Não fosse Argo um dos principais concorrentes da temporada de premiações,
dificilmente eu teria tido a chance de vê-lo na tela grande. Quando o filme
estreou no circuito comercial nacional no início de novembro, em meio aos Crepúsculos e 007s, nenhuma exibidora de Ribeirão se arriscou a trazê-lo pra cá.
Mesmo numa rara ida a São Paulo em meados de dezembro, com o filme ainda em
cartaz, acabei optando por produções que talvez nem tivessem assegurados seus
lançamentos em DVD, Holy Motors (Leos Carax,
2012) e Um Alguém Apaixonado (Abbas
Kiarostami, 2012). Por sorte, na semana que o filme foi premiado pelo Globo
de Ouro, seguido da indicação ao Oscar, o filme debutou em uma sala do
Cinépolis de Ribeirão com duas sessões noturnas apenas. O prestígio da
temporada de premiações garantiu a sua exibição por essas bandas.
O que distingue esse thriller das produções setentistas com
as quais ele tem sido comparado é a espirituosa contribuição de Hollywood à
trama, cujo emprego costuma vir associado a um caráter bem mais pejorativo que
construtivo. O charmoso distrito da cidade de Los Angeles já serviu de mote a
inúmeras produções, com destaque normalmente voltado para o aspecto sórdido das
negociatas que sustentam suas atividades. Em Argo, essa particular circunstância recheia os diálogos do produtor
Lester Siegel (Alan Arkin) e o maquiador oscarizado John Chambers (John
Goodman) de pérolas, bem fiel ao espírito cínico que lhe fez a fama, embora,
aqui, o seu emprego esteja mais voltado para valorizar a astúcia da empreitada do
que propriamente ridicularizá-la: seis funcionários da diplomacia norte-americana
refugiados na embaixada canadense do Irã de Khomeini, em 1979, só serão
resgatados pela CIA por meio de um plano inusitado, elaborado com a ajuda da
indústria cinematográfica de Hollywood, ao torná-los parte integrante da equipe
de filmagens de uma produção científica fake
que busca locações no deserto iraniano.
Joe Stafford: You really believe your little story´s gonna make a difference when there´s a gun to our heads?
Tony Mendez: I think my story´s the only thing between you and a gun to your head.
É uma pena que o roteiro de Chris
Terrio não saiba muito bem o que fazer com os personagens de Alan Arkin e Jonh
Goodman depois que o funcionário da CIA, Tony Mendez (Ben Affleck), é enviado a
Teerã para colocar em prática o plano de retirada. A partir daí, as cenas
reservadas a esses personagens são por vezes constrangedoras, ainda que bastante
divertidas. Por mais forçado que resulte a tensão na sequência do aeroporto, a
ponto de quase colocar toda a consistência do drama a perder, ela ainda é capaz
de sustentar o interesse pela escapada dos refugiados. Mesmo enfraquecida pela
opção narrativa do thriller, que
alonga propositalmente o tempo para construir um suspense pouco consistente, é nela que se
encontra a melhor cena do longa: quando um dos refugiados, Joe Stafford (Scoot
McNairy), interpretando o papel de diretor da produção fake, tem de explicar a um grupo armado do governo iraniano do que
se trata o filme, ele se vale dos storyboards
elaborados pela equipe de produção de Siegel e Chambers para convencer esses
burocratas da veracidade da missão a que eles se prestavam. Uma verdadeira
homenagem ao encanto proporcionado pelo Cinema, semelhante à cena que Martin
Scorsese fez em A Invenção de Hugo Cabret
(2011), quando expõe ao público os storyboards
de George Méliès esquecidos em um imenso baú. Enquanto o YouTube não disponibiliza a sequência de Argo, fiquemos com a de Hugo
Cabret.
Partindo do principio de que o
filme “documenta” uma situação verídica em que Hollywood contribuiu de fato para
solucionar uma delicada questão diplomática, faz todo o sentido que Argo seja o grande premiado na noite do
Oscar do próximo final de semana.
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