O Homem que Não Dormia (Edgar
Navarro, 2011) – o filme brasileiro mais marcante de 2012 costuma despertar
reações extremadas do tipo ame ou odeie. Eu abracei a proposta de Navarro com
afinco e até compreendo a indignação dos que não compraram a ideia: é um filme
inclassificável. Uma mistura de Glauber Rocha, Buñuel, Pasolini e Cinema
Marginal. Seria de se estranhar caso não gerasse tamanha discórdia. O único
filme nacional que integraria uma lista minha de melhores do ano – levando em
consideração os nacionais e estrangeiros. Não é todo dia que se vê um filme
dessa envergadura.
Girimunho (Helvécio Martins e
Clarissa Camponila, 2011) – uma das mais bem sucedidas tentativas
de documentação, com roupagem ficcional, de um espaço e seus habitantes. Mesmo
nas partes em que os diretores não conseguem materializar essa intenção na tela
(são poucas, felizmente), ele se sustenta do efeito hipnotizante proporcionado
pelas personagens-não atores Bastu e Maria. Uma verdadeira ode ao universo de
Guimarães Rosa.
Cara ou Coroa (Ugo Giorgetti, 2012) –
embora o registro do período ditatorial feito pelo filme seja dotado de um
romantismo questionável, Giorgetti está longe de ser inconsequente. Na sua
versão dos fatos, os ativistas políticos de formação cedem espaço aos meros simpatizantes
do conflito armado, deslocando o enfoque normalmente dado aos heróis que
sacrificaram suas vidas pela causa para os ditos cidadãos comuns. Esse traçado
alternativo da trama lhe permite trabalhar num tom mais relaxado, temperando-a
com fugazes momentos de humor, resultando, em boa parte das vezes, nas melhores
cenas. Otávio Augusto está impagável como taxista direitista.
Tropicália (Marcelo Machado, 2012) – minha relação com o movimento tropicalista sempre se restringiu
às figuras de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Só depois da sessão de Tropicália é que a dimensão da sua
influência sobre a cultura brasileira se expandiu pra mim: além da música houve
o teatro (de Zé Celso), o cinema (de Glauber, Sganzerla, Agripino de Paulo e
André Luis Oliveira), os parangolés (de Oiticica), a literatura (de Torquato
Neto), etc. O maior mérito do filme, entre os inúmeros que o qualificam,
é deixar bem claro que a transformação que estava em curso era sobretudo
imagética, sustentada pela incipiente e por vezes ousada programação
televisiva. A manifestação do “brasileiro” em seu estado mais puro.
A Música Segundo Tom Jobim (Dora
Jobim e Nelson Pereira dos Santos, 2012) – a frase que termina o
documentário, de autoria de Tom Jobim, foi levada a ferro e fogo por seus
realizadores pra dar conta da vida e obra do maestro e compositor brasileiro:
“A linguagem musical basta”. Com o mínimo de interferência possível, apenas ao
som e imagens do próprio Jobim, seus parceiros e intérpretes em números
musicais excepcionais, muitos deles históricos, a dupla de diretores se limita
a organizar o extenso material de arquivo existente de suas apresentações entrecortado
pelas captações da Cidade Maravilhosa e de sua intimidade. Não há como ficar
indiferente à genialidade do músico. A graça e a leveza de suas canções
reverberam horas e dias a fio.
Eu Receberia as Piores Notícias
dos seus Lindos Lábios (Beto Brant e Renato Ciasca, 2011) – um
filme com bom apelo comercial que infelizmente não encontrou seu público. Uma
pena. Mesmo sendo irregular, o que é praticamente uma constante nos filmes de
Beto Brant, seus pontos fortes encobrem com folga suas fraquezas. Dois corpos
em rota de colisão erótica nos confins do Brasil. Quem conhece Camila Pitanga apenas
das novelas da Rede Globo vai se surpreender, seja pelo erotismo das cenas,
seja pelo nível da interpretação. As tórridas cenas de sexo dela com Gustavo
Machado são de tirar o fôlego.
A Febre do Rato (Cláudio Assis,
2011) – eu sempre encontrei dificuldade em aceitar a retórica de
Cláudio Assis, muito embora eu reconheça na sua indignação o motor do seu
ativismo (o que não é nada condenável). Com A
Febre do Rato ele contextualizou o discurso, recriando na tela um modelo de
si mesmo, o Zizo de Irandhir Santos, que empunha um inconformismo romântico fora
de moda. Não acho que o seu cinema vai mudar o mundo, mas incomoda e proporciona
uma reflexão. Pra pasmaceira vigente, está de muito bom tamanho.
Sudoeste (Eduardo Nunes, 2012) –
meu entusiasmo pelo filme não é tão grande quanto o propalado pelos seus defensores
nos textos publicados em sites especializados no final do ano passado. Não é
difícil reconhecer a ousadia estética e narrativa do filme, incomum para a
nossa cinematografia, e maravilhar-se com o scope 3.66:1 adotado pelo diretor. Impressiona,
sobretudo quando visto no cinema. A sua presença nesta lista deve-se, principalmente,
a interpretação de Simone Spoladore, cujo sorriso angelical confere leveza ao
peso das imagens captadas. Enquanto ela se encontra em cena, o filme respira.
Filmes que faltaram ser vistos com
enormes chances de figurar na lista: Histórias
que Só Existem Quando Lembradas (Julia Murat, 2011), Uma Longa Viagem (Lucia
Murat, 2011) e Luz nas Trevas (Ícaro
C. Martins e Helena Ignez, 2010).