quarta-feira, agosto 15, 2012

A Embriaguez do Sucesso (Alexander Mackendrick, 1957)



Steve Dallas: The next time you want information, don’t scratch for it like a dog, ask for it like a man!

Quando o assessor/relações-públicas Sidney Falco (Tony Curtis) recebe a réplica acima logo no início de A Embriaguez do Sucesso, o espectador é formalmente apresentado ao universo de ironia, cinismo e sarcasmo que se fará presente pelos próximos 90 minutos de projeção. Não tarda muito para que o contrapeso dessa figura - o colunista manipulador J.J. Hunsecker (Burt Lancaster) - nos exponha seus métodos inescrupulosos de influência estabelecendo uma dinâmica ímpar de dominação/subserviência entre ambos. O enredo do filme, derivado do noir, serve apenas de pretexto para que essa relação atípica de amor e ódio e de mútua dependência se desenrole diante dos nossos olhos.

Sidney Falco: A press agent eats a columnist’s dirt and is expected to call it manna.

Na ocasião em que eu postei um texto sobre o Anjo do Mal (1953), de Samuel Fuller, eu já me revelara surpreso com a quantidade de quotes relevantes e/ou memoráveis que o filme eternizou na lembrança dos cinéfilos. No caso de A Embriaguez do Sucesso a lista de quotes relacionados no site do IMDB (International Movie Data Base), www.imdb.com, é três vezes maior do que a de Anjo do Mal. Pudera: os diálogos escritos pela dupla Clifford Odets e Ernest Lehman, baseados numa peça deste último, são como navalhas afiadas de tão cortantes. Embora elas sejam repulsivas e condenáveis em boa parte das vezes, é inegável o poder de sedução que elas exercem sobre nós. Toda cena tem ao menos uma linha célebre pronunciada por um dos dois personagens, quando não um diálogo inteiro.

J.J. Hunsecker: What’s this boy got that Susie likes?
Sidney Falco: Integrity – acute, like indigestion.
J.J. Hunsecker: What does that mean – integrity?
Sidney Falco: A pocket fulla firecrackers – looking for a match!
Sidney Falco: It’s a new wrinkle, to tell the truth... I never thought I’d make a killing on some guy’s “integrity”.

A resenha quinzenal de Roger Ebert - Great Movies, 21/10/97 - informa que à época do lançamento do filme nos EUA a figura de J.J. Hensecker foi comparada a do famoso colunista social (gossip columnist) Walter Winchell – coincidência ou não, ele também usava sua coluna para atacar o homem que queria se casar com a sua filha, Walda. O diretor Martin Scorsese, no fundamental A Personal Journey with Martin Scorsese Through American Movies (1995), o compara ao terrível senador McCarthy, cujo poder era todo sustentado por uma rede de informantes e bajuladores. Suas táticas de intimidação faziam dele uma instituição nacional, mas seu mundo impiedoso tremeluzia numa penumbra moral. “Hoje este rapaz limpou os pés em cima de 60 milhões de homens e mulheres do maior país do mundo; não foi a mim que ele criticou, mas a meus leitores”. O peso dessa declaração dramática de Hensecker dá a dimensão da sua influência sobre a opinião pública norte-americana.

Um crédito generoso pela fama do filme deve ser concedido ao fotógrafo James Wong Howe e ao músico Elmer Bernstein, cujas execuções do progressive jazz em tom dramático crescente ficaram a cargo do quinteto de Chico Hamilton. Os contrastes de luz captados especialmente nas tomadas noturnas contribuem sobremaneira para o retrato glamouroso e sombrio que se faz da Nova Iorque dos anos 1950. A cidade pulsa sob a luz dos holofotes e faróis, mas é das sombras que emergem os "heróis" dessa sórdida estória – a verdadeira escória. “I love this dirty town”, pronuncia Hensecker ao caminhar pelas ruas da Big Apple.

Sidney Falco: If I’m gonna go out on a limb for you, you gotta know what’s involved!
J.J. Hunsecker: My right hand hasn’t seen my left hand in thirty years.

segunda-feira, agosto 06, 2012

Além da Estrada e O Céu Sobre os Ombros


Quando eu fiz a minha lista dos melhores nacionais do ano passado comentei que faltava ver alguns títulos (muito bem recomendados) que haviam sido selecionados por outros blogueiros e/ou jornalistas, dentre os quais estavam Além da Estrada (Charly Braun, 2010) e O Céu Sobre os Ombros (Sérgio Borges, 2011). Pelo esforço dos adoráveis e encantadores gêmeos André e Marcos de Castro, esses e alguns outros filmes chegaram a Ribeirão Preto para uma curta Mostra no recém-reformado Cinemark da cidade. Pra evitar as inconvenientes intervenções técnicas que as projeções do Cine Cult costumam nos sujeitar, os dois irmãos se prontificaram a permanecer durante toda a jornada dentro da sala. Ótima iniciativa que demonstra um respeito inusual pelo público. Felizmente a plateia estava cheia, o que é bastante animador, dada a ousadia da programação (ao menos para o interior paulista): O Homem que Não Dormia (Edgar Navarro, 2011), As Praias de Agnès (Agnès Varda, 2008), Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios (Beto Brant e Renato Ciasca, 2011), etc.


Além da Estrada

Talvez o filme seja o antídoto mais apropriado para aqueles que não gostaram de Na Estrada (Walter Salles, 2012). Um pequeno belo road movie uruguaio-brasileiro, com um toque bastante pessoal (ao menos parece tratar-se de uma viagem provada pelo próprio diretor), sem o peso inerente da adaptação literária. Os personagens de ontem e os de hoje fogem essencialmente da mesma coisa – a vida burguesa -, contudo, adotam caminhos diferentes para lidar com essa “crise existencial”. A viagem em Além da Estrada não tem nada de lisérgica – a rigor tem, mas é tão tímida que pode ser desconsiderada. A essência do filme parece estar contida na resposta dada pelo violonista centenário ao ser questionado pelo protagonista (alter ego do diretor) a respeito da sua extraordinária memória: “tenho a memória conectada aos sentimentos, e tudo que se faz com sentimento jamais se esquece”.


O Céu Sobre os Ombros

Nas palavras certeiras do Fábio Andrade (Revista Cinética), “Pois o que é surpreendente no filme de Sérgio Borges é a maneira como a instalação no real é constantemente surpreendida por personagens que se desdobram incessantemente em cena (e, não à toa, são pessoas que mudaram seus próprios nomes), levando a encenação para lugares que antes não pareciam possíveis, entortando nossa percepção sempre que achamos que já os conhecemos. É isso que há de comum aos três protagonistas do filme: sua capacidade não exatamente de reinvenção para a câmera, mas de revelar a incapacidade do cinema de captá-los em toda sua multiplicidade, de tipificá-los para um roteiro. A busca no real se justifica justamente nessa extrapolação da vida em relação ao cinema: um travesti se revela um estudioso sobre sua própria prostituição; um monge Hare Krishna que é skatista, pichador de muro e devoto do Atlético Mineiro; uma figura pictórica de um homem que anda pela casa vestindo apenas um par de meias cor-de-rosa se revela um escritor e pai de família; etc”.

Certamente ambos estariam na minha lista do ano passado caso eu os tivesse visto antes.