sábado, novembro 04, 2017

Fala Comigo (Felipe Sholl, 2016)


De tudo que tenho visto recentemente, um filme brasileiro me chamou bastante atenção. Havia acompanhado parte da repercussão de Fala Comigo nesta mesma época do ano passado no Festival do Rio e sabia que a jornada seria proveitosa, mas não estava preparado para a sobriedade com que o tema da diferença de idade entre amantes seria tratado – revelado na própria sinopse do filme. O título diz respeito a todos os personagens da família retratada, que de uma forma ou de outra vivem solitários, embora convivam diariamente no mesmo espaço esforçando-se para evitar o contato entre si. Como eu estava absolutamente sem inspiração para escrever, reproduzo o texto do Luiz Zanin Oricchio, capaz de despertar o interesse dos poucos que passam por essas bandas.

Por Luiz Zanin Oricchio

De início, o título do filme de Felipe Sholl, Fala Comigo, faz vibrar a recordação de Fale com Ela (2002), de Pedro Almodóvar. Neste, para quem se lembra, a questão era conversar com uma pessoa em coma, sem qualquer certeza de estar sendo ouvido, movendo-se apenas pelo imperativo categórico de tratar um ser vivo como vivo, ainda que em estado suposto vegetativo.

Agora, no filme brasileiro, a situação é outra, mas ainda assim continuamos no domínio do poder da fala, que somente os ingênuos ou muito ignorantes supõem servir apenas para se comunicar. Falar, escutar e sentir-se ouvido são necessidades humanas básicas, que nada têm a ver com a comunicação mas com a dimensão subjetiva, pura e simples.

Daí que temos, em Fala Comigo, primeiro, uma situação estruturada por essa dimensão da fala, que é a psicanálise. Clarice (Denise Fraga) é psicanalista e Angela (Karine Teles) é uma de suas clientes. Cabe a uma ouvir e a outra falar. Acontece que a doutora Clarice (Denise Fraga) tem um filho adolescente, Diogo (Tom Karabachian), com o hábito de ligar para as pacientes da mãe e manter com elas conversas eróticas. Esta é outra dimensão da fala, às vezes ignorada, a de servir como veículo de erotismo. Não apenas dizemos que determinadas vozes são “sensuais”, como sabemos da existência de serviços de atendimento telefônico para este fim, espécies de Call Centers do amor.

O filme é bem encaminhado em sua proposta original e trabalha em grau suave de erotismo, sem descambar para a grosseria, mas também sem travar com o puritanismo. Mesmo porque, em etapa posterior, o filme deverá mexer com outro tabu, um dos raros que ainda subsistem no âmbito da sexualidade em nossa sociedade tida como liberada: o preconceito com a diferença de idade entre os amantes. Homem velho com mocinha é tachado de lobo, mas ainda é tolerado por uma questão de machismo. Quando se trata de mulher mais velha com jovem, o caso é pior e sofre ainda mais resistência social.

Há então esse subtema interessante: mesmo pessoas inteligentes e avançadas podem se tornar conservadoras e intolerantes quando o assunto é a sexualidade. Em especial, a sexualidade dos filhos, vista como ameaçadora. De bom ritmo, bem filmado, Fala Comigo toca nesses pontos sensíveis sem qualquer didatismo, como a dizer que a modernidade em determinados assuntos é mais aparente que real.

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