quinta-feira, fevereiro 28, 2013

Cien Niños Esperando Un Tren (Ignacio Agüero, 1988)




Das últimas vezes que viajei ao exterior, seja em viagem profissional ou a turismo, sempre procurei trazer alguns filmes rodados no país visitado. Da viagem no ano passado ao Chile trouxe uma caixa de Alejandro Jodorowsky, as duas produções de Aldo Francia e um documentário que eu desconhecia, integrando a Colección Cine Chileno de Autor, chamado Cien Ninõs Esperando Un Tren. Conforme informa o encarte da edição, “Este documental es considerado, tanto por la crítica como por el público general, una pieza fundamental de la historia del documental en Chile”. Nem esbocei hesitação, comprei na hora.

O texto abaixo foi extraído do site www.analizame.cl, un blog de cine y crítica de cine. Ele foi escrito em 28 de maio de 2006 por Gonzalo Maza. A abordagem crítica do filme lembrou-me bastante o texto do Inácio Araújo para o encarte da Coleção Cinema Marginal Brasileiro, fruto da parceria da Heco Produções com a Lume Filmes. Tanto o filme chileno como os nacionais são analisados sob a ótica da repressão do período ditatorial que acometeu os dois países, obrigando seus artistas a se calarem contra os excessos praticados por ambos os regimes. Aqueles que permaneceram, ou tentaram permanecer em pleno exercício de suas atividades, encontraram resistência contínua ou foram literalmente banidos de suas funções. Esses últimos, forçados a se exilarem, assumiram essa postura como forma de preservar a sua integridade física e artística. Enfim, na época em que esses filmes foram rodados, empunhar a câmera representava um verdadeiro ato de resistência.

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Por Gonzalo Maza

Hubo una época en que los cineastas estaban perdidos. Una época larga: 17 años, más o menos. No tanto los exiliados, que fueron los que más películas hicieron, sino que los que se quedaron. Que sobrevivían de la publicidad, o en trabajos esporádicos como fotógrafos, o creativos, o lo que fuera. Ignacio Agüero se dedicó a filmar esa época. Agüero es nuestro cineasta que, junto con Ruiz, más ha reflexionado sobre los recursos de la imagen en sus películas. Si bien Agüero es un semblante muy chileno y campechano (no por nada estuvo nominado a mejor actor por su monólogo en “Días de campo”), y a ratos, en sus películas aparece interrogando con la seriedad de un hábil detective de investigaciones, su carrera está marcada, vista a la distancia, por una mirada que estremece. Agüero no es un documentalista de lo urgente; más bien, le importa lo imperecedero, lo pragmático, lo sensato. Aquello capaz de sobrevivir los años, que se mantenga en el tiempo. Sus películas parecen hechas por un archivista del futuro, que se da los gustos de, en épocas tan cargadas de urgencia, poner la cámara con calma sobre los más mínimos gestos de humanidad que se pueden ver en Chile.

De mitad de los ochentas es Cien niños esperando un tren (1986) que dan hoy en TVN. Sin exagerar, una de las películas claves de la historia del cine chileno. Un documental que se pone de pie en su propia dignidad (filmar en 35mm a un grupo de niños de un colegio de población, y a su encantadora y severa profesora, Alicia Vega), y que es una reflexión en múltiples sentidos: sobre los horrores del país, sobre los cineastas de la época (Agüero parece ponerse a sí mismo en la misma situación de esos niños que debe aprender a hacer cine, desde cero), y sobre cómo la conexión entre vida y cine expande sus dimensiones en el documental, que puede ser tan sutil como feroz en un mismo plano.

Para quienes vean la película, podemos hacer el siguiente update: Alicia Vega siguió haciendo sus talleres de cine para niños hasta el año pasado. Más de cinco mil niños pasaron por sus salas, en las comunas de Renca, La Cisterna, Peñalolén, Conchalí, San Miguel, Recoleta, Pudahuel, El Bosque, La Reina, La Pintana, Macul, Estación Central, y fuera de Santiago, en Pataguas Cerro (VI Región), Rinconada de Los Andes (V Región), y Puerto Octay, Queilén, Castro y Ancud (X Región). El suyo ha sido un trabajo extremadamente laborioso y serio, un acto de amor silencioso de más de dos décadas de dedicación. Según informan hoy en EMOL, su taller está detenido por falta de recursos. Es poderosamente simbólico que hoy, cuando las calles se llenan de estudiantes pidiendo mejor educación, la señora Vega esté sin financiamiento, ni público ni privado.

Por su lado, Agüero aparece hoy en La Nación Domingo hablando de su proyecto documental que tiene preparado para el día que muera Pinochet.

segunda-feira, fevereiro 25, 2013

Curvas da Vida (Robert Lorenz, 2012)




Uma sessão de Curvas da Vida seguida ou precedida de O Homem que Mudou o Jogo (Bennett Miller, 2011) daria uma interessante dobradinha. Enquanto o primeiro reprova a interferência da estatística para estabelecer o perfil de um jogador de beisebol, o segundo se presta a narrar o processo em que a sua adoção, ao que parece, alterou definitivamente os parâmetros de análise do jogo. Ao contrário do que se prega, não considero nem um pouco necessário para acompanhar os filmes um conhecimento prévio das regras que regem esse esporte, embora eu concorde que esse argumento justifique o suposto desinteresse do público brasileiro por eles. Como todo filme de esporte, o que interessa de fato é o que se encontra fora do campo, não o que se passa dentro dele. O que está verdadeiramente em jogo é a relação interpessoal daqueles que promovem o espetáculo, seja ele cinematográfico, como o boxe, ou não, como os demais esportes.

Mesmo com todos os defeitos possíveis, tendo a preferir o calor humano de Curvas da Vida à frieza contida de O Homem que Mudou o Jogo, apesar da intensa badalação a este último na temporada de premiação do ano passado. O charme de Curvas da Vida é irresistível, tanto pela forte influência física (como ator) e temática de Clint Eastwood na produção, como pela iluminada interpretação de Amy Adams, cuja graça espontânea enobrece seu personagem. Eu sempre desconfiei dessa característica em suas interpretações, a ponto de considerá-la forçada em boa parte das vezes. Depois das duas produções que contam com a sua presença no ano passado, Curvas e O Mestre (Paul Thomas Anderson), finalmente me rendi ao seu encanto. Não é exagero afirmar que o filme vale por causa dela.

O diretor Robert Lorenz tem sido desqualificado justamente por estar à sombra de Clint Eastwood. O crítico da Folha, Inácio Araújo, em breve comentário de Curva em seu blog diz, “parece que estamos assistindo a um novo Buddy Van Horn. Quer dizer, de alguém que vai dar em nada”. Estou mais para o Sérgio Alpendre, ao afirmar que “a direção de Lorenz é segura, coisa de artesão da Hollywood dos anos 1950, o que não quer dizer que seja medíocre”. Lorenz produziu os últimos 10 filmes de Eastwood, além de servi-lo como second assistant director em 8 dessas produções. Parece ser sócio de Eastwood na produtora Malpaso. Depois de uma longa carreira premiada, nada como um generoso reconhecimento por uma frutífera parceria. Lembra-me a ultrapassagem consentida de Gerard Berger em Airton Senna na última curva do Grande Prêmio do Japão de 1991. Com o campeonato assegurado, a pedido do chefe da equipe Ron Dennis, Senna cedeu a vitória no GP em questão ao seu parceiro de corrida depois de três temporadas juntos. Um gesto à altura dos melhores personagens das produções da dupla.

segunda-feira, fevereiro 18, 2013

Argo (Ben Affleck, 2012)



Não fosse Argo um dos principais concorrentes da temporada de premiações, dificilmente eu teria tido a chance de vê-lo na tela grande. Quando o filme estreou no circuito comercial nacional no início de novembro, em meio aos Crepúsculos e 007s, nenhuma exibidora de Ribeirão se arriscou a trazê-lo pra cá. Mesmo numa rara ida a São Paulo em meados de dezembro, com o filme ainda em cartaz, acabei optando por produções que talvez nem tivessem assegurados seus lançamentos em DVD, Holy Motors (Leos Carax, 2012) e Um Alguém Apaixonado (Abbas Kiarostami, 2012). Por sorte, na semana que o filme foi premiado pelo Globo de Ouro, seguido da indicação ao Oscar, o filme debutou em uma sala do Cinépolis de Ribeirão com duas sessões noturnas apenas. O prestígio da temporada de premiações garantiu a sua exibição por essas bandas.

O que distingue esse thriller das produções setentistas com as quais ele tem sido comparado é a espirituosa contribuição de Hollywood à trama, cujo emprego costuma vir associado a um caráter bem mais pejorativo que construtivo. O charmoso distrito da cidade de Los Angeles já serviu de mote a inúmeras produções, com destaque normalmente voltado para o aspecto sórdido das negociatas que sustentam suas atividades. Em Argo, essa particular circunstância recheia os diálogos do produtor Lester Siegel (Alan Arkin) e o maquiador oscarizado John Chambers (John Goodman) de pérolas, bem fiel ao espírito cínico que lhe fez a fama, embora, aqui, o seu emprego esteja mais voltado para valorizar a astúcia da empreitada do que propriamente ridicularizá-la: seis funcionários da diplomacia norte-americana refugiados na embaixada canadense do Irã de Khomeini, em 1979, só serão resgatados pela CIA por meio de um plano inusitado, elaborado com a ajuda da indústria cinematográfica de Hollywood, ao torná-los parte integrante da equipe de filmagens de uma produção científica fake que busca locações no deserto iraniano.

Joe Stafford: You really believe your little story´s gonna make a difference when there´s a gun to our heads?

Tony Mendez: I think my story´s the only thing between you and a gun to your head.

É uma pena que o roteiro de Chris Terrio não saiba muito bem o que fazer com os personagens de Alan Arkin e Jonh Goodman depois que o funcionário da CIA, Tony Mendez (Ben Affleck), é enviado a Teerã para colocar em prática o plano de retirada. A partir daí, as cenas reservadas a esses personagens são por vezes constrangedoras, ainda que bastante divertidas. Por mais forçado que resulte a tensão na sequência do aeroporto, a ponto de quase colocar toda a consistência do drama a perder, ela ainda é capaz de sustentar o interesse pela escapada dos refugiados. Mesmo enfraquecida pela opção narrativa do thriller, que alonga propositalmente o tempo para construir um suspense pouco consistente, é nela que se encontra a melhor cena do longa: quando um dos refugiados, Joe Stafford (Scoot McNairy), interpretando o papel de diretor da produção fake, tem de explicar a um grupo armado do governo iraniano do que se trata o filme, ele se vale dos storyboards elaborados pela equipe de produção de Siegel e Chambers para convencer esses burocratas da veracidade da missão a que eles se prestavam. Uma verdadeira homenagem ao encanto proporcionado pelo Cinema, semelhante à cena que Martin Scorsese fez em A Invenção de Hugo Cabret (2011), quando expõe ao público os storyboards de George Méliès esquecidos em um imenso baú. Enquanto o YouTube não disponibiliza a sequência de Argo, fiquemos com a de Hugo Cabret.



Partindo do principio de que o filme “documenta” uma situação verídica em que Hollywood contribuiu de fato para solucionar uma delicada questão diplomática, faz todo o sentido que Argo seja o grande premiado na noite do Oscar do próximo final de semana.

sábado, fevereiro 09, 2013

O Mestre (Paul Thomas Anderson, 2012)



Meu entusiasmo pela trajetória de Paul Thomas Anderson se esvaiu justamente no filme pelo qual ele parece hoje ser mais lembrado, Sangue Negro (2007). O que mais me chama a atenção nessa produção não é a elogiadíssima interpretação de Daniel Day-Lewis, mas sim a contribuição do production designer Jack Fisk, fiel colaborador de Terrence Malick e de David Lynch em dois dos seus momentos mais inspirados, Uma História Real (1999) e Cidade dos Sonhos (2001). As belíssimas panorâmicas do diretor de fotografia Robert Elswit valorizam o trabalho de Fisk, sem a qual o filme não receberia o adjetivo épico.

A mão de Fisk encontra-se presente na magnífica locação escolhida para sediar a trama e na perfeita recriação de um incipiente latifúndio de extração petrolífera, rodeado por um pequeno povoado de subsistência. As melhores sequências, não dialogadas, contam com o seu farto talento em cena, ao mesmo tempo em que nos poupam da interpretação histriônica de Day-Lewis – as vozes discordantes aqui são muito ativas, já que tem gente que vê na sua interpretação um dos pilares de sustentação do filme (eu compro a briga!). Por mais que se diga que o personagem de Day­-Lewis prima pelo exagero (o que não é uma inverdade, dada sua natureza predatória e gananciosa), não raro sua interpretação engole o entorno a ponto de devorá-lo – sobretudo quando ele se manifesta verbalmente. É verdade que o desfecho catártico roteirizado por Anderson reforça, e muito, esse aspecto da encenação.

Pois bem, em O Mestre, Paul Thomas Anderson encontrou um equilíbrio bem mais consistente (funcional, ao menos) entre o trabalho de Fisk e a interpretação dos atores. Parece que ambos trabalham em harmonia, buscando uma relação quase simbiótica: a ocupação do espaço cênico por parte dos atores é primorosa, valorizando o enquadramento adotado; ou, o enquadramento adotado é primoroso, valorizando o desempenho dos atores. O trabalho de composição dos personagens em O Mestre (o que envolve, inclusive, a parte do roteiro) ancorou-se principalmente na exploração do corpo dos atores, decisão que se provou certeira graças ao talento excepcional de seus intérpretes. Joaquim Phoenix é quem se sobressai como protagonista, contudo, Philip Seymour Hoffman e Amy Adams, mesmo dispondo de menos tempo em cena, estão à altura de seu contracenante. Embora os diálogos sejam importantes para acompanhar a evolução da relação de aproximação, repulsa, admiração e/ou exploração estabelecida entre eles, é na linguagem corporal que se encontra o enigma indecifrável dessa improvável “ligação humana”.

Passado pouco tempo da sessão, resta apenas uma remota lembrança da tão propalada Cientologia, culto religioso fundado por L. Ron Hubbard em 1954 que serviu de base para a composição de Lancaster Lodd (Philip Seymour Hoffman) e sua obra A Causa. Seria injusto estabelecer qualquer julgamento a partir do retrato nebuloso do pregador sugerido pelo roteiro de Anderson. Tem que cavar muito, mas muito mesmo, pra extrair alguma coisa de aproveitável dali. Em suma, importa menos o que eles falam, e mais o que eles fazem e como fazem. A dinâmica da relação estabelecida entre os personagens de Phoenix e Hoffman sustenta o interesse pelo filme, mesmo que ao seu término surjam mais perguntas que respostas para ancorar a nossa percepção.

O prólogo, voltado à introdução de Freddie Quell (Joaquim Phoenix), contém cenas inspiradíssimas que estabelecem a sua condição no mundo. Egresso das forças armadas norte americanas na II Guerra Mundial, ele quica em tudo que se põe em seu caminho, errático, sem rumo, chegando a provocar, imprudentemente, a morte de um agricultor idoso. Quando seu caminho cruza com o de Lancaster Lodd, sua salvação estará assegurada. Mas nada, absolutamente nada, seguirá a fórmula do convencionalismo. Quem se dispuser a embarcar nessa jornada, será contemplado com duas horas e meia de ótimo cinema.