quinta-feira, novembro 15, 2012

Cara ou Coroa (Ugo Giorgetti, 2012)



Se dependêssemos da abordagem recorrente que o cinema nos legou dos anos de fogo da ditadura, seriamos levados a pensar que a vida não passava de um engenhoso roteiro de filme policial norte americano: tudo terminava em perseguições, traições e torturas. No intuito de criticar a postura governamental da época e ajustar contas com os excessos praticados pelos milicos, o cidadão comum ficava sempre relegado ao segundo plano (quando não ao terceiro, quarto,...). Nesse contexto, os personagens retratados mais pareciam ativistas políticos de formação - em constante exercício de suas convicções - sem interesse algum pelo que girava fora da esfera do enfrentamento ideológico vigente. Eu, que nasci nesse período, em 1977, sempre tentei imaginar como era a vida dos meus pais na capital paulista no início dos anos 70, muito certo de que suas trajetórias não moldaram nem refletiram a dos personagens que fizeram fama na ocasião.

Pois bem, Cara ou Coroa (2012), de Ugo Giorgetti, praticamente centrou o foco da sua narrativa no comportamento dessas pessoas comuns, e de lambuja criou um dos mais interessantes, honestos e calorosos retratos do cidadão médio brasileiro durante o período ditatorial. Talvez seja o relato mais fiel do que, de fato, tenha sido viver naquele momento. Entre perseguições, traições e torturas, as pessoas planejavam, aspiravam e sonhavam, em suma, viviam. Havia tempo para um café da manhã, uma cervejinha, assistir à televisão, um namoro, etc. Nem tudo se resumia a maquinações ou paranóias, muito embora os seus efeitos fossem compartilhados até mesmo por aqueles que não estavam formalmente envolvidos com a causa (seja ela pró ou contra). Desse rol de caracterizações criadas por Giorgetti destaca-se o general aposentado vivido por Walmor Chagas e, sobretudo, o taxista vivido por Otávio Augusto. Ambos gozam de pouco tempo em cena, mas deixam a impressão definitiva sobre o longa-metragem.

Existe algo de ridículo no retrato do taxista direitista que financia a contragosto a peça do sobrinho “comunista” e ainda alimenta expectativas de reaver o dinheiro investido. O relato de suas impressões sobre a noite de estreia da peça é impagável e reflete com precisão cirúrgica a aversão às manifestações culturais difundida a partir do Ato Institucional № 5. Tudo o que era ousado ou desafiador tornou-se ultrajante, sem mais nem menos. Daí que a cultura marginalizou-se (mas isso é outra história). Giorgetti ainda faz o milagre de nos conduzir ao exato momento em que Paulo Maluf representava uma real possibilidade de mudança – situação essa favorecida pelo clima asfixiante imposto pela repressão ditatorial. A cena, curta e grossa, e de uma ironia fina, vale um filme inteiro.

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