Eu gosto bastante
dos filmes do Beto Brant, especialmente do desequilíbrio característico de suas
produções entre as partes e o todo. Seus projetos normalmente resultam em bons filmes
com alguns momentos notáveis que carecem de um conjunto mais consistente. Eu
tenho sérias dificuldades em me recordar do todo - do enredo e do “assunto” -,
mas gozo de certa facilidade para elencar passagens memoráveis de seus longas.
Apesar desse balanço desigual, permanece uma impressão muito favorável a eles.
Ao invés de me concentrar no caráter irregular de suas obras (tarefa que não
seria muito difícil de exercer), prefiro exaltar seus pontos fortes.
Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios (2011) é o seu projeto
mais acessível desde O Invasor (2002). Entre eles, Brant flertou com diferentes
formas de narrativa: num extremo, em que ela praticamente inexistia, despontou
o experimental O Amor Segundo B.
Schianberg (2010); num outro, que exige mais do intelecto do que da emoção,
surgiu Crime Delicado (2005) e entre
os dois, Cão Sem Dono (2007), primeira
parceria com Renato Ciasca e o mais próximo que ele conseguiu chegar do que se
pode chamar de convencional, muito embora não seja uma produção propriamente
comercial. O que amarra esses quatro projetos e confere uma unidade a esse
distinto conjunto são as relações amorosas radicais, fruto, sobretudo, da contribuição
longeva do roteirista Marçal Aquino que só não assina o roteiro de O Amor Segundo B. Schianberg – ele escreveu
todos os outros seis filmes de Beto Brant, inclusive Eu Receberia. A ambientação fronteiriça de suas tramas flertando
com o gênero policial é uma de suas marcas registradas.
A sinopse de Eu Receberia comporta uma dúzia de temas
ou assuntos que combinados resultariam numa penca de filmes diferentes: existe
o triângulo amoroso, a polícia, um matador de aluguel, os costumes e a cultura
regional (região do Pará), a condição miserável da população, o conflito de
classes, a religiosidade, a prostituição e um jornalista (representando a
imprensa local). Conforme dito no parágrafo acima, essa ambiência e os personagens
advindos dela costumam habitar o enredo dos roteiros de Marçal Aquino, mesmo
quando em parceria com outros diretores, como foi o caso de Cabeça a Premio (2009), de Marco Ricca.
O mérito de Brant não está no arranjo habilidoso dessas forças de forma que
todas elas encontrem espaço dentro do seu projeto para brilhar harmoniosamente.
Ele investe quase tudo no triângulo amoroso, especialmente no relacionamento
entre Lavínia/Lúcia (Camila Pitanga) e Cauby (Gustavo Machado), a ponto de se
envolver tanto com ele que o seu entorno fica quase em terceiro plano (nem em
segundo seria). Não fosse a entrega desses atores para a construção dos seus
personagens (e naturalmente a condução de cena pela dupla de diretores), o
filme não “funcionaria”. Ele perde força quando os dois personagens não estão
contracenando.
Dessa comunhão
entre os atores e a equipe de filmagem resultou uma das mais intensas
radiografias de relação física e corporal do cinema recente. Camila Pitanga
interpreta com desenvoltura e impetuosidade ímpares praticamente quatro papéis:
ele é uma antes de conhecer Ernani (Zé Carlos Machado), duas enquanto dura o triângulo
amoroso com Ernani e Cauby (seu comportamento com cada um deles é bastante
distinto) e outra depois com Cauby. Embora as conversas entre Cauby e Lavínia
na cama sejam um tanto quanto evasivas, elas carregam o conteúdo necessário pra
manter o espectador sob vigília constante - sem contar que o timing delas é perfeito, impecável. Em suma, um ótimo filme (pra se ver de
preferência na tela grande do cinema).
Pra descontrair
Eu não vi o Inácio
Araújo se pronunciar a respeito das cenas de sexo de Eu Receberia, mas duvido que elas não tenham lhe chamado a atenção
a ponto de satisfazê-lo. Sua fundamentada implicância com o amor pudico registrado
pelos cineastas em seus longas já renderam divertidas linhas em seu blog. Eis
uma delas:
“Um ponto à parte,
porque não diz respeito apenas a Heleno (José Henrique Fonseca, 2011),
é a timidez mórbida na filmagem de sexo. Não é, claro, exclusividade deste
filme. Hoje em dia é assim que funciona no mundo todo, a menos que você se
chame Cronenberg, ou De Palma, ou algo assim.
......
No filme, porém,
tudo acaba nuns beijinhos, o mais das vezes, ou numas transas absurdas, como
aquela de Rodrigo e Angie Cepeda, em que só vemos os dois rostos pulando na
tela. A exclusão do corpo é tão mais escandalosa quanto é de corpos que se
trata: a cantora e o jogador de futebol são corpos, antes de tudo.
As coisas não
melhoram muito com a mulher de Heleno. Aí tem uns clichês meio radicais, do
tipo a mulher que enfia o pé no peito dele deitado na cama. Pô, faz favor...”
Estou louco para ver esse filme...
ResponderExcluirO Falcão Maltês
Nahud, a estonteante Camila Pitanga está em estado de graça, e bastante despudorada. Dessa vez ela imprimiu o nome dela na história do cinema nacional.
ExcluirUm otimo filme, das melhores realizações nacionais recentes. Pitanga em um grande momento. Parabéns pelo texto.
ResponderExcluirhttp://espectadorvoraz.blogspot.com.br/
Obrigado Celo, valeu pelo elogio. Concordo com você, é um filme muito intenso, dos melhores desse ano.
Excluir