quarta-feira, junho 13, 2012

Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios (Beto Brant e Renato Ciasca, 2011)



Eu gosto bastante dos filmes do Beto Brant, especialmente do desequilíbrio característico de suas produções entre as partes e o todo. Seus projetos normalmente resultam em bons filmes com alguns momentos notáveis que carecem de um conjunto mais consistente. Eu tenho sérias dificuldades em me recordar do todo - do enredo e do “assunto” -, mas gozo de certa facilidade para elencar passagens memoráveis de seus longas. Apesar desse balanço desigual, permanece uma impressão muito favorável a eles. Ao invés de me concentrar no caráter irregular de suas obras (tarefa que não seria muito difícil de exercer), prefiro exaltar seus pontos fortes.

Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios (2011) é o seu projeto mais acessível desde O Invasor (2002). Entre eles, Brant flertou com diferentes formas de narrativa: num extremo, em que ela praticamente inexistia, despontou o experimental O Amor Segundo B. Schianberg (2010); num outro, que exige mais do intelecto do que da emoção, surgiu Crime Delicado (2005) e entre os dois, Cão Sem Dono (2007), primeira parceria com Renato Ciasca e o mais próximo que ele conseguiu chegar do que se pode chamar de convencional, muito embora não seja uma produção propriamente comercial. O que amarra esses quatro projetos e confere uma unidade a esse distinto conjunto são as relações amorosas radicais, fruto, sobretudo, da contribuição longeva do roteirista Marçal Aquino que só não assina o roteiro de O Amor Segundo B. Schianberg – ele escreveu todos os outros seis filmes de Beto Brant, inclusive Eu Receberia. A ambientação fronteiriça de suas tramas flertando com o gênero policial é uma de suas marcas registradas.

A sinopse de Eu Receberia comporta uma dúzia de temas ou assuntos que combinados resultariam numa penca de filmes diferentes: existe o triângulo amoroso, a polícia, um matador de aluguel, os costumes e a cultura regional (região do Pará), a condição miserável da população, o conflito de classes, a religiosidade, a prostituição e um jornalista (representando a imprensa local). Conforme dito no parágrafo acima, essa ambiência e os personagens advindos dela costumam habitar o enredo dos roteiros de Marçal Aquino, mesmo quando em parceria com outros diretores, como foi o caso de Cabeça a Premio (2009), de Marco Ricca. O mérito de Brant não está no arranjo habilidoso dessas forças de forma que todas elas encontrem espaço dentro do seu projeto para brilhar harmoniosamente. Ele investe quase tudo no triângulo amoroso, especialmente no relacionamento entre Lavínia/Lúcia (Camila Pitanga) e Cauby (Gustavo Machado), a ponto de se envolver tanto com ele que o seu entorno fica quase em terceiro plano (nem em segundo seria). Não fosse a entrega desses atores para a construção dos seus personagens (e naturalmente a condução de cena pela dupla de diretores), o filme não “funcionaria”. Ele perde força quando os dois personagens não estão contracenando.

Dessa comunhão entre os atores e a equipe de filmagem resultou uma das mais intensas radiografias de relação física e corporal do cinema recente. Camila Pitanga interpreta com desenvoltura e impetuosidade ímpares praticamente quatro papéis: ele é uma antes de conhecer Ernani (Zé Carlos Machado), duas enquanto dura o triângulo amoroso com Ernani e Cauby (seu comportamento com cada um deles é bastante distinto) e outra depois com Cauby. Embora as conversas entre Cauby e Lavínia na cama sejam um tanto quanto evasivas, elas carregam o conteúdo necessário pra manter o espectador sob vigília constante - sem contar que o timing delas é perfeito, impecável. Em suma, um ótimo filme (pra se ver de preferência na tela grande do cinema).

Pra descontrair

Eu não vi o Inácio Araújo se pronunciar a respeito das cenas de sexo de Eu Receberia, mas duvido que elas não tenham lhe chamado a atenção a ponto de satisfazê-lo. Sua fundamentada implicância com o amor pudico registrado pelos cineastas em seus longas já renderam divertidas linhas em seu blog. Eis uma delas:

“Um ponto à parte, porque não diz respeito apenas a Heleno (José Henrique Fonseca, 2011), é a timidez mórbida na filmagem de sexo. Não é, claro, exclusividade deste filme. Hoje em dia é assim que funciona no mundo todo, a menos que você se chame Cronenberg, ou De Palma, ou algo assim.
......

No filme, porém, tudo acaba nuns beijinhos, o mais das vezes, ou numas transas absurdas, como aquela de Rodrigo e Angie Cepeda, em que só vemos os dois rostos pulando na tela. A exclusão do corpo é tão mais escandalosa quanto é de corpos que se trata: a cantora e o jogador de futebol são corpos, antes de tudo.

As coisas não melhoram muito com a mulher de Heleno. Aí tem uns clichês meio radicais, do tipo a mulher que enfia o pé no peito dele deitado na cama. Pô, faz favor...”

4 comentários:

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    1. Nahud, a estonteante Camila Pitanga está em estado de graça, e bastante despudorada. Dessa vez ela imprimiu o nome dela na história do cinema nacional.

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  2. Um otimo filme, das melhores realizações nacionais recentes. Pitanga em um grande momento. Parabéns pelo texto.

    http://espectadorvoraz.blogspot.com.br/

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    1. Obrigado Celo, valeu pelo elogio. Concordo com você, é um filme muito intenso, dos melhores desse ano.

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