domingo, julho 22, 2012

Na Estrada (Walter Salles, 2012)




Agora que a adaptação do livro On The Road, de Jack Kerouak, chegou finalmente às telas é mais fácil compreender o porquê da ressalva de Coppola, Gus Van Sant e Johnny Depp em assumir as rédeas desse projeto em outras ocasiões. Embora a obra nunca tenha sido adaptada para o cinema conforme o texto, ipsis litteris, desde o seu lançamento, em 1957, roteiristas e diretores totalmente influenciados por seu espírito libertário se imbuíram de seu conteúdo e ambiência para desenvolver e criar os seus próprios On The Roads. Sem Destino (Dennis Hopper, 1969) e Bonnie and Clyde – Uma Rajada de Balas (Arthur Penn, 1967) seriam os exemplos mais óbvios e bem sucedidos dessa leva de “filhotes”. Ambos os filmes foram produzidos e distribuídos no calor da hora, no exato momento em que as peripécias dos protagonistas da jornada, Sal Paradise e Dean Moriarty (alter ego do próprio Kerouac e de Neal Cassady, respectivamente), ressoavam plenamente no comportamento da sociedade norte americana do pós-guerra. O livro é a ponta de lança de um dos primeiros movimentos da contracultura: a Beat Generation. “Os Beatniks eram jovens intelectuais, principalmente artistas e escritores, que contestavam o consumismo e o otimismo do pós-guerra americano, o anticomunismo generalizado e a falta de pensamento crítico” (Wikipedia).

Passados mais de 50 anos do seu lançamento, depois da poeira devidamente baixada, a sensação de dejà vu é inevitável. Esses filmes e alguns outros lançados na mesma época (Corrida Sem Fim, de Monte Hellman, 1971) ou mesmo depois (Na Natureza Selvagem, de Sean Penn, 2007) já deram conta do universo beat à exaustão. Eu que não conheço o romance de leitura, apenas de menção devido a sua famosa reputação, não experimentei a sensação de frescor que transformou a geração de 1960 por meio do filme de Salles. Minha referência desse universo permanece sendo a dos filmes de Penn e Hopper, cuja fúria libertária e transgressora ainda é capaz de nos seduzir por completo – só o livro será capaz de devolver à obra a sua devida importância/impacto (pelo menos assim espero que seja). No filme de Hopper, especialmente, os valores defendidos se faziam presentes na frente e atrás das câmeras – consumo abundante de drogas entre elenco e equipe, bem como no filme em si. Por essas e por outras que o filme ganhou a alcunha de documento geracional – está lá, impresso na tela, só não vê quem não quer.

Mesmo desconsiderando a obra literária (seria possível?) e concentrando apenas nos aspectos cinematográficos da adaptação, On The Road fica muito a dever para essas realizações da década de 1960, hoje reconhecidas como responsáveis pelo “Renascimento de Hollywood” (marco inaugural), que à época travava uma luta para se reaproximar do público norte-americano ainda refém das comédias inócuas (Confidências à Meia-Noite, de Michael Gordon, 1959) e dos musicais escapistas (Mary Poppins, de Robert Stevenson, 1964). Segundo as palavras do próprio Hopper, “Ninguém jamais havia se visto retratado num filme. Nos love-ins ao redor do país as pessoas estavam queimando um fumo e tomando LSD, enquanto as plateias ainda estavam vendo Doris Day e Rock Hudson!”

Enquanto eu assistia ao filme de Walter Salles outra forte lembrança que me veio à cabeça foi a de Contrastes Humanos (Preston Sturges, 1941) – talvez até mais presente do que as outras. Kerouak também deve ter sido influenciado por esse filme. A história do diretor bem sucedido de comédias ingênuas (John L. Sullivan, interpretado por Joel McCrea) que se vê na necessidade de dirigir um drama social sobre os tempos difíceis da Depressão Americana e para tanto se disfarça de mendigo - cruzando o país para experimentar a “vida real” na própria pele - vem à tona sempre que Sal Paradise (Sam Riley) sai em busca de “trabalho pesado” – a jornada dupla para ganhar a vida (to make a living). É a experiência física do pé na estrada que permitirá a ambos fazerem as pazes com a consciência (de valores burgueses arraigados). Nem que a viagem só venha a reaproximá-los com mais afinco daquilo que pretendiam deixar para trás antes de se aventurarem pela estrada. Sendo assim, eles partem para retornarem ao ponto de partida, totalmente transformados. A rigor não se trata de mudança, apenas transformação. É um processo de autoconhecimento do qual não é possível sair ileso. Walter Salles provavelmente se referia a isso em suas entrevistas para a apresentação do filme em Cannes: “Já fiz alguns road movies e percebi, ao fazê-los, que quanto mais você se distancia de suas raízes, do ponto inicial, mais você ganha perspectiva sobre quem você é, de onde você veio e, eventualmente, quem você quer ser”.

Mesmo reconhecendo um tom levemente negativo no texto, confesso que quanto mais me proponho a escrever mais afeição eu sinto pelo filme – além da vontade de revisitar todas essas referências que de alguma forma contribuíram para o resultado final. Mesmo não sendo de todo memorável (tenho dificuldades de me lembrar de momentos específicos), o filme me levou à reflexão: “quanta aventura sacrificamos à nossa segurança?” (Contardo Calligaris, Folha de S.Paulo, Ilustrada, 19 de julho de 2012). Já está de bom tamanho.

4 comentários:

  1. Excelente texto Rodrigo. Sabe q me fez ter uma perspectiva mais otimista sobre o filme? Que em uma primeira vista eu repudiei bastante. Concordo com muitos pontos levantados por vc. abração.

    http://www.cinemadetalhado.com.br/

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    1. Valeu Celo. Se eu tivesse escrito o texto numa sentada só eu teria sido mais severo com ele. Como me levou um certo tempo para fazê-lo, consegui reconsiderar algumas coisas. Pelo menos, acho que consegui ser mais honesto. Abraço.

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  2. Infelizmente ainda não estreou no Rio Grande do Norte...

    O Falcão Maltês

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    1. Nahud, eu até achei estranho a estreia dele em Ribeirão Preto. Não estou acostumado a ver a logo da MK2 na tela grande.

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