domingo, setembro 09, 2012

SANFIC e Raúl Ruiz



Duas semanas de férias no Chile com muito frio, chuva e uma esposa grávida de sete meses e meio contribuíram para que eu não interrompesse minhas habituais idas ao cinema. Coincidentemente, durante a minha estadia, Santiago sediava a oitava edição do seu festival internacional de cinema, o SANFIC – Santiago Festival Internacional de Cine. Ao contrário da mostra paulistana, o evento se resume a apenas uma semana de exibições com um número de sessões que não chega a somar cem. Boa parte das atrações internacionais já havia passado pelo nosso circuito como L’Apollonide (2011), de Bertrand Bonello e O Garoto da Bicicleta (2011), dos irmãos Dardenne, e algumas outras como Tabu (2012), de Miguel Gomes e Moonrise Kingdom (2012), de Wes Anderson, ainda inéditas por aqui, aguardam a Mostra de São Paulo que se avizinha. Muitos filmes latino-americanos na grade de programação, mas nenhum brasileiro - inclusive o vencedor como Mejor Película do festival foi o argentino Los Salvajes (2012), de Alejandro Fadel (roteirista habitual de Pablo Trapero). Meus esforços, que não foram tantos assim, se concentraram numa pequena retrospectiva do recém-falecido diretor Raúl Ruiz e em dois filmes chilenos, um dos quais o badalado No (2012), de Pablo Larraín.

Embora reclamemos constantemente do circuito nacional de exibição, o chileno se entrega com muito mais afinco ao cinemão norte-americano. Tanto que na semana seguinte a realização do evento, não fosse a Cineteca Nacional, localizada no imponente Palacio de La Moneda, as alternativas não passavam dos Batmans, Spider-mans e afins. Na própria programação da Cineteca, representante oficial do circuito alternativo, ainda figurava A Pele que Habito (Pedro Almodóvar, 2011). Nesse sentido, o slogan do SANFIC pareceu-me ser o mais honesto possível: SI NO LA VES EN SANFIC, NO LA VAS A VER. O mesmo espaço já anunciava a exibição da cópia zero bala de O Poderoso Chefão (Francis Ford Coppola, 1972), a mesma que rolou na Mostra de São Paulo de 2008.


Cómedia da Inocência (2000), Raoul Ruiz

Meu primeiro Raúl Ruiz – por ser um filme da fase francesa ele assina como Raoul Ruiz. Nada como estrear um autor com a mesma plateia do seu país de origem. Ruiz é respeitadíssimo no Chile. Começa como uma elaborada narrativa sobre a infância, com foco no personagem infantil e toques singelos de espiritismo, e aos poucos envereda para uma crônica perspicaz sobre a maternidade, em que brilha a atriz Isabelle Huppert. A primeira cena, um almoço no qual o garoto é repreendido em pleno aniversário com comentários desdenhosos sobre sua produção artística – vídeos caseiros -, estabelece toda a base narrativa para as revelações e desdobramentos que virão a seguir. Lembrou-me muito (de memória) a primeira cena de Ensaio de Um Crime (1955), de Luis Buñuel, na sua rara habilidade para criar as bases psicológicas e narrativas que irão sustentar todas as manifestações dos personagens (sobretudo do protagonista). A casa é um personagem à parte, um organismo vivo, sem o qual o filme não seria o mesmo. Sua utilização como espaço cênico é digna de registro, verdadeiro trabalho de gênio. O roteiro é repleto de pistas falsas e Ruiz é hábil ao nos puxar o tapete sempre que manifestamos nossas irrefutáveis certezas. Ironia fina em desuso.


No (2012), Pablo Larraín

No Violeta Foi para o Céu (Andrés Wood, 2011) representam as duas grandes vedetes do cinema chileno esse ano. No é bem melhor e tem evoluído quase diariamente na minha estima. Registra a clássica batalha política partidária que caracteriza qualquer processo eleitoral moderno – ao fazer uso das imagens para compor a identidade (questionável) dos candidatos. Quando o ditador militar Augusto Pinochet se vê pressionado pela comunidade internacional em 1998, depois de 15 anos à frente do poder, convoca um plebiscito para garantir sua permanência no cargo. Os líderes da oposição, por sua vez, convencem um atrevido e criativo agente publicitário, René Saavedra (Gael García Bernal), para encabeçar a campanha do No – contra a permanência. Com recursos limitados e sob o constante escrutínio dos vigilantes do déspota, Saavedra e sua equipe elaboram um plano audaz para ganhar a eleição e liberar o seu país da opressão. O tom acertadíssimo que Larraín emprega é o da comédia de humor negro – apesar da gravidade do assunto, a relativa distância temporal permite que os fatos sejam encenados numa abordagem mais leve, no que cabe a parte da comédia, de forma que o humor negro garante que não haja prejuízo algum para a análise crítica. O visual adotado o aproxima dos vídeos caseiros da década de 80, permitindo que imagens de arquivo (relativamente recentes) sejam perfeitamente incorporadas à narrativa. Nem vestígios do classicismo formal de um Tudo pelo Poder (George Clooney, 2011), por exemplo. Eu arriscaria dizer que se trata de um dos melhores e mais bem humorados registros de uma campanha eleitoral. Larraín nunca deixa a peteca cair de vez: quando alguém exalta a importância do processo eleitoral para a democracia, a voz da consciência sempre vem para nos lembrar do quão ridículo podem ser as campanhas. Supostamente, no período retratado, acreditava-se que rumávamos para uma modernização dos processos eleitorais. Mal sabíamos que a era dos valores frívolos estava apenas começando.


Mistérios de Lisboa (2010), Raúl Ruiz

Eu já lamentava profundamente o fato de haver perdido as exibições de Mistérios em Lisboa no CINESESC no início do ano. Já havia me conformado em assisti-lo numa versão meia boca baixada na internet por um amigo. Quando bati o olho na programação do SANFIC e vi que o filme seria projetado, sabia que outra oportunidade como esta não haveria de acontecer novamente. São quatro horas e meia de pura elegância, fluência narrativa e inúmeras reviravoltas. O mundo das aparências registrado no texto original de Camilo Castelo Branco nos idos de 1854, transposto para a tela grande do cinema em 2010. Pintura, teatro, literatura e música num mesmo pacote. Assombroso.


Meu Último Round (2011), Julio Jorquera Arriagada

Julio Jorquera foi assistente de direção de Andrés Wood em Machuca (2004) e Violeta Foi para o Céu (2011). Meu Último Round é a sua estreia atrás das câmeras. A produção é pequena, com poucas chances de cruzar as fronteiras nacionais, mas que se deixa ver facilmente. Integrou o Festival Mix Brasil da Diversidade Sexual de 2011. A rigor nada de novo: um relacionamento amoroso entre dois homens, certamente influenciado por O Segredo de Brokeback Mountain (Ang Lee, 2005), conduzido com leveza e dotado de alguns bons momentos. O filme se segura na entrega dos dois atores, especialmente na interpretação do boxer Octavio (Roberto Farias). 

3 comentários:

  1. Ruiz é muito interessante e difícil. Gosto muito de GENEALOGIA DE UM CRIME.


    O Falcão Maltês

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