sábado, junho 29, 2019

Batman Returns (Tim Burton, 1992)





Selina Kyle (Michelle Pfeiffer): Honey, I´m home!!!... Oh, I forgot I´m not married!


Embora eu me divirta com os filmes de super-heróis que estreiam às pencas nos cinemas, nunca fui um verdadeiro entusiasta do “gênero cinematográfico”, nem tampouco um leitor voraz dos gibis que o originaram. Minha via de acesso ao universo dos super-heróis foi por meio do cinema, filtrado pelos desenhos animados que se intercalavam na programação matinal da TV aberta nas décadas de 80 e 90. Sendo assim, meu conhecimento a respeito do assunto é parco, nem um pouco aprofundado, o que caracteriza o meu viés de análise preponderantemente pela ótica cinematográfica – em detrimento do repertório original construído em torno das publicações das revistas em quadrinhos.

Ainda que eu já flertasse com a ideia de escrever um post dedicado a esse “gênero”, confesso que as produções contemporâneas não me instigavam suficientemente a ponto de me entusiasmar a fazê-lo. Foi a pequena matéria de Brian Tallerico para o site de Roger Ebert, cobrindo o lançamento da primeira leva dos filmes do Batman em 4K (Batman, Batman Returns, Batman Forever e Batman & Robin), que serviu de desculpa para eu explorar as minhas preferências relacionadas a esse universo. Mesmo com todo o aparato tecnológico a serviço dos estúdios hoje em dia, foram as produções anteriores ao boom do “gênero”, cujo divisor de águas é X-Men: O filme (Bryan Singer, 2000), que moldaram a minha percepção do “filme de super-heróis”.

Se tivesse que levar alguns filmes dessa leva para uma ilha deserta seriam Superman (Richard Donner, 1978), Darkman: Vingança sem Rosto (Sam Raimi, 1990), Batman Returns (Tim Burton, 1992) e o tardio Homem-Aranha 2 (Sam Raimi, 2004). Mas o filme que encabeçaria essa lista seria Batman Returns. Por mais que as cenas de ação sejam indissociáveis desse universo (talvez seja o que realmente resta de notável nas produções contemporâneas), é curioso como a minha memória afetiva se nutre, sobretudo, da construção dos personagens nessas produções. A economia narrativa e de recursos com que a personagem de Michelle Pfeiffer (Selina Kyle) passa de secretária executiva do alto escalão político a Mulher Gato é absolutamente genial: um apartamento com production design impecável (o cuidado com o espaço: as cores, a luz, o detalhe dos objetos que compõem o quadro), a atriz perfeita para interpretá-la (a lucidez estrambelhada do antes em contraste com a determinação insana do depois, turbinada pela sensualidade imbatível da atriz e seu figurino) e a edição e direção que constróem em timing perfeito a transformação puramente imagética da famosa figura felina. Meow!!!

O parágrafo destinado a Batman Returns no texto de Brian Tellerico é relativamente curto, mas resume com precisão a contribuição deste exemplar para o panteão de obras que exploram o universo (cinematográfico) dos quadrinhos.

Por Brian Tellerico

Speaking of bonkers, it is still hard to believe that “Batman Returns” got made. Controversial at the time and relatively unsuccessful, it is now viewed by many as the best of this era of Batman films and one of Burton’s best. But from the very beginning, Burton’s vision feels more daring and confident than in the first film, and he gets more than he could have dreamed of getting out of Michelle Pfeiffer as Catwoman and Danny DeVito as The Penguin. Watching it now reminds one how few auteur-driven films we get in the modern superhero era. This is undeniably a Tim Burton movie, full of his influences and vision in every frame. With the occasional exception (“Black Panther,” “Wonder Woman”), superhero movies today feel like the product of a committee more than an artist. What scared people about “Batman Returns” in 1992 is what makes it so revelatory today. It’s one of the best and strangest movies of its kind ever made.

domingo, junho 09, 2019

The Heartbreak Kid (Elaine May, 1972)




Optei pelo nome original já que dependendo da fonte escolhida a tradução pode variar bastante, Corações em Alta, O Rapaz que Partia Corações, etc.

Na postagem de A Guerra do Vietnã comentei do legado proporcionado pelo evento na esfera cinematográfica que, antes de assistir ao documentário, muitas vezes me pareciam desconexos, frouxos, ou difíceis de serem sustentados. Esse filme é um exemplo prático da transformação empreendida: ganhou uma complexidade extra a partir do melhor entendimento do contexto em que fora produzido. A aproximação que o texto de Adrian Martin faz com A Primeira Noite de um Homem (Mike Nichols, 1967) é muito apropriada.

Por Adrian Martin

Elaine May é a diretora mais subestimada do cinema americano. The heartbreak kid é o mais próximo que já chegou do sucesso de grande público, mas ela se mantém verdadeira quanto à sua visão corrosiva e inflexível. Embora permaneça essencialmente fiel ao roteiro de Neil Simon (com ecos do filme de 1967, A primeira noite de um homem), Elaine consegue massacrar a aura sentimental e imbuída de uma sensação de felicidade presente na contribuição nociva daquele escritor de filmes populares. Ela faz essa passagem acentuando atos desagradáveis de crueldade, humilhação e constrangimento.

A comédia negra, aqui, possui uma face mundana. Lenny (Charles Grodin em seu melhor papel), um vendedor imbecil, está em lua-de-mel com a horrenda mas generosa Lila (Jeannie Berlin – há alguma outra mãe que tenha dirigido a sua filha em um papel tão valente e radical?). Sentindo-se aprisionado e sufocado, as fantasias bastante superficiais de Lenny se viram para o sonho americano da garota ideal, Kelly (Cybill Shepherd). Cada consequência desse triângulo é um desastre.

Poucos filmes nos fazem mergulhar tão impiedosamente na vulgaridade dos sonhos românticos e sexuais. O foco de May neste material é puro John Cassavetes: uma documentação inflexível do desconforto; a dor verdadeira mostrada em tempo real. Nossa risada, tão brilhantemente provocada pela atuação de Elaine, torna-se histérica no sentido psicanalítico do termo: um caminho para fugir temporariamente do horror.