domingo, novembro 11, 2012

Isto Não é um Filme (Jafar Panahi e Mojtaba Mirtahmasb, 2011)



Jafar Panahi: Sei lá, talvez eu esteja tentando passar o tempo. Sinto que estamos aqui criando uma mentira. Como naquela primeira sequência que fizemos, o resto também será uma mentira, não importa o que façamos. Veja o filme O Círculo, por exemplo. 
Mojtaba Mirtahmasb: Mas você não pode fazer um filme agora. 
Jafar Panahi: Por isso pedi para você me filmar. Acha que será um grande filme? 
Mojtaba Mirtahmasb: Bem, você me disse... 
Jafar Panahi: O que eu disse? 
Mojtaba Mirtahmasb: Me pediu para eu vir aqui. Disse que tinha filmado um pouco e que tinha ficado ruim. Jafar, você está esperando a confirmação do veredito por causa do filme que estava fazendo. Pode ficar 6 anos preso e 20 anos proibido de trabalhar. 
Jafar Panahi: E daí? 
Mojtaba Mirtahmasb: O que estamos fazendo não deixa de ser cinema. O que estamos fazendo agora. 
Jafar Panahi: O que? 
Motjaba Mirtahmasb: Este filme que estamos fazendo. 
Jafar Panahi: Chama isto de filme? 
Motjaba Mirtahmasb: Não sei. Você é quem sabe.

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Jafar Panahi: Como posso expressar o que eu quero? Não é possível. Vamos continuar. Talvez meu humor melhore. Vamos ver o que dá pra fazer.

Por Filipe Furtado (03/12/11)

É um tanto inevitável que Isto Não é Um Filme receba o valor de um evento, mas há duas características contraditórias muito interessantes na sua recepção. Primeira há a supressão quase completa de Mojtaba Mirtahmasb, o amigo documentarista de Jafar Panahi que co-dirigiu o filme com ele. Muitos anos atrás escrevi para um site americano um artigo (sobre McG e Kiarostami) chamado autorismo na era do supermercado; quando se nota que na crítica do Ricardo Calil na Folha de hoje não se menciona a existência de Mirtahmasb (inclusive vale dizer nas informações de serviço no pé do texto!) percebe-se exatamente como uma idéia de autorismo é sutilmente cooptada por uma lógica de mercado. De Isto Não é Um Filme importa sobretudo a figura de Panahi cineasta algo conhecido no ocidente cuja situação atual desperta nas platéias do circuito de arte uma grande curiosidade. O que é muito interessante nisso é justamente o outro dado que me parecer merecer destaque: o filme que é vendido até nos numa lógica em que é natural suprimir a co-autoria de Mirtahmasb, é muito mais o filme que interessa ao próprio Mirtahmasb do que ao Panahi. É o amigo que procuro o tempo todo guiar Isto Não é um Filme na direção da denuncia enquanto o próprio Panahi tem outras preocupações. A grande força de Isto Não é um Filme é justamente de que ele não é um filme de Jafar Panahi ou de Mojtaba Mirtahmasb, mas uma obra conjunto em que ambas as partes o tempo inteiro estão em troca de olhares e concessões. A potência política do filme vem justamente de que sua denuncia existe não como lamento de uma situação, mas em meio a uma troca de diálogos de dois artistas que concorda sobre muita coisa, mas não tem necessariamente a mesma idéia de qual filme fazer sobre aquele tema. Panahi não é só um artista desafiando um regime autoritário quando pega sua câmera, mas um que esta no processo nos mostrando o exato oposto deste regime. A lógica do nosso circuitinho como supermercado porém não tem nenhum interesse disso a sua maneira ela não deixa de ser extremamente autoritária. Nada surpreendente já que ao mercado, qualquer mercado, nunca interessa a política.

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