Bud (Howard Sherman) |
Houve um período em meados dos
anos 80 e 90 em que era comum uma brincadeira – mais um teste na verdade,
desses que surgem vez ou outra alegando condensar toda a nossa psicologia
comportamental - em que se supunha que o mundo estava prestes a extinguir-se e,
sem que soubéssemos a razão, seríamos os responsáveis por eleger um pequeno
grupo de pessoas que, uma vez nomeadas, seriam imediatamente dadas como salvas.
O que estava em jogo na brincadeira era: em um ambiente repleto de
adversidades, em que cabe a alguns poucos indivíduos a responsabilidade de retomar
(ou melhor, perpetuar) a vida na Terra, que tipo de conhecimento tem mais valia?
Pois bem, George Romero sempre
flertou com esse tipo de situação em seus projetos, com variações formidáveis
de conteúdo, chegando ao ápice da sua exploração em O Dia dos Mortos (1985) – alguns dirão, numa briga saudável e
bastante interessante, que talvez seja O
Exército do Extermínio (1973). O Dia dos Mortos compõe junto com A Noite dos Mortos Vivos (1968) e O Despertar dos Mortos (1978) a famosa
trilogia dos zumbis, cujos roteiros
resumiam-se basicamente a criaturas (mortos vivos) aterrorizando um pequeno
grupo de pessoas com temperamentos e atitudes diversos. O foco da narrativa é
todo voltado para o grupo. Em todos os três exemplares, bem como nas
ramificações subsequentes (Terra dos
Mortos, Diários dos Mortos), a ameaça está mais presente nos vivos do que
nos mortos. A partir desse grupo, ou melhor, da interação dos seus integrantes,
Romero tece um comentário ácido sobre a sociedade americana das décadas de 60,
70 e 80, sob a ótica particular de cada período: o racismo, o movimento pelas
liberdades civis e o colapso do núcleo familiar dominam as relações em A Noite; a mentalidade capitalista, do
consumo irrefreável, perfeitamente representada na locação do Shopping Center é
o alvo de O Despertar; e o
militarismo demente, insano, como única alternativa para arrefecer os ânimos
das partes discordantes é a joia de Dia
dos Mortos.
Em Dia dos Mortos, Romero introduz um novo grau de complexidade às relações
pouco amistosas entre os zumbis e os vivos. Por meio de dois personagens, Dr.
Logan (Richard Liberty) e Bud (Howard Sherman), o diretor recria, com o humor
cáustico que lhe é característico, a figura de Frankenstein. Enquanto o
cientista realiza experimentos com os zumbis a fim de reverter a “maldição” que
os acomete, acaba se afeiçoando a uma das criaturas que responde aos seus
estímulos, Bud. O ceticismo dos militares, que preservam a integridade física
dos cientistas das investidas dos zumbis, gera a insegurança responsável pela adoção
da política da linha dura, em que fala mais alto quem tem mais munição. O
conhecimento é tratado como mercadoria de segunda e é sobrepujado pela força
física, ou melhor, pelo arsenal de armas à disposição. O desfecho dessa briga
de forças é irônico e antológico – muito bem ilustrado pela imagem que abre o post.
Não conheço esse clássico de Romero. Preciso vê-lo.
ResponderExcluirO Falcão Maltês
É fantástico Nahud, Romero é sempre uma surpresa agradável. Deveria ser mais valorizado.
ExcluirBelo texto para um belo dum filme. Romero é um mestre.
ResponderExcluirDentro da nova trilogia, reconheço que o mestre teve um bom argumento com Diário dos Mortos, mas a execução em si é bem falha.
E do cara eu só vi filmes de epidemia, acredita? Ainda não vi aquele do macaco assassino - Instinto Fatal o nome, não é?
Abs!!
Victor Ramos
Victor, obrigado pela visita. Eu também só conheço os filmes mais ligados a "epidemia" do Romero. Também não vi o Instinto Fatal.
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