quinta-feira, maio 05, 2011

Rio (Carlos Saldanha, 2011)


Já assisti ao filme duas vezes e em ambas experimentei a mesma sensação: exceto pela cena de abertura, meu interesse aumentava sempre que os personagens se encontravam em perigo - em meio a perseguições e fugas criativas, os realizadores aproveitaram para explorar a exuberância da cidade (seus pontos turísticos sobretudo). Quando me esforço para lembrar detalhes do que foi visto, ficam basicamente os personagens simpáticos e o visual deslumbrante - com mais ênfase neste último (em especial a cena de abertura - Ama-me esta noite (1932), de Rouben Mamoulian, e os números musicais de Busby Berkeley como referência óbvia - e a cena do vôo sobre o Cristo Redentor). Embora tenha gostado do filme, me parece ter faltado uma “liga”, um “quê a mais”, aquela sensação de que tudo funcionou, fluiu e/ou se encaixou.

Eu sei que já está meio tarde para um post de Rio e, honestamente, eu nem publicaria nada a respeito. Apesar de gostar dele, não me chamou a atenção a ponto de querer registrar qualquer coisa. Mas, eis que numa zapeada na internet, encontrei o melhor texto a respeito do filme e que de certa forma acabou me esclarecendo o que seria essa “liga” e esse “quê a mais” que eu senti falta durante a projeção. O texto do Daniel Caetano, cujo endereço do blog se encontra ao lado, é sutil, bem pessoal e vai direto ao ponto. Desde o instante em que o li, ele se tornou a minha referência para abordar o filme. Eu diria que ele acertou na mosca. Além do link, reproduzo o texto abaixo.

Por Daniel Caetano

28/04/11

Rio visto de longe

Como se sabe, as crianças costumam mostrar seu afeto por filmes de forma obsessiva. Não só elas, decerto, mas é comum que, durante a primeira infância, os pequenos elejam alguns filmes ou personagens para rever continuamente, várias vezes por dia. Pois bem, eis que Bernardo anda fascinado por Toy Story, o primeiro da série. Uma dúvida que já comentei com amigos é se rever diariamente um filme tão bom continua a ser algo interessante. Bem, a conclusão óbvia é que é melhor rever filmes bons do que filmes ruins. E nisso eu e a Carol não temos do que reclamar (ainda, pelo menos): além de Toy Story, Bezico gosta de clássicos como Pica-pau, Pernalonga e Pantera Cor-de-rosa, além de alguns recentes como Pocoyo e Pingu - foram ele e Carol que me apresentaram os filmes desses últimos, ótimos.

Aí eu estou aqui nos Estados Unidos e os gringos resolvem fazer um filme-exaltação do meu Rio de Janeiro - com direção de um carioca, ainda por cima. Legal, bacana mesmo. Também, com o apoio que os gestores do nosso cinema andam pra incentivar os gringos, só se eles fossem muito otários que não topariam. Bem, vamos descobrindo qual é o papel que nos sobra nesse carnaval.

Enfim, aí eu estou aqui em Providence e vou a um shopping-center (termo que a gente inventou em português pro que eles batizaram como mall) pra ver o Rio de Janeiro desenhado em três dimensões. Olha, é preciso reconhecer o valor, mesmo que seja de mercado: Rio é um produto excelente para incentivar o turismo, divulgando as belezas naturais e as características inatas e inalteráveis dos brasileiros, tais como a alegria e a musicalidade que já haviam sido mostradas ao mundo naquele filme do Walt Disney.

Mas o problema é que eu estou vendo e revendo todos os dias Toy Story, provavelmente o melhor longa metragem de desenho animado feito por aqui (junto com os outros dois da série), e aí não é preciso entrar numa discussão velha sobre os modos de representação da identidade brasileira no cinema estrangeiro. O problema do Rio não são as características de sempre, os tais estereótipos. O problema é de ordem dramática. Os personagens, bicho. Basicamente, a diferença entre os melhores filmes da Pixar e os demais.

Achei meio bizarro o garoto da favela não ter amigos nem ninguém da mesma idade por perto. O mesmo vale para os dois protagonistas humanos do filme, que também parecem não ter amigos no mundo. Por que razão economizaram tanto no número de personagens? Por falta de atores disponíveis? Do jeito que a história é apresentada, parece aquelas peças de teatro amadoras que cortam papéis por ter elenco reduzido.

De modo geral, o enredo segue o modelo esquemático de bons e malvados, modelo que em nenhum momento parece que vai sair do equilíbrio. Ok, é bem-feito, dá pra ler o manual de roteiro na tela, mas eu tenho visto e revisto Toy Story, justamente o que mexeu um pouco com esse esquema modorrento dos filmes de animação. No Toy Story a intriga não é provocada por um vilão malvado, mas por um vacilo grave do próprio protagonista; o vilão do filme é até uma figura curiosa, um menino que remonta (e reinventa) os brinquedos, mas a história não depende da malvadeza dele. Se já não está na moda e até pega mal fazer protagonistas tão implicantes, cruéis e divertidos como o Pernalonga ou o Pica-pau, nesses tempos politicamente tão corretos, o caminho que sobra para os bons desenhos animados é ter um pouco mais de complexidade, de sentimentos negativos. Foi essa a descoberta da Pixar.

Essa descoberta ainda não foi feita pelos seus concorrentes. Faça calor ou frio: a previsibilidade modorrenta de Rio é idêntica à de A era do gelo.

Já esse negócio de estereótipos, enfim, como já disse, a questão é compreender o papel que nos cabe. Seja como for, a beleza natural merece ser vista, e o filme certamente deve ajudar a trazer turistas, atraídos pelo que a gente tem de melhor.

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