sábado, setembro 22, 2012

Dia dos Mortos (George Romero, 1985)

Bud (Howard Sherman)


Houve um período em meados dos anos 80 e 90 em que era comum uma brincadeira – mais um teste na verdade, desses que surgem vez ou outra alegando condensar toda a nossa psicologia comportamental - em que se supunha que o mundo estava prestes a extinguir-se e, sem que soubéssemos a razão, seríamos os responsáveis por eleger um pequeno grupo de pessoas que, uma vez nomeadas, seriam imediatamente dadas como salvas. O que estava em jogo na brincadeira era: em um ambiente repleto de adversidades, em que cabe a alguns poucos indivíduos a responsabilidade de retomar (ou melhor, perpetuar) a vida na Terra, que tipo de conhecimento tem mais valia?

Pois bem, George Romero sempre flertou com esse tipo de situação em seus projetos, com variações formidáveis de conteúdo, chegando ao ápice da sua exploração em O Dia dos Mortos (1985) – alguns dirão, numa briga saudável e bastante interessante, que talvez seja O Exército do Extermínio (1973). O Dia dos Mortos compõe junto com A Noite dos Mortos Vivos (1968) e O Despertar dos Mortos (1978) a famosa trilogia dos zumbis, cujos roteiros resumiam-se basicamente a criaturas (mortos vivos) aterrorizando um pequeno grupo de pessoas com temperamentos e atitudes diversos. O foco da narrativa é todo voltado para o grupo. Em todos os três exemplares, bem como nas ramificações subsequentes (Terra dos Mortos, Diários dos Mortos), a ameaça está mais presente nos vivos do que nos mortos. A partir desse grupo, ou melhor, da interação dos seus integrantes, Romero tece um comentário ácido sobre a sociedade americana das décadas de 60, 70 e 80, sob a ótica particular de cada período: o racismo, o movimento pelas liberdades civis e o colapso do núcleo familiar dominam as relações em A Noite; a mentalidade capitalista, do consumo irrefreável, perfeitamente representada na locação do Shopping Center é o alvo de O Despertar; e o militarismo demente, insano, como única alternativa para arrefecer os ânimos das partes discordantes é a joia de Dia dos Mortos.

Em Dia dos Mortos, Romero introduz um novo grau de complexidade às relações pouco amistosas entre os zumbis e os vivos. Por meio de dois personagens, Dr. Logan (Richard Liberty) e Bud (Howard Sherman), o diretor recria, com o humor cáustico que lhe é característico, a figura de Frankenstein. Enquanto o cientista realiza experimentos com os zumbis a fim de reverter a “maldição” que os acomete, acaba se afeiçoando a uma das criaturas que responde aos seus estímulos, Bud. O ceticismo dos militares, que preservam a integridade física dos cientistas das investidas dos zumbis, gera a insegurança responsável pela adoção da política da linha dura, em que fala mais alto quem tem mais munição. O conhecimento é tratado como mercadoria de segunda e é sobrepujado pela força física, ou melhor, pelo arsenal de armas à disposição. O desfecho dessa briga de forças é irônico e antológico – muito bem ilustrado pela imagem que abre o post.

4 comentários:

  1. Não conheço esse clássico de Romero. Preciso vê-lo.

    O Falcão Maltês

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    1. É fantástico Nahud, Romero é sempre uma surpresa agradável. Deveria ser mais valorizado.

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  2. Belo texto para um belo dum filme. Romero é um mestre.

    Dentro da nova trilogia, reconheço que o mestre teve um bom argumento com Diário dos Mortos, mas a execução em si é bem falha.

    E do cara eu só vi filmes de epidemia, acredita? Ainda não vi aquele do macaco assassino - Instinto Fatal o nome, não é?

    Abs!!

    Victor Ramos

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    1. Victor, obrigado pela visita. Eu também só conheço os filmes mais ligados a "epidemia" do Romero. Também não vi o Instinto Fatal.

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