Pizza,
Cerveja, Cigarro me foi dado de presente por um amigo em viagem a Buenos
Aires há uns bons anos atrás. Na época do seu lançamento, 1998, meu interesse
passava longe do cinema latino americano, inclusive o brasileiro. O filme é
praticamente o marco inicial do cinema argentino que conhecemos hoje. Acho que
consigo imaginar o impacto que ele causou quando do seu lançamento. Passados
vinte anos, ele ainda se sustenta muito bem. Tem a crueza/secura dos cineastas
que arriscam tudo em início de carreira, como forma de transpor a habitual
escassez de recursos.
Uma sequência próxima do final do filme me
chamou bastante a atenção. Ela é basicamente uma reencenação do mesmo golpe
dado pelos protagonistas em parceria com o motorista de táxi durante a exibição
dos créditos, só que dessa vez a vítima é uma senhora, único ser humano capaz
de despertar a sensibilidade dos jovens delinquentes. A personagem é um
presente para a atriz Elena Cánepa, inspirada e improvável na mesma medida, que
representa uma ilha de integridade num ambiente dominado pela falência das
relações humanas. A sequência carrega uma leveza que destoa do restante da
produção, muito embora o contexto seja conflituoso, dominado pela absoluta
falta de perspectiva.
Embora ela seja a vítima do assalto, é a
única pessoa que trata os meninos com dignidade, como se fossem os filhos que
não foi capaz de ter. O diálogo que ela estabelece com os jovens é tão honesto
e sereno, na contramão do ritmo acelerado do filme, que emerge um ambiente de
aproximação e respeito, um respiro de decência e sanidade, proporcionando ao
espectador uma empatia instantânea. A cena confronta a juventude e a velhice, a
vida na cidade e a vida no interior e os valores morais antiquados e vigentes de
forma sugestiva, sem fazer do discurso um palanque para julgamentos apressados.
Da compreensão e da solidariedade surge o antídoto para o combate da estupidez
e da ignorância.