sábado, janeiro 28, 2017

Zahler, Mauro, Chazelle e Eastwood


Rastros de Maldade (2015) - o filme veio direto para o Video On Demand no Brasil levando muito tempo para ganhar um título em português. Eu me acostumei com o título original, Bone Tomahawk, dado o volume de críticas (favoráveis) em inglês publicadas quando do seu lançamento nos EUA: houve um descompasso de quase um ano entre a estreia americana e a sua disponibilidade no Brasil. O projeto ganhou uma merecida aura cult, em razão da bem sucedida mistura dos gêneros western e terror, que tende a ganhar corpo à medida que o tempo passar. As atuações estão soberbas, ancoradas pelo "carpenteriano" Kurt Russel, posando um corte de barba impecável. Ele carrega o distintivo de xerife, acompanhado pelo personagem de Richard Jenkings, numa parceria que lembra os bons momentos da dupla John Wayne/Walter Brennan. Matthew Fox e Patrick Wilson compõem o restante do quarteto, sem se curvarem diante da presença dos outros dois monstros do cinema. Na verdade, ambos têm o seu momento de estrelato, contribuindo para a densidade do relato. Filme de fruição prazeirosa. Aguardemos os próximos passos de S. Craig Zahler.


Ganga Bruta (1933) - absolutamente desconcertante. O filme antigo mais moderno que assisti recentemente. Quando o Brasil era uma terra de possibilidades concretas. Arquitetura, natureza e música combinadas à perfeição. No texto de Fernando Veríssimo para a Contracampo, o autor exclama: Quem consegue esquecer uma sequência como o flashback do protagonista evocado por uma canção entoada em seresta? Ou aquelas em que o simbolismo com forte influência freudiana irrompe inesperadamente em meio a ambientação predominantemente naturalista, como a união sexual do galã Durval Belline e Déa Selva? Obrigatório.


La La Land (2016) - o filme funcionou pra mim, especialmente pela parte de Emma Stone, atriz que captou minha atenção de vez a partir do subestimado Aloha (Cameron Crowe, 2015). Um musical precisa de boa música pra funcionar, e isso não falta em La La Land. Coreografia mesmo só na excelente cena de abertura, que aterrissa o espectador no filme, sem rodeios, convidando-o a abraçar a proposta. A sequência final da "realidade alternativa" elevou a produção a outro patamar: incita o publico a fazer uma busca em sua memória afetiva das "suas vidas que poderiam ter sido" - todo mundo tem uma história alternativa pra contar. Faz sentido o filme ser o grande premiado na noite do Oscar, que nada mais seria do que a Academia premiando a si mesma – Argo (Ben Affleck, 2012) experimentou a mesma condição há alguns anos atrás.


Sully (2016) – Filipe Furtado na sua tradicional lista de favoritos publicada todo final de ano extrai o essencial do filme: “Sully é o filme mais curto da carreira de Clint Eastwood com seus 96 minutos, também pudera, o que existe aqui de história para contar ocorre no espaço de uns cinco minutos entre as aves atingirem o avião e os passageiros serem resgatados. O que Eastwood extrai destes poucos minutos que ele desdobra repetidas vezes é uma pequena obra-prima sobre a reação humana diante de algo improvável, a ênfase toda em como cada pessoa, os pilotos, os passageiros, os técnicos, reagem aquela cadeia de eventos”. Outra interpretação memorável de Tom Hanks.

sábado, janeiro 21, 2017

Tão Longe, Tão Perto (Wim Wenders, 1993)



Deixe-me explicar algumas coisas. Em primeiro lugar, o tempo é curto. Para uma doninha, o tempo é uma doninha. Para um herói, o tempo é heroico. Para a prostituta, o tempo é só mais um programa. Se você for amável, seu tempo será amável. Se você estiver com pressa, seu tempo vai voar. O tempo é um servo se você for o mestre dele. O tempo é um deus, se você for o cão dele. Somos criadores, vítimas e assassinos do tempo. O tempo é atemporal.
Emit Flesti (William Dafoe)


Faz muito tempo que eu vi Asas do Desejo (1987), do mesmo Wenders, que precede Tão Longe, Tão Perto. Se Asas do Desejo não tivesse sido tão bem acolhido pelo público e pela crítica essa “continuação” dificilmente teria acontecido. Eu vi Asas no início da minha cinefilia e me recordo do impacto que a fotografia de Henri Alekan me causou, com a opção de retratar o mundo dos anjos em preto e branco e o mundo dos humanos em cores. Nem foi tanto a languidez da narrativa/edição que me chamou a atenção, tampouco a história de redenção do anjo Damiel (Bruno Ganz), ambos só vieram a me causar impacto agora, assistindo Tão Longe, Tão Perto. Vou ter que voltar a Asas para comprovar a sua superioridade sobre Tão Longe, Tão Perto, que desconfio se encontre no roteiro, menos detetivesco, hollywoodiano talvez, mais abstrato, filosófico talvez. Confesso que meu maior entusiasmo repousa sobre as imagens de Berlim captadas pelo fotógrafo Jürgen Jürges, estupendas, especialmente as tomadas aéreas. Mesmo tendo visitado a cidade, essa perspectiva de contemplação pelas lentes “dos anjos” não é privilégio dos turistas, só o filme nos proporciona. É como se eu a tivesse visitado novamente, redescobrindo-a – num momento chave da sua trajetória, poucos anos após a queda do Muro de Berlim.