sexta-feira, dezembro 30, 2011

O que eu vi de melhor em 2011: estrangeiros


Tio Bonmee, que pode recordar suas vidas passadas (Apichatpong Weerasethakul, 2010) – eu gosto muito de viajar, seja por meio do deslocamento físico ou dos filmes. O deslocamento físico nem sempre é possível - compromissos, trabalho -, já os filmes me permitem alcançar, com relativa freqüência, lugares que nem meus sonhos mais estapafúrdios seriam capazes de me oferecer. Tio Bonmee me levou para conhecer um deles e nessa excursão minha mala voltou repleta de memórias inesquecíveis: as imagens mais marcantes que eu vi no ano.

Cópia Fiel (Abbas Kiarostami, 2010) – Kiarostami foi até a Itália de Roberto Rossellini, cuja influência em seu trabalho é amplamente discutida, pra dar continuidade ao seu projeto de cinema. Ele deixou o Irã pra abrigar seu novo projeto, mas o Irã não saiu dele – uma aula de como fazer um filme longe de casa preservando a essência do seu olhar: ele não se entrega às armadilhas da empreitada.

Além da Vida (Clint Eastwood, 2010) – eu sei que esse filme não agradou muita gente, o que eu lamento profundamente. As cenas em que Matt Damon e Bryce Dallas Howard contracenam são impecáveis/perfeitas, poucas vezes um encontro fortuito foi tão dotado de “verdade” – elas representam o que houve de melhor no cinema deste ano. Eu concordo que o filme seja irregular e o segmento do menino enfraquece o conjunto, mas nada como a direção segura de Clint Eastwood pra evitar que o filme descarrile. A morte continua a espreitar seus personagens.

Singularidades de uma Rapariga Loura (Manoel de Oliveira, 2009) – Eça de Queirós parece ter encontrado o parceiro perfeito para transpor seus textos irônicos e elegantes para as telas: Manoel de Oliveira. Ao texto adaptado Oliveira acrescenta uma aura atemporal, embaralhando nossa percepção do tempo. Tudo com recursos ínfimos e em apenas 63 minutos.

A Pele que Habito (Pedro Almodóvar, 2011) – Almodóvar deixa a zona de conforto dos últimos filmes (Volver, 2006, e Abraços Partidos, 2009) pra mergulhar de cabeça no universo noir dos filmes americanos B de terror e ficção científica, sem abandonar as cores que fizeram a fama de suas películas. O típico filme que nos pega no contrapé: corremos em seu rastro certos de que vamos alcançá-lo, mas sua astúcia e sagacidade estão aquém da nossa compreensão.

A Árvore da Vida (Terrence Malick, 2011) – o filme inevitável da lista. Uma espécie de 2001, Uma Odisséia no Espaço (Stanley Kubrick, 1968) dos nossos tempos numa abordagem mais filosófico-religiosa (cristã). Ambição ou petulância? O célebre diálogo entre Joe Gillis (William Holden) e Norma Desmond (Gloria Swanson) em Crepúsculo dos Deuses (Billy Wilder, 1950) me vem à cabeça quando alguém propõe essa questão:

Joe Gillis: You’re Norma Desmond. You used to be in silent pictures. You used to be big.
Norma Desmond: I am big. It’s the pictures that got small.

Um filme que reluta em ser adorado, mas impõe respeito.

Melancolia (Lars von Trier, 2011) – daqui um bom tempo ninguém se lembrará das declarações polêmicas do senhor von Trier no Festival de Cannes deste ano. Infelizmente, elas desviaram o objeto da discussão para o nada e o filme propriamente dito ficou em segundo plano. Uma pena, eu o trocaria por todos os disaster movies que Hollywood produziu em escala nos últimos tempos. Se já não somos melancólicos, é certo que ainda seremos. A sequência de abertura é um assombro: um verdadeiro curta-metragem que serve perfeitamente ao filme e tem vida própria.

O Garoto de Bicicleta (Jean-Pierre e Luc Dardenne, 2011) – um verdadeiro filme de ação como bem colocou Filipe Furtado, “cada ação leva naturalmente à ação seguinte, sem que um plano seja desperdiçado, não por uma simples questão de eficiência narrativa, mas por uma crença do que o que está na tela é tudo aquilo que é necessário revelar sobre a existência daquele garoto”. Embora o garoto seja o centro da narrativa, a personagem de Cécile De France me desconcerta – o sol, enfim, prevalece em um filme dos irmãos Dardenne.

Ricky (François Ozon, 2009) – eu fiquei em dúvida entre esse filme de Ozon e o Meia Noite em Paris (2011), de Woody Allen. Antes que alguém me alerte a respeito da comparação meio esdrúxula, ambos possuem um elemento fantástico que de certa forma os aproxima. O filme de Woody Allen é mais divertido, mas o filme de Ozon me exerce um fascínio bem menos pensado (mais espontâneo) – ele funciona meio que por acidente, flertando constantemente com o desastre completo da proposta. Sem desmerecer meu querido Woody Allen, a ousadia dele não chega a tanto.

Trabalho Interno (Charles Ferguson, 2010) – a frase promocional do documentário é a mais honesta possível: “If you’re not enraged by the end of the movie, you weren’t paying attention”. É o atestado oficial de que a corrupção não é uma patente brasileira. Pra ficar indignado, basta colocar o filme pra rodar. Uma lista de maiores vilões do cinema sem Trabalho Interno não merece crédito.

2 comentários:

  1. Bela e sensata lista. Mas ainda não vi SINGULARIDADES DE UMA RAPARIGA LOURA e RICKY.

    Cumprimentos cinéfilos e Feliz 2012!

    O Falcão Maltês

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  2. Antônio, acho que esse ano não foi tão difícil de fazê-la, as opções não eram tantas assim. Fiquei tentado em colocar "Namorados para Sempre" e "Margin Call", talvez como menções honrosas.

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