Abro a Folha de S.Paulo de ontem, 29 de setembro, e me deparo com um texto
de Cassio Starling Carlos prestando uma homenagem ao centenário de nascimento
do cineasta italiano Michelangelo Antonioni. Infelizmente, por mais esforço que
eu faça, minha memória associativa insiste em se apegar melhor à data do seu
falecimento, 30 de julho de 2007. Pra todos os efeitos, tendo a acreditar que
não carrego sozinho essa triste lembrança, já que, coincidentemente (e põe
coincidência nisso!), os cinéfilos do mundo inteiro se viram órfãos dele e de
Ingmar Bergman no mesmo dia - dois dos maiores pesos pesados do cinema de todos
os tempos. Por menos que eu queira, não dá pra esquecer essa data com tanta
facilidade. Seja pelo nascimento ou pelo luto, nunca é tarde para se prestar
homenagens (no meu caso, entenda-se assistir aos filmes).
Embora as fartas homenagens que
Cassio descreveu em seu texto se passassem em Ferrara, cidade natal do diretor,
mesmo estando distante do epicentro das celebrações, seus filmes encontram-se mais próximos de nós do que nunca. Sendo assim, coloquei pra rodar o DVD recém-adquirido da
Versátil de O Eclipse (1962), o famoso
desfecho da “trilogia da incomunicabilidade” que me faltava. Procurei registrar
algumas notas esparsas de minhas impressões a respeito do filme,
desconsiderando as já exaustivamente analisadas sequências da Bolsa de Valores
e do desfecho. Em seguida, transcrevo a narração de Martin Scorsese
correspondente ao segmento do filme em Il
mio viaggio in Italia (1999).
A minha parte
- ao longo do filme adentramos
quatro apartamentos: 1) o da abertura, 2) o de Monica Vitti, 3) o da vizinha
africana e 4) o de Alain Delon. O único que “tem vida” e desconcerta a
protagonista é o da africana, com seus quadros etnográficos e fauna
característica. A composição desse ambiente destoa de todo o entorno moderno
que cerca os protagonistas do filme. É o registro mais pessoal do longa. Em
todos os outros apartamentos, incluindo o seu, é perceptível o seu desconforto,
especialmente no recanto fúnebre de Delon. Seu impulso é o de abrir todas as
cortinas, a fim de arejar as conflitantes ideias;
- a viagem de avião sobrevoando
Roma, ao nível das nuvens, bem distante do amontoado de gente que se aglomera
nas ruas;
- a flor que o especulador arruinado
desenha em um guardanapo em um momento de puro desespero;
- o olhar desiludido de Monica
Vitti quando Alain Delon se mostra mais preocupado com a carroceria do seu
carro do que com o bêbado morto dentro dele (o close do olhar de Delon no decote de Vitti), e como o espetáculo do acidente é capaz de atrair
uma manada de desocupados e enxeridos;
- a caneta que Vitti encontra no
apartamento de Delon estampando uma mulher que ora se apresenta vestida, ora
desnuda – o efeito é extraordinário e denota a banalização da figura da mulher,
como um mero objeto de desejo (sexual), recorrente na obra do diretor;
- a barreira física que separa os dois protagonistas nas imagens que abrem o post é a representação perfeita da impossibilidade do encontro.
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By Martin Scorsese
“L’Aventura” was the first film in a trilogy and each of this three
films Antonioni was working through new cinematic possibilities – emotional,
visual, thematic. The middle film was “La Notte” with Marcello Mastroianni and
Jeanne Moreau and the third film, “Eclipse”, was the boldest. At that time all
around the world directors were trying new things expanding the possibilities
of cinema: Jean-Luc Godard with “Breathless” and “My Life to Live”, John
Cassavetes with “Shadows”, Luis Bunuel with “Veridiana”, Ingmar Bergman with “The
Silence” and “Persona”, Glauber Rocha with “Antonio das Mortes”, Shohei Imamura
with “The Insect Woman” and Alain Resnais with “Hiroshima Mon Amour” and “Last
Year at Marienbad”. It seemed like every week someone was taking things a
little bit further topping their last movie. In retrospect, I suppose that they
were all influencing and provoking each other and spurring each other on.
I remember how excited we all were when we first saw “Eclipse”. It was
a real step forward in storytelling. In fact, it felt less like a story and
more like a poem. Eclipse is about a Milanese woman played by Monica Vitti who
has an affair with a young stockbroker played by Alain Delon. Even more than
the characters in “L’Aventura” these people are lost. They’re trying for
intimacy but they can never really connect. Antonioni accentuates the
impersonality of the world around them. Real love seems like an impossibility
there. It’s like trying to grow flowers through concrete. People can bearly
even take the time to mourn the loss of a business colleague. The rhythm of
life in the material world just doesn’t allow for it. Antonioni once said: “I’m
looking for the traces of feeling in men. The traces of felling and emotions in
modern life.” If you really concentrate on his films you sense those traces.
And you see what lies beneath Antonioni’s detachment. Compassion.
The couple always meet at the same spot on the corner under a tree near
a building under construction which is surrounded by modern housing
developments. One day, they make a plan to meet. They’re both trying to keep
the relationship going but they’ve simply lost the will to commit. And neither
of them shows up. But the film goes on. You keep expecting something dramatic
to happen and it never does. Instead, Antonioni’s câmera keeps showing us
things – the things around Delon and Vitti. The fence, the piece of wood
floating in the barrel of water, the lines of the crosswalk. The construction
site. It’s not as simple as “life goes on” which means that people go on. At
the end of “Eclipse”, Antonioni leaves us with nothing but time staring back at
us. The world becomes a kind of shell around the absence of these two people
who have failed to meet. In other words, it’s not what’s there, it’s what isn’t
there. It’s a frightening way to end a film, but at the time it also felt
liberating. The final seven minutes of “Eclipse” suggested to us that the
possibilities in cinema were absolutely limitless.