Outra peça teatral adaptada para
o cinema com o toque inconfundível de Alain Resnais – nesse caso, a rigor, são
duas peças do dramaturgo Jean Anouilh, Eurídice
e Cher Antoine ou L´Amour Raté,
sendo a primeira encenada sobre a estrutura dramática da segunda, uma dentro da
outra. As preocupações acerca do tempo e da memória, realidade e sonho (fantasia),
estão, com de hábito, perfeitamente combinadas, valorizadas pelo dinamismo da
montagem - que agora conta com um recurso até então menosprezado pelo diretor:
a tecnologia, na forma do CGI. Essa marca registrada do diretor, que permeia
toda a sua obra e lhe valeu por algum tempo a alcunha de realizador de
produções “difíceis”, é totalmente despojada em Vocês Ainda Não Viram Nada: desde os créditos de abertura, em que
os atores (famosos do cinema francês) são convocados por seus verdadeiros nomes
em um telefonema para uma sessão póstuma de Eurídice,
o espectador já se vê como cúmplice do jogo de encenação que se seguirá até o
término do filme. Resnais não sonega nenhuma informação que possa nos privar de
alguma referência. Mesmo jogando limpo com o espectador desde o início, o que
pode ser considerado uma característica incomum em sua filmografia, o encanto
da experiência permanece absolutamente intacto.
O nítido prazer dos atores ao
reencenar os papéis da dita peça que em outros tempos já foram seus, só vem a
reforçar o clima de festa e descontração que parece dominar as últimas
produções de Resnais. Um famoso trailer de Bastardos
Inglórios (2009) que circula pela internet mostra o radiante diretor
Quentin Tarantino repetindo uma tomada depois de uma provável jornada
exaustiva, ao que ele mesmo pergunta à produção, “Cool! Still one more time... Why?
Because we love making movies”. Esse parece ser o ímpeto que vigora nas
produções de Resnais também. Esse contentamento e satisfação pela filmagem (tournage), pela engrenagem do processo, contagia
o espectador, transparecendo no resultado final. Quando a encenação de Eurídice termina e os atores se
congratulam a lembrança de Noite de
Estreia (1977), de John Cassavetes, foi inevitável, ao que o próprio e sua
esposa, na ficção e na vida real, Gena Rowlands, descem do palco para serem
ovacionados pelos seus pares.
Talvez o único cineasta capaz de
fazer frente à Resnais hoje em dia seja Manoel de Oliveira. Mesmo gozando de
idade avançada, suas produções emanam energia - e olha que elas lidam de frente
com o fim que se avizinha.
O que eu vi de melhor no ano até
agora.
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