Meu entusiasmo pela trajetória de
Paul Thomas Anderson se esvaiu justamente no filme pelo qual ele parece hoje
ser mais lembrado, Sangue Negro (2007).
O que mais me chama a atenção nessa produção não é a elogiadíssima
interpretação de Daniel Day-Lewis, mas sim a contribuição do production designer Jack Fisk, fiel
colaborador de Terrence Malick e de David Lynch em dois dos seus momentos mais
inspirados, Uma História Real (1999) e
Cidade dos Sonhos (2001). As
belíssimas panorâmicas do diretor de fotografia Robert Elswit valorizam o
trabalho de Fisk, sem a qual o filme não receberia o adjetivo épico.
A mão de Fisk encontra-se
presente na magnífica locação escolhida para sediar a trama e na perfeita recriação
de um incipiente latifúndio de extração petrolífera, rodeado por um pequeno
povoado de subsistência. As melhores sequências, não dialogadas, contam com o
seu farto talento em cena, ao mesmo tempo em que nos poupam da interpretação
histriônica de Day-Lewis – as vozes discordantes aqui são muito ativas, já que
tem gente que vê na sua interpretação um dos pilares de sustentação do filme
(eu compro a briga!). Por mais que se diga que o personagem de Day-Lewis prima
pelo exagero (o que não é uma inverdade, dada sua natureza predatória e
gananciosa), não raro sua interpretação engole o entorno a ponto de devorá-lo –
sobretudo quando ele se manifesta verbalmente. É verdade que o desfecho
catártico roteirizado por Anderson reforça, e muito, esse aspecto da encenação.
Pois bem, em O Mestre, Paul Thomas Anderson encontrou um equilíbrio bem mais
consistente (funcional, ao menos) entre o trabalho de Fisk e a interpretação
dos atores. Parece que ambos trabalham em harmonia, buscando uma relação quase
simbiótica: a ocupação do espaço cênico por parte dos atores é primorosa,
valorizando o enquadramento adotado; ou, o enquadramento adotado é primoroso,
valorizando o desempenho dos atores. O trabalho de composição dos personagens
em O Mestre (o que envolve, inclusive,
a parte do roteiro) ancorou-se principalmente na exploração do corpo dos atores,
decisão que se provou certeira graças ao talento excepcional de seus
intérpretes. Joaquim Phoenix é quem se sobressai como protagonista, contudo,
Philip Seymour Hoffman e Amy Adams, mesmo dispondo de menos tempo em cena,
estão à altura de seu contracenante. Embora os diálogos sejam importantes para
acompanhar a evolução da relação de aproximação, repulsa, admiração e/ou exploração
estabelecida entre eles, é na linguagem corporal que se encontra o enigma
indecifrável dessa improvável “ligação humana”.
Passado pouco tempo da sessão,
resta apenas uma remota lembrança da tão propalada Cientologia, culto religioso
fundado por L. Ron Hubbard em 1954 que serviu de base para a composição de Lancaster
Lodd (Philip Seymour Hoffman) e sua obra A
Causa. Seria injusto estabelecer qualquer julgamento a partir do retrato
nebuloso do pregador sugerido pelo roteiro de Anderson. Tem que cavar muito,
mas muito mesmo, pra extrair alguma coisa de aproveitável dali. Em suma,
importa menos o que eles falam, e mais o que eles fazem e como fazem. A dinâmica
da relação estabelecida entre os personagens de Phoenix e Hoffman sustenta o
interesse pelo filme, mesmo que ao seu término surjam mais perguntas que respostas para ancorar a nossa percepção.
O prólogo, voltado à introdução
de Freddie Quell (Joaquim Phoenix), contém cenas inspiradíssimas que
estabelecem a sua condição no mundo. Egresso das forças armadas norte
americanas na II Guerra Mundial, ele quica em tudo que se põe em seu caminho,
errático, sem rumo, chegando a provocar, imprudentemente, a morte de um agricultor idoso. Quando seu caminho cruza com o de Lancaster Lodd, sua salvação estará
assegurada. Mas nada, absolutamente nada, seguirá a fórmula do
convencionalismo. Quem se dispuser a embarcar nessa jornada, será contemplado
com duas horas e meia de ótimo cinema.
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