O Inácio Araújo tem utilizado um
termo muito pertinente - que acabou se tornando recorrente nas suas resenhas -
pra modular sua linha de raciocínio a respeito de um determinado filme e seu
respectivo diretor, o qual ele chama de ”projeto de cinema”. Trata-se, em
linhas gerais, de identificar as motivações de um cineasta ao assumir o projeto
de direção de um filme – naturalmente, quando elas se fazem presentes. Segundo
suas críticas, os cineastas que possuem um “projeto de cinema”, ou estão em
busca de um para seus filmes, são os que verdadeiramente lhe chamam a atenção,
aqueles que realmente lhe despertam o interesse. Mal acostumados que estamos à
cultura dominante da boçalidade, encontrar alguém que tem algo a dizer tornou-se
basicamente um desafio.
A expressão em si não deve ser confundida
com um selo de qualidade, a partir do qual mensuramos o valor arbitrário de um
filme, seu emprego (no caso daqueles que possuem, naturalmente) indica somente
que houve uma cabeça pensante por trás do projeto, alguém com um ponto de
vista, com uma visão de mundo a respeito do assunto ou da situação abordada. Em
outros tempos, um “projeto de cinema” era praticamente intrínseco ao ato de
filmar, nas atuais circunstâncias talvez equivalha ao significado da palavra relevante
– infelizmente, a tônica dominante do mercado de hoje é o oposto: a irrelevância.
Depois desse breve preâmbulo,
vamos ao filme. A ideia de “projeto de cinema” encontra um expoente à altura na
obra dos irmãos Dardenne, é impressionante como a cada novo filme suas
preocupações se reiteram sob o mesmo olhar questionador. Seus personagens são
meros veículos de indução à reflexão: o estilo documental de seus filmes nos
coloca grudados à pele deles, por duas horas testemunhamos seus atos e
compartilhamos de seus sentimentos sem que para isso precisemos deixar o
conforto de nossas poltronas. Vivemos as mais ousadas aventuras do corpo, da
mente e das paixões, sem perder o juízo ou trair o coração. É certo que ao
término da projeção não seremos mais os mesmos de antes.
Por meio de seus personagens
enfrentamos dilemas morais que nem sequer imaginávamos que nos afetariam e,
frequentemente, somos confrontados com os nossos próprios preconceitos. Sem os
adornos da retórica do discurso político de palanque, nos damos conta que a
distância que separa os problemas enfrentados pelos belgas não é tão grande dos
nossos brasileiros. Na verdade, os irmãos Dardenne são hábeis em desenvolver
enredos e intrigas que exploram o essencial do sentimento humano, constituindo
a nacionalidade, as condições étnicas e sociais de seus personagens não apenas uma
parte de suas identidades e seus meios, mas sobretudo configuram um sólido instrumento
de dramatização da trama. Seu cinema tem o mérito de ser universal sem abandonar o quintal de casa.
O Garoto de Bicicleta representa seu filme mais esperançoso até o
momento, graças especialmente à personagem de Cécile De France. Todo o arsenal
de tipos gananciosos, intolerantes e erráticos de seus filmes anteriores encontra
um contra ponto à altura em Samantha (Cécile De France): a bondade em pessoa. Os
irmãos são inteligentes em não esclarecer a origem de sua bondade. Aliás, por
que haveriam de se ater a esse detalhe? O que nos faz estranhar as atitudes de
uma pessoa que só age por bem? Não seria o oposto mais aceitável: contestarmos
aqueles que agem por mal? Talvez seja o (nosso) mundo que a circunda:
desconfiança, desconsolo, desesperança, abandono e injustiça. Aceitamos de bom
grado a violência, a corrupção e a injustiça, todavia questionamos os atos de
bem. Esse raciocínio besta me dá arrepios, mas foi preciso ver o filme
para reconhecê-lo.
Luego de leerte, sólo pienso en ver pronto la película. Éxitos el 2012.
ResponderExcluirDavid, é um dos melhores filmes dos irmãos Dardenne.
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