segunda-feira, janeiro 01, 2018

Repo Man (Alex Cox, 1984)



Eu algum momento da minha trajetória de cinefilia, antes da difusão dos blogs e da existência das redes sociais, quando eu convivia com o meu círculo de amigos e parentes, eu cheguei a pensar que minha experiência cinematográfica tivesse alguma relevância - no sentido de conhecimento acumulado da sétima arte. Essas ferramentas modernas, que nos permitem enxergar o mundo num escopo muito mais amplo do que o espaço físico que nos cerca, me recordam sistematicamente da minha ignorância nessa questão. Se eu estivesse criando este singelo espaço hoje, por exemplo, seria mais cauteloso ao nomeá-lo, evitando o termo “cinéfilo” em seu título. É muita responsabilidade. Entusiasta talvez fosse uma palavra mais apropriada.

Estou divagando naturalmente, muito embora essa questão já tenha cruzado o meu pensamento em outras ocasiões. Escrevo isso hoje porque descobri só muito recentemente a obra de Alex Cox, a qual desconhecia absolutamente. Imperdoável! Mesmo o diretor sendo um produto dos anos 80, período que vivenciei em sua plenitude, me levou todos esses anos (praticamente 30!) para encontrá-lo. Em algum momento do ano que se foi, o site My Two Thousand Movies prestou uma homenagem ao diretor disponibilizando para o usuário quase toda a sua filmografia, cujo filme de estreia, Repo Man, só consegui assitir ontem.

Muitas vezes o rótulo de “filme B” acaba mais por depreciar um filme do que por valorizá-lo. Não é o caso de Repo Man. É um autêntico produto dos anos 80, muito bem acolhido pelo subgênero da ficção científica, o cyberpunk, fundindo uma sociedade tecnológica (ainda que precária) com um visual sujo, bastante decadente e regido pela violência. Uma mistura bem orquestrada de Larry Cohen, George Romero, John Carpenter, David Cronenberg, etc. É interessantíssima a imagem de Los Angeles captada por Robby Müller, fotógrafo contumaz de Wim Wenders. A cidade dos anjos encontra-se literalmente em ruínas, exibindo lixo a céu aberto, desordem, caos urbano e uma sensação incômoda de abandono. No ano passado o filme foi bastante lembrado na ocasião do falecimento de Harry Dean Stanton, cujo papel desempenhado no filme tornou-se um dos mais icônicos de sua longeva carreira.

Toda a trama envolvendo os alienígenas funciona como um verdadeiro McGuffin hitchcockiano, já que mobiliza todos os personagens do filme, sem que ofereça qualquer esclarecimento para o espectador. Em torno deles, Alex Cox explora a relação autoritária do governo e o lado promíscuo da igreja, retratando-as como entidades que subtraem mais do que agregam ao indivíduo. Nada disso é investigado num nível intelectualizado, muito pelo contrário, o filme funciona perfeitamente como um programa de matinê - o tipo de trabalho que se produzia às pencas na década de 80.

O diretor aproveita todo o arsenal de referências que compuseram o seu background cinematográfico, excelentemente compilados no programa de TV britânico “moviedrome” (de fácil acesso na internet), exibido na BBC nas décadas de 80 e 90, trazendo à tona os bastidores de filmes pouco convencionais, incompreendidos e /ou esquecidos, reverenciados pelo seu entusiasmo cinéfilo como apresentador. Repo Man é repleto dessa energia contagiante.

2 comentários:

  1. A quantidade de filmes interessantes é gigantesca. Mesmo quem está na faixa do 40 ou 50 anos de idade, tendo visto filmes a vida inteira, sempre descobrirá obras antigas que passaram batido.

    Um dos pontos legais para quem curte cinema é a descoberta.

    Parabéns pelo blog.

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