Duas semanas de férias no Chile
com muito frio, chuva e uma esposa grávida de sete meses e meio contribuíram
para que eu não interrompesse minhas habituais idas ao cinema.
Coincidentemente, durante a minha estadia, Santiago sediava a oitava edição do seu
festival internacional de cinema, o SANFIC – Santiago Festival Internacional de
Cine. Ao contrário da mostra paulistana, o evento se resume a apenas uma semana
de exibições com um número de sessões que não chega a somar cem. Boa parte das
atrações internacionais já havia passado pelo nosso circuito como L’Apollonide (2011), de Bertrand Bonello
e O Garoto da Bicicleta (2011), dos
irmãos Dardenne, e algumas outras como Tabu
(2012), de Miguel Gomes e Moonrise
Kingdom (2012), de Wes Anderson, ainda inéditas por aqui, aguardam a Mostra
de São Paulo que se avizinha. Muitos filmes latino-americanos na grade de
programação, mas nenhum brasileiro - inclusive o vencedor como Mejor Película do festival foi o
argentino Los Salvajes (2012), de
Alejandro Fadel (roteirista habitual de Pablo Trapero). Meus esforços, que não
foram tantos assim, se concentraram numa pequena retrospectiva do
recém-falecido diretor Raúl Ruiz e em dois filmes chilenos, um dos quais o
badalado No (2012), de Pablo Larraín.
Embora reclamemos constantemente
do circuito nacional de exibição, o chileno se entrega com muito mais afinco ao
cinemão norte-americano. Tanto que na semana seguinte a realização do evento,
não fosse a Cineteca Nacional,
localizada no imponente Palacio de La Moneda,
as alternativas não passavam dos Batmans,
Spider-mans e afins. Na própria programação da Cineteca, representante oficial do circuito alternativo, ainda
figurava A Pele que Habito (Pedro
Almodóvar, 2011). Nesse sentido, o slogan do SANFIC pareceu-me ser o mais
honesto possível: SI NO LA VES EN SANFIC,
NO LA VAS A VER. O mesmo espaço já anunciava a exibição da cópia zero bala de
O Poderoso Chefão (Francis Ford Coppola, 1972),
a mesma que rolou na Mostra de São Paulo de 2008.
Cómedia da Inocência (2000), Raoul Ruiz
Meu primeiro Raúl Ruiz – por ser
um filme da fase francesa ele assina como Raoul Ruiz. Nada como estrear um
autor com a mesma plateia do seu país de origem. Ruiz é respeitadíssimo no
Chile. Começa como uma elaborada narrativa sobre a infância, com foco no
personagem infantil e toques singelos de espiritismo, e aos poucos envereda
para uma crônica perspicaz sobre a maternidade, em que brilha a atriz Isabelle
Huppert. A primeira cena, um almoço no qual o garoto é repreendido em pleno
aniversário com comentários desdenhosos sobre sua produção artística – vídeos
caseiros -, estabelece toda a base narrativa para as revelações e desdobramentos
que virão a seguir. Lembrou-me muito (de memória) a primeira cena de Ensaio de Um Crime (1955), de Luis
Buñuel, na sua rara habilidade para criar as bases psicológicas e narrativas
que irão sustentar todas as manifestações dos personagens (sobretudo do
protagonista). A casa é um personagem à parte, um organismo vivo, sem o qual o
filme não seria o mesmo. Sua utilização como espaço cênico é digna de registro,
verdadeiro trabalho de gênio. O roteiro é repleto de pistas falsas e Ruiz é
hábil ao nos puxar o tapete sempre que manifestamos nossas irrefutáveis certezas.
Ironia fina em desuso.
No (2012), Pablo Larraín
No e Violeta Foi para o Céu (Andrés Wood, 2011) representam as duas grandes
vedetes do cinema chileno esse ano. No é
bem melhor e tem evoluído quase diariamente na minha estima. Registra a
clássica batalha política partidária que caracteriza qualquer processo eleitoral
moderno – ao fazer uso das imagens para compor a identidade (questionável) dos
candidatos. Quando o ditador militar Augusto Pinochet se vê pressionado pela comunidade
internacional em 1998, depois de 15 anos à frente do poder, convoca um
plebiscito para garantir sua permanência no cargo. Os líderes da oposição, por
sua vez, convencem um atrevido e criativo agente publicitário, René Saavedra
(Gael García Bernal), para encabeçar a campanha do No – contra a permanência.
Com recursos limitados e sob o constante escrutínio dos vigilantes do déspota,
Saavedra e sua equipe elaboram um plano audaz para ganhar a eleição e liberar o
seu país da opressão. O tom acertadíssimo que Larraín emprega é o da comédia de
humor negro – apesar da gravidade do assunto, a relativa distância temporal
permite que os fatos sejam encenados numa abordagem mais leve, no que cabe a
parte da comédia, de forma que o humor negro garante que não haja prejuízo algum
para a análise crítica. O visual adotado o aproxima dos vídeos caseiros da
década de 80, permitindo que imagens de arquivo (relativamente recentes) sejam
perfeitamente incorporadas à narrativa. Nem vestígios do classicismo formal de
um Tudo pelo Poder (George Clooney, 2011),
por exemplo. Eu arriscaria dizer que
se trata de um dos melhores e mais bem humorados registros de uma campanha
eleitoral. Larraín nunca deixa a peteca cair de vez: quando alguém exalta a
importância do processo eleitoral para a democracia, a voz da consciência
sempre vem para nos lembrar do quão ridículo podem ser as campanhas. Supostamente,
no período retratado, acreditava-se que rumávamos para uma modernização dos
processos eleitorais. Mal sabíamos que a era dos valores frívolos estava apenas
começando.
Mistérios de Lisboa (2010), Raúl Ruiz
Eu já lamentava profundamente o
fato de haver perdido as exibições de Mistérios
em Lisboa no CINESESC no início do ano. Já havia me conformado em
assisti-lo numa versão meia boca baixada na internet por um amigo. Quando bati
o olho na programação do SANFIC e vi que o filme seria projetado, sabia que
outra oportunidade como esta não haveria de acontecer novamente. São quatro
horas e meia de pura elegância, fluência narrativa e inúmeras reviravoltas. O
mundo das aparências registrado no texto original de Camilo Castelo Branco nos
idos de 1854, transposto para a tela grande do cinema em 2010. Pintura,
teatro, literatura e música num mesmo pacote. Assombroso.
Meu Último Round (2011), Julio Jorquera Arriagada
Julio Jorquera foi assistente de
direção de Andrés Wood em Machuca (2004)
e Violeta Foi para o Céu (2011). Meu
Último Round é a sua estreia atrás das câmeras. A produção é pequena, com
poucas chances de cruzar as fronteiras nacionais, mas que se deixa ver facilmente.
Integrou o Festival Mix Brasil da Diversidade Sexual de 2011. A rigor nada de
novo: um relacionamento amoroso entre dois homens, certamente influenciado por O Segredo de Brokeback Mountain (Ang Lee, 2005),
conduzido com leveza e dotado de alguns bons momentos. O filme se segura na
entrega dos dois atores, especialmente na interpretação do boxer Octavio
(Roberto Farias).
Ruiz é muito interessante e difícil. Gosto muito de GENEALOGIA DE UM CRIME.
ResponderExcluirO Falcão Maltês
Vou procurá-lo Nahud.
ExcluirHi! Great site! I'm trying to find an email address to contact you on to ask if you would please consider adding a link to my website. I'd really appreciate if you could email me back.
ResponderExcluirThanks and have a great day!