domingo, junho 18, 2017

Dominik, Weerasethakul e Demy



O Assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford (Andrew Dominik, 2007) - Esse é aquele filme que eu fui deixando, deixando, deixando até quase esquecer que existia. Até me espantei quando me dei conta do seu ano de produção. Que filmaço!!!!! As outras versões de Jesse James concentram-se mais no gozo, na adrenalina do outsider/outlaw. Elas exploram o mito, reafirmando-o. A versão de Andrew Dominik é mais soturna, amargurada (o que é a interpretação de Casey Affleck?), desconstruindo o mito. A ultima hora é agonia pura, desespero, que permanece mesmo depois do "assassinato". A longa cena da consumação do ato é a definição perfeita para a palavra aflição. A busca incessante por reconhecimento, totalmente frustrada, é sentida na primeira pessoa. Nós somos Robert Ford no último ato, desnorteados pela interpretação soberba de Casey Affleck, carregando o peso do mundo nas costas.





Cemitério do Esplendor (Apichatpong Weerasethakul, 2016) - como classificar um filme como esse? O que são aquelas fontes de energia que alternam de cor no quarto dos soldados? Ou, o que são aquelas cores que iluminam algumas locações beirando um córrego, no que parece ser um amanhecer? Mesmo desconhecendo o significado dessas imagens, e dos personagens que habitam esse ecossistema, não tem como ficar indiferente ao "universo" de Apichatpong. A natureza e a espiritualidade, intrinsecamente ligadas, não figuram como material exótico em seu "universo", a força do seu cinema se nutre dessa associação rica em possibilidades, que requer uma sensibilidade à altura para a sua devida representação imagética.


Duas Garotas Românticas (Jacques Demy, 1967) - salve, salve Festival Varilux de Cinema Francês. É um privilégio assistir a um filme como esse em Ribeirão Preto, com a honrosa presença da minha esposa. Salvo engano, foi a primeira vez que o clássico do Festival aportou em Ribeirão. O filme é uma aula de como compor um quadro, um plano cinematográfico. É um festival de bom gosto a céu aberto, iluminação natural (não me recordo de ter visto um filme em que a luz solar estivesse tão presente), cores vivas pulsando na tela e alegria transbordante. A mais valiosa homenagem ao musical norte-americano já feita, contando inclusive com a presença do grande Gene Kelly. Tudo emoldurado sob a regência soberana de Michel Legrand, desfazendo a crença de que o jazz seja um som difícil de escutar.

domingo, junho 04, 2017

Cinema x Netflix

Talvez eu até esteja me tornando repetitivo, quando relato a minha dificuldade para acompanhar os lançamentos cinematográficos, sobretudo nos cinemas (com a minha frequência reduzida a duas vezes por mês, ou menos) eventualmente na televisão, limitadas a NET, Netflix ou NOW.

Mesmo sendo um ferrenho defensor da "experiência cinematográfica", não fossem essas facilidades da vida moderna, eu estava f... e mal pago. No meu período universitário, na década de 90, eu era refém da programação da TV aberta, limitado a poucas alternativas em variedade de títulos, bem como em seleção de línguas, cuja única opção existente era a dublagem. Se eu estivesse na faculdade hoje em dia, minha experiência universitária certamente seria outra, tanto pela ótica festiva quanto pela ótica dos estudos.

Ainda que eu compreenda o posicionamento de Pedro Almodóvar, no cargo de presidente do júri do Festival de Cannes deste ano, ao anunciar de antemão que não premiaria os filmes distribuídos via streaming, numa clara alusão a duas produções da Netflix em competição, sinto que a declaração, mesmo que compreensível, dado o contexto da celebração, tende a se tornar obsoleta em pouco tempo, uma vez que desconfio que esta lamentação seja fruto de uma experiência coletiva, não circunscrita exclusivamente à minha vivência.

Com a correria interminável do dia-a-dia, aliada a sensação permanente de que estamos atrasados em relação a tudo, a conveniência indiscutível dessas facilidades digitais, sempre prontas a nos trazer alguma alternativa, economiza um tempo precioso de que não mais dispomos.

Dois filhos na conta, uma empresa para administrar e a intenção de se aprofundar em um projeto de mestrado já são prioridades demais. Por mais que eu mesmo já tenha engrossado o coro da crítica a esses formatos, são eles que representam a essência da minha programação hoje. Ainda que não seja exatamente o caso, dá pra se defender com o velho ditado: "ruim com eles, pior sem eles".