“A gente é educado pra não roubar, mas não é educado pra não ser roubado”
É uma tarefa difícil classificar o filme de José Eduardo Belmonte, Se nada mais der certo (2008), como bem reconheceu o próprio diretor no bate papo que rolou no Cine Cauim em Ribeirão Preto no programa Mostra Permanente de Cinema Brasileiro. Bem mais fácil é gostar do filme. O entrosamento do elenco é tão afinado e a escolha dos atores tão certeira que o que vemos na tela não são meras representações, mas sim a radiografia de seres humanos errantes vivendo uma situação limite.
Na contramão da avalanche de produções recentes que retratam apenas a pobreza do nosso país, o filme se presta a observar a classe média brasileira: desesperançada e órfã de um estado acolhedor. Lembra um pouco o clima instaurado pelo filme Terra Estrangeira (1996), de Walter Salles. Assistimos a uma dolorosa, ainda que bem humorada, reflexão sobre nosso tempo. A carga política nesse caso é mais presente, mas ainda assim o diretor consegue equilibrar bem sua influência sobre as relações afetivas que unem os personagens. Felizmente ela nunca se sobrepõe, e configura ainda o pano de fundo perfeito para aproximar indivíduos de realidades tão díspares.
Mais uma vez, toda ação perpetrada pelos personagens é decorrência do desespero, do estado anestésico, letárgico imposto pelo estado opressor. O trio protagonista - um jornalista falido, um motorista de taxi e uma golpista - parte para uma vida de pequenos delitos sem refletir sobre a decisão moral dessa escolha. Isso é compreensível, até justificável, uma vez que a massa corrupta que governa nosso país se vale da mesma moeda: aqui o diretor não economiza imagens e nem suaviza o discurso para denunciar essa prática. Essa moral, tão cara à consciência da nação, é jogada às traças em nome da sobrevivência. Bem como em Caçadores de Emoção (1991), o grande roubo do qual os protagonistas fazem parte é realizado com as máscaras dos presidentes Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e José Sarney, numa clara referência à corrupção dos seus mandatos.
Duas grandes cenas: a primeira quando o grupo desce a serra rumo à praia ao som de Little Wing, de Jimi Hendrix, e a segunda quando se dá o grande roubo ao som dos Saltimbancos. Em ambos é a música que dá o tom; na primeira alivia a tensão permanente que paira sobre os personagens e na segunda faz um comentário irônico elegante sobre aquilo que se vê.
Existem desempenhos tão marcantes de atores desconhecidos em início de carreira que nos levam a segui-los por todas as produções que trazem seus nomes nos créditos, mesmo que sejam em filmes de reputação duvidosa. Desde o lançamento de Cinemas, Aspirinas e Urubus (2005), de Marcelo Gomes, vimos o surgimento de um talento nato: João Miguel. Pra nossa sorte, o que veio depois disso foi só pra confirmar essa percepção. Como bem disse Belmonte, ele é o porto seguro da produção, o ator, mesmo jovem, mais experiente da turma.
Cauã Reymond, que sempre habitou o território seguro das telenovelas, prova mais uma vez, depois do excelente Falsa Loura (2008), que seu talento vai além do seu sex appeal. Novamente, o galã presta serviços valiosos ao seu personagem. A intenção inicial do diretor era contar com Reynaldo Gianecchini; sem sombra de dúvidas, o filme ganhou com a sua ausência.
Por fim, a novata Caroline Abras. O personagem dela é o elemento central da trama, o pivô de toda a ação que se passa no submundo do crime. Ela é o coração do filme, carrega consigo toda a inocência perdida. Grande elenco, grande filme.