Na última semana, antes da viagem a São
Paulo, eu vinha ansioso para conferir a programação de sexta feira no CCBB, Abel Ferrara e a Religião da Intensidade.
Inclusive, quase cheguei a postar alguma coisa a respeito. É verdade que outros
dias apresentavam uma seleção de filmes mais significativos, mas infelizmente
incompatibilizavam com a minha disponibilidade. Ao conferir a programação com
mais cuidado, notei que dois dos filmes seriam exibidos em DVD, Cat Chaser (1989) e Crime Story (1986). Minha empolgação logo se transformou em
frustração.
Pra minha sorte, estreavam no circuito
comercial de São Paulo os filmes nacionais Girimunho
e O Homem que Não Dormia. O Girimunho eu já havia visto na Mostra do
ano passado, ou pelo menos eu havia tentado vê-lo, já que, conforme relatado no
link acima, o cansaço da última sessão daquele dia me sacrificou algumas
passagens do filme. Minha recusa em opinar na ocasião se provou certa: descobri
que acabei perdendo mais da metade da projeção. Fiz muito bem em
"revê-lo" pra tirar a prova daquilo que perdera.
Girimunho
Mais um filme nacional que explora a
fronteira entre a ficção e o documentário. Eu confesso que tenho um interesse
especial por esse tipo de produção, pois se trata basicamente da tentativa de
se "recriar uma realidade". De certa forma, ao propor essa condição
inalcançável, contribui-se, paradoxalmente, para escancarar o artificialismo do
processo cinematográfico. É tudo uma questão de trabalhar esses indícios a fim
de que eles se apresentem menos evidentes ao espectador - maquiá-los por
completo, a ponto de quase eliminá-los,
é a busca contínua dos diretores. Sendo assim, quanto melhor mascarados
eles estiverem, melhor será a avaliação do filme. Girimunho é muito bem sucedido nesse sentido e não é à toa que vem
sendo considerado por alguns como um dos grandes filmes brasileiros da safra
recente de produções. Chama atenção particularmente a maneira como os cineastas
empregaram o som para incorporar os elementos da realidade abordada - dos
objetos em cena, da Natureza e das cantigas de Maria da Conceição. A imersão do
espectador naquela realidade depende muito do efeito desse recurso (sua
influência é enorme, ainda que seu reconhecimento seja quase imperceptível).
O Homem que
Não Dormia
Um filme que desperta reações extremas:
ama-se ou odeia-se. Eu integro o primeiro time com afinco e já o considero o
melhor nacional do ano até agora (embora a produção seja do ano passado). Um
petardo sem precedentes, baianíssimo (a Bahia é o berço de Navarro), com pitadas de Glauber
Rocha, Buñuel, Pasolini e Cinema Marginal. Na primeira metade da projeção Navarro
opera próximo ao registro do terror fantástico (aliás, rico em referências ao
folclore nacional), e por mais bizarro que seja, e de fato o é, resulta
memorável, inesquecível. Depois, a ironia e a irreverência tomam conta do
destino de cada um dos personagens - talvez seja um pouco disso que eu sempre
senti falta no cinema do Cláudio Assis (Amarelo
Manga e O Baixio das Bestas), mesmo defendendo-o. Uma obra fragmentada,
ousada, provocadora, abusada e corajosa que eu abracei com entusiasmo
exacerbado. Não é todo dia que se vê um filme dessa envergadura. Minha porta de
entrada para o universo de Edgard Navarro.