domingo, abril 19, 2015

A Ilha dos Prazeres Proibidos (Carlos Reichenbach, 1979)



A ilha dos prazeres, aquela visitada por uma Helena Ignez alucinada em A Mulher de Todos, ilha quimérica de ideais libertários frequentada por todo tipo de besta do terceiro mundo, retorna aqui como a ilha dos prazeres agora proibidos, Ilha de prazeres secretos, reprimidos por uma estranha sociedade pautada por desconfiança e medo constantes. Com o Brasil real em plena ditadura militar, a ilha imaginada torna-se exílio de muitos, espaço onde ainda semeia-se liberdade e harmonia, pedaço de terra perdido no mapa, secreto, impossível, invisível.

Mas o que poderia tornar-se um ingênuo espaço de fuga, representação de um possível éden latino-americano, se revela um espaço de tormento e pesadelos apesar de tudo – Carlão se esquiva do escapismo barato para chocar-se sem medo com as contradições dos homens amorais e libertários que ali pairam, como fantasmas, praticando seus atos incautos, descobrindo as fronteiras da liberdade nos próprios pesadelos e sonhos, nas próprias idéias, amores e crimes.

Trata-se de um filme legitimamente apaixonado pelo Brasil, ainda que feito em um momento de desencanto, sofrimento e fácil entrega à inação. Pois ao invés de se recolher à interiorização e codificação das ideias, Carlão faz o oposto; revela um grande carinho pelo cinema brasileiro no diálogo que constrói com o popular (sem perder a complexidade ou deixá-la eclipsar a relação com o espectador) ao mesmo tempo em que revela também um enorme amor pelo espaço interditado da comunhão da felicidade entre amigos e amantes, um Brasil ideal, que não se encontra nem na fuga, nem na libertação relativa, restrita a uma ilha, nem sequer no sonho impossível. A ilha - ela não existe - se torna real apenas no momento do crime, momento em que a agente secreta assassina os procurados da lei e destrói a quimera.

Nessa amálgama, Carlão cria a mais subversiva e libertária forma de se relacionar com o gênero. Faz uma pornochanchada sem nunca recuar da proposta ou esconder o despudor com pseudo-elegância moralizante, mas a faz tendo na forma uma resposta política vigorosa a seu tempo – coisas que ele radicalizaria em Império do Desejo, seu filme seguinte. Por trás do humor, melancolia. Por trás da libertinagem, esperança. E nesse recorte que faz do Brasil, via sua representação imagética mais despudorada, Reichenbach nunca deixa de dialogar e unir numa reconfiguração estética – tal como fazia Sganzerla – os monstros sagrados do cinema e literatura, filosofia e música, sem o peso e cerimônia habituais, colocando essas imagens em contato imediato com o espectador, sem filtro de pompa algum.

Estamos nós diante do filme, Reichenbach desembarcando nas praias da pornochanchada, levando junto o sertão-mar de Glauber e a ilha de Pierrot, Le Fou, mulheres nuas seduzem ao som da música erudita, do brega extrai-se a beleza, do popular a erudição, e o cinema irrompe em risos numa bela sessão de cinema; são as imagens descendo da tela, oferecendo-se generosamente ao espectador, sedução escrachada, beleza rasgada, paixão à primeira vista. Cinema brasileiro para o Brasil, ainda hoje vigoroso e cheio de sentidos, o zoom explosivo nos aproximando de um país inventado ou talvez apenas por nós esquecido, país este que me interessa ver refletido nas telas do cinema de hoje.

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