Jafar Panahi: Sei lá, talvez eu esteja tentando passar o tempo. Sinto que estamos aqui criando uma mentira. Como naquela primeira sequência que fizemos, o resto também será uma mentira, não importa o que façamos. Veja o filme O Círculo, por exemplo.
Mojtaba Mirtahmasb: Mas você não pode fazer um filme agora.
Jafar Panahi: Por isso pedi para você me filmar. Acha que será um grande filme?
Mojtaba Mirtahmasb: Bem, você me disse...
Jafar Panahi: O que eu disse?
Mojtaba Mirtahmasb: Me pediu para eu vir aqui. Disse que tinha filmado um pouco e que tinha ficado ruim. Jafar, você está esperando a confirmação do veredito por causa do filme que estava fazendo. Pode ficar 6 anos preso e 20 anos proibido de trabalhar.
Jafar Panahi: E daí?
Mojtaba Mirtahmasb: O que estamos fazendo não deixa de ser cinema. O que estamos fazendo agora.
Jafar Panahi: O que?
Motjaba Mirtahmasb: Este filme que estamos fazendo.
Jafar Panahi: Chama isto de filme?
Motjaba Mirtahmasb: Não sei. Você é quem sabe.
----------------------------------------------------Jafar Panahi: Como posso expressar o que eu quero? Não é possível. Vamos continuar. Talvez meu humor melhore. Vamos ver o que dá pra fazer.
Por Filipe Furtado (03/12/11)
É um tanto inevitável que Isto Não é Um Filme
receba o valor de um evento, mas há duas características contraditórias muito
interessantes na sua recepção. Primeira há a supressão quase completa de
Mojtaba Mirtahmasb, o amigo documentarista de Jafar Panahi que co-dirigiu o
filme com ele. Muitos anos atrás escrevi para um site americano um artigo
(sobre McG e Kiarostami) chamado autorismo na era do supermercado; quando se
nota que na crítica do Ricardo Calil na Folha de hoje não se menciona a
existência de Mirtahmasb (inclusive vale dizer nas informações de serviço no pé
do texto!) percebe-se exatamente como uma idéia de autorismo é sutilmente
cooptada por uma lógica de mercado. De Isto Não é Um Filme importa sobretudo a figura de Panahi
cineasta algo conhecido no ocidente cuja situação atual desperta nas platéias
do circuito de arte uma grande curiosidade. O que é muito interessante nisso é
justamente o outro dado que me parecer merecer destaque: o filme que é vendido
até nos numa lógica em que é natural suprimir a co-autoria de Mirtahmasb, é
muito mais o filme que interessa ao próprio Mirtahmasb do que ao Panahi. É o
amigo que procuro o tempo todo guiar Isto Não é um Filme na direção da denuncia enquanto o próprio
Panahi tem outras preocupações. A grande força de Isto Não é um Filme é justamente de que ele não é um filme de
Jafar Panahi ou de Mojtaba Mirtahmasb, mas uma obra conjunto em que ambas as
partes o tempo inteiro estão em troca de olhares e concessões. A potência
política do filme vem justamente de que sua denuncia existe não como lamento de
uma situação, mas em meio a uma troca de diálogos de dois artistas que concorda
sobre muita coisa, mas não tem necessariamente a mesma idéia de qual filme
fazer sobre aquele tema. Panahi não é só um artista desafiando um regime
autoritário quando pega sua câmera, mas um que esta no processo nos mostrando o
exato oposto deste regime. A lógica do nosso circuitinho como supermercado
porém não tem nenhum interesse disso a sua maneira ela não deixa de ser
extremamente autoritária. Nada surpreendente já que ao mercado, qualquer
mercado, nunca interessa a política.
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