sábado, julho 28, 2018

Mulheres Diabólicas (Claude Chabrol, 1995)


Não deve fazer dois anos que eu confessei meu desentendimento com a obra de Chabrol, sobretudo a fase da parceria com Isabelle Huppert. Na ocasião estava maravilhado com Uma Garota dividida em Dois (2007). Novamente faço uma mea culpa tardia, certo de que me precipitei no julgamento. Dessa vez, não só gostei muito do filme que intitula essa postagem, como acredito que o mesmo funcione por causa de presença enigmática de Huppert.

Mulheres Diabólicas (1995), que não é uma tradução muito feliz para La Ceremonie, é muito foda. Chabrol conduz a produção com a fina ironia que lhe é característica, construindo a personagem de Sandrine Bonnaire, uma empregada doméstica de luxo, cercada por um véu opaco de mistério, legando ao espectador a desconfiança das suas verdadeiras motivações.

Isabelle Huppert representa a caipira francesa frustrada, insatisfeita com a condição social que lhe foi reservada, mas dotada de uma energia extenuante, canalizada ao esfacelamento dos patrões burgueses de Bonnaire. Sua função é fazer a energia deles drenar até secar. Mesmo desempenhando um papel não condizente com a sua elegância, Huppert sobra na pele da funcionária dos correios. Filipe Furtado já havia feito a comparação de Elle (2015, Paul Verhoeven) com as produções de Chabrol, e esse filme é a constatação mais precisa dessa aproximação.

A química entre as duas personagens gera combustão na tela. A colisão entre os dois extratos sociais é inevitável, mas o filme nunca assume o papel panfletário que poderia resultar dessa combinação explosiva. É uma comédia de costumes de humor negro, refinada pela classe dos nomes envolvidos (Jean-Pierre Cassel, Jacqueline Bisset e Virgine Ledoyen). Minha próxima investida será Um Assunto de Mulheres (1988), também da parceria Chabrol-Huppert.

segunda-feira, julho 02, 2018

Dois Homens em Manhattan (Jean-Pierre Melville, 1959)



Melville (1917-1973) was born Grumberg. He changed his name in admiration for the author of Moby Dick. He was a lover of all things American. He went endlessly to American movies, he visited America, he shot a film in New York ("Two Men in Manhattan"), and Cauchy remembers, "He drove an American car and wore an American hat and Ray-Bans, and he always had the Armed Forces Network on his car radio, listening to Glenn Miller." He inhaled American gangster films, but when he made his own, they were not copies of Hollywood but were infused by understatement, a sense of cool; his characters need few words because so much goes without saying, especially when it comes to what must be done, and how it must be done, and why it must be done that way.
Roger Ebert

Dois homens em Manhatttan é o terceiro Melville que vejo. Bob le flambeur (1956), que antecede Dois Homens, apresentou Melville para o mundo e estabeleceu o estilo cool do diretor. Ainda não vi Bob le flambeur, bem como O Segredo das Jóias (John Huston, 1950) e Rififi (Jules Dassin, 1955). Os três estabeleceram o padrão sobre os quais os filmes de assalto viriam a ser comparados.

É nítido em Dois Homens o quanto Melville, que reservou para si um dos principais papéis no filme, estava regozijando com a condição de filmar nos EUA. O diretor-ator não consegue conter o sorriso em cena ao abraçar a possibilidade de filmar no país que estabeleceu o seu imaginário cinematográfico. O trecho de abertura da postagem, da célebre série Great Movies de Roger Ebert para Bob le flambeur, descreve a paixão que Melville reservava pelas produções B norte americanas. 

O papel do diretor é o de um jornalista que recebe do seu chefe, na abertura do filme, a missão de investigar a razão do sumiço do representante francês da reunião na ONU. Para isso, ele conta com a ajuda de um fotógrafo boêmio conhecedor dos diversos casos amorosos que o embaixador cultivava no cenário artístico Nova-Iorquino, cujos encontros são entremeados por tomadas noturnas da cidade repletas de luzes em neon.

Num ritmo lento e bem low profile o diretor vai costurando os tipos que habitam esse universo, com uma evidente afinidade por eles, fazendo avançar a metragem até o encontro que justifica a proposta do filme. O diálogo travado nessa ocasião demonstra a grandeza do cinema de Melville, cujos personagens debatem sobre a moral de conduta, pautados pelo legado da segunda grande guerra. Sem que o resultado aponte para um lado vitorioso, é o espectador quem ganha com a circunstância. Tendo o próprio Melville participado da Resistência Francesa, ele investe na preservação da imagem daqueles que lutaram por esta causa, sacrificando a verdade para sustentar a versão oficial. A manobra reforça a “grandeza” do ato heróico, colocando em xeque os meios para a sua obtenção.