Alemanha, Ano Zero (1948)
Mesmo profundamente tocado pelo
destino do garoto Edmund (Edmund Moeschke) ao final do drama de guerra de
Rossellini - a sua imagem derradeira é daquelas que permanecem conosco para o
resto da vida -, é na figura do professor nazista (Erich Gühne) que repousa o
meu maior interesse pelo filme. Ele é o personagem que, aos olhos do diretor,
sintetiza todo o mal perpetrado por Adolf Hitler. É o homem das ideias, do
pensamento, do raciocínio, capaz de influenciar todo um rebanho disposto a se
deixar seduzir por seus ensinamentos. Rossellini explora esse poder de sedução
ao pé da letra sugerindo uma relação de pedofilia entre o mestre e seus
discípulos, que, embora não tenha sido efetivamente levada a cabo, fundamentou
a disseminação do pensamento nazista aos jovens militares alemães.
Ironicamente, o jovem militar,
representado pelo irmão de Edmund, vítima da influência dos professores de
plantão, se vê obrigado a refugiar-se dos olhos da população sobrevivente, uma
vez que ela enxerga nele a encarnação do mal remanescente. Enquanto isso, o
professor, incólume, passeia a luz do sol, plantando, indiscriminadamente, a
mesma semente doentia na mente das crianças indefesas, incapazes de distinguir
o momento em que a ameaça do passado, que as levou aquele estado deplorável das
coisas, se converteu no horror do tempo presente (e futuro, como sabemos).
Ao que parece, a abordagem de
Rosselini para o papel do professor vai contra a do famoso estudo publicado por
Siegfried Kraukauer, From Caligari to
Hitler: A Psychological History of the German Film (1947), em que esse e
outros ofícios, cujos praticantes foram humilhados em pleno exercício de suas
atividades, serviram de base para o autor exemplificar a maneira como os filmes
alemães do entre Guerras espelharam a sua própria sociedade ao valorizar as
atribuições físicas em detrimento da contribuição dos intelectuais. Essa
prática sadomasoquista nazista pode ser encontrada, por exemplo, na relação do
Professor Rath (Emil Jannings) com a dançarina de Cabaré, Lola Lola (Marlene
Dietrich), no clássico O Anjo Azul
(1930), de Josef von Sternberg.
Francisco, Arauto de Deus (1950)
Eu acho que fui com muita sede ao
pote para conferir o retrato biográfico do religioso Francisco de Assis pelas
mãos de Rossellini. Não que seja ruim. Longe disso. O aspecto mais explorado da
personalidade do frade, a serenidade, domina o filme, de forma que assisti-lo
na madrugada depois de uma despertada do meu filho não se mostrou uma escolha das
mais inteligentes/produtivas. A estrutura episódica me dificultou um pouco para
engrenar na proposta. Curioso que a versão de Jean Renoir de A Marselhesa (1938), cujo formato
episódico deve ter influenciado Rossellini, funcionou perfeitamente pra mim.
Ambas contam com um personagem cômico, Ginapro
(Severino Pisacane, à esquerda na imagem acima) em Francisco, responsável
pelos melhores momentos. O embate de Ginapro com o tirano é impagável e resulta
na melhor vinheta do filme – o duelo de forças entre eles foi corajosamente
encenado sem diálogos; as caras e bocas de ambos dão conta do recado.
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