ao público era um parto;
o gigantismo da operação é de encher os olhos.