terça-feira, março 26, 2013

Não Toque na Mulher Branca (Marco Ferreri, 1974)







Nos anos 60 e 70, um projeto que aproximasse um diretor italiano do western norte-americano resultaria indubitavelmente num western spaghetti. Não fosse Marco Ferreri um iconoclasta e subversivo, Não Toque na Mulher Branca teria engrossado as estatísticas dessas produções.

O senso de oportunidade e ousadia do diretor para aproveitar a locação do Trou des Halles, um imenso buraco aberto no coração da Paris dos anos 70 após a demolição do mercado central da cidade, e recriar a batalha de Little Bighorn num pastiche de western anacrônico – a história norte-americana do século XIX (e XX) encenada na capital francesa do século XX - foi extraordinário. As guerras que dizimaram os índios sob o pretexto de que o progresso e a civilização avançavam, ganham uma nova roupagem ao serem transpostas para os conturbados anos em que Richard Nixon esteve à frente da presidência dos EUA: as peças que compõem o tabuleiro do jogo apenas trocam de nomes enquanto os objetivos traçados pelos vitoriosos para triunfar permanecem os mesmos.

A fim de justificar à opinião pública a política beligerante empregada para o extermínio dos desfavorecidos e subjugados, os patrocinadores da campanha de guerra, a elite capitalista, ancorados na figura do General Terry  (Philippe Noiret, parodiando Richard McNamara), convocam os lendários General Custer (Marcello Mastroianni) e Buffalo Bill (Michel Piccoli), venerados pelos norte-americanos, para lutar na frente de batalha que se avizinha. Nesse esforço de guerra, os mitos do western norte-americano operam como convenientes atenuantes às intenções subjacentes.

Essas figuras ancestrais circulando em trajes de época no Trou de Halles decadente da década de 70 criam um efeito surrealista que, curiosamente, potencializam a crítica política imaginada por Ferreri. Os índios, também devidamente caracterizados, resistem como podem aos avanços dos brancos, auto intitulados civilizados. O único que parece em harmonia com o tempo vigente é o antropólogo, confortável em seus jeans e moletons, mais para hippie que acadêmico. Aquele a quem caberia um estudo apurado do homem, como ser biológico, social e cultural, na rédea crítica de Ferreri, contenta-se apenas em assegurar o registro fotográfico dos mitos socialistas da década de 60 no exato momento em que sucumbiam às forças capitalistas que o oprimiam. Ironicamente, o poder sedutor dos generais da cavalaria americana distancia o antropólogo dos líderes indígenas Touro Sentado, Cavalo Louco, Galha e Duas Luas, verdadeiros resistentes a ideia de progresso e civilização encampada pelas autoridades.

Imersos no caldeirão de ideologias alternativas que circulavam em meados dos anos 60, os índios de outrora representam as minorias que lutavam contra a ameaça de endurecimento dos governos nessa ocasião conflituosa, fossem eles negros, homossexuais, colonizados ou comunistas/socialistas. Enfim, todos aqueles que se mostravam insatisfeitos com o status quo.

O elenco inteiro parece bem à vontade com a proposta de Ferreri, a ponto de se divertir à beça com o deboche dos mitos civilizatórios. As imagens são magníficas e a força da proposta fica bem ancorada no contraste do imenso canteiro de obras do Trou des Halles com a arquitetura característica da Cidade Luz. A ideia de decadência encontra um sítio perfeito na locação. O índio dissidente de Ugo Tognazzi, Mitch, pode ter sido uma das referências para a composição do negro Stephen, de Samuel L. Jackson, no western de Quentin Tarantino, Django Livre (2012). A vulnerabilidade emocional dos americanos após os ataques de 11 de setembro de 2001 não permitiria que uma farsa dessas fosse encenada no Ground Zero, mas o estranhamento visual provocado pela proposta seria até mais intenso que o proporcionado por Não Toque na Mulher Branca, devido à farta presença dos arranha-céus.

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