terça-feira, junho 25, 2013

Jogada de Risco (Paul Thomas Anderson, 1996)


Dia desses, numa consulta despretensiosa a programação do Telecine, deparei-me com a exibição do primeiro longa-metragem de Paul Thomas Anderson, Jogada de Risco.  Mesmo não sendo nada de mais, ainda assim é melhor do que a média da programação. Talvez se eu o tivesse visto em 1996, ano de sua estreia e antes do deslanche da carreira do cineasta, minha atenção não teria sido despertada a ponto de memorizá-lo. Vê-lo agora, vale pelo exercício de relacioná-lo aos outros longas do diretor a fim de encontrar alguns pontos de convergência entre eles – ou alguma desculpa para se aplicar o termo autoria impunemente.

Desde o seu primeiro trabalho Paul Thomas Anderson já demonstrava uma predileção pelos planos-sequência, um olhar mais voltado para o desenvolvimento da personagem em detrimento da história (ou enredo) e um domínio da encenação que valoriza o trabalho do ator. Essas características realmente definem o seu método de trabalho, cujo emprego preciso lhe garante o formato distintivo de seus filmes.

A recorrência que mais me chama a atenção em seus projetos, no entanto, é a relação ambígua que o protagonista mantém com outro personagem, normalmente coadjuvante (de luxo). Sejam eles pais e filhos, amigos ou desconhecidos, amantes ou parceiros, seus filmes sempre proporcionam um estudo minucioso, não necessariamente elucidativo, de uma relação instável e conturbada, de dependência (física, emocional e/ou financeira) pautada pelo excesso, normalmente carregada de culpa (a religião, qualquer que seja ela, exerce uma influência decisiva sobre o comportamento de suas criações).

  • Jogada de Risco - Sydney (Philip Baker Hall) e John (John C. Reilly)
  • Boogie Nights - Dirk Diggler (Mark Wahlberg) e Jack Horner (Burt Reynolds)
  • Magnolia - Frank T.J. Mackey (Tom Cruise) e Earl Partridge (Jason Robards)
  • Embriagados de Amor - Barry Egan (Adam Sandler) e Lena Leonard (Emily Watson)
  • Sangue Negro – Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis) e Paul/Eli Sunday (Paul Dano)
  • O Mestre - Freddie Quell (Joaquim Phoenix) e Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman)

segunda-feira, junho 17, 2013

O Som ao Redor (Kléber Mendonça Filho, 2012)




Antes mesmo do merecido reconhecimento internacional de O Som ao Redor, que culminou com a sua presença na lista dos dez melhores filmes de 2012 do New York Times elaborada pelo crítico A. O. Scott, a expectativa para a tão esperada estreia de Kléber Mendonça Filho em longas metragens, após uma bem sucedida carreira em curtas, já era altíssima. A despeito do acanhado prestígio dos curtas metragistas no meio cinematográfico, a sequência magnífica de trabalhos de Kléber já prenunciava a formação de um cineasta de mão cheia: Vinil Verde (2004), Eletrodoméstica (2005), Noite de Sexta, Manha de Sábado (2007) e Recife Frio (2009) representam, agora, um privilegiado cartão de visitas à obra em construção desse cineasta, que exerceu o ofício de crítico antes de assumir o papel de roteirista, diretor e produtor de um filme. Como se vê, foram uns bons anos de treinamento antes de entrar em campo com o time completo – detalhe: pra dar show de bola.

O resumo do enredo proposto pelo IMDB, que representa a quintessência do olhar estrangeiro para o nosso produto, dá bem conta do recado: Life in a middle-class neighborhood in present day Recife, Brazil, takes an unexpected turn after the arrival of an independent private security firm. The presence of these men brings a sense of safety and a good deal of anxiety to a culture which runs on fear. Meanwhile, Bia, married and mother of two, must find a way to deal with the constant barking and howling of her neighbor´s dog. A slice of “Braziliana”, a reflection on history, violence and noise. Essa “reflexão da violência” exercitada pelo diretor evita a todo o custo a sua espetacularização, bem como o grafismo comumente associado ao seu emprego. A violência não dá as caras efetivamente; sua manifestação é silenciosa, embrenhada, contida, mas nem por isso menos danosa – ela sobrevive nas entrelinhas. Ela corrói as entranhas das diversas relações pessoais que o filme cultiva, sem que a vertente panfletária do discurso se imponha. Nesse contexto, o gesto mais singelo não raro torna-se o mais carregado de nocividade.

Essa abordagem implícita da violência, construída quadro a quadro num clima crescente de tensão que nunca se converte num efetivo abuso de força, o aproxima do terror sugestivo temperado com ingredientes fantásticos, muito bem explorados em outro exemplar brasileiro bastante elogiado pelo próprio Kléber: Trabalhar Cansa (2011), de Juliana Rojas e Marco Dutra. Os dois filmes não partilham apenas o mesmo formato, encerrado no “gênero cinematográfico”, mas também o “tema”, ao abordar “uma época que tem pintado o Brasil como país que passa por uma virada econômica, onde festejam-se avanços na qualidade de vida e sua capacidade de gerar riqueza”, conforme passagem do texto de Kléber para o filme da dupla publicado no Festival de Cannes de 2011. O dilema dos personagens de Trabalhar Cansa, que levanta duas ótimas questões de sua parte, também atormenta o microcosmo dos personagens de O Som ao Redor, “como negociar com uma nova funcionária que é, cultural, racial e socialmente uma descendente de escravos, desempenhando o papel de escrava moderna numa família moderna que existe numa sociedade patriarcal?” e “como administrar um empreendimento familiar de pequeno porte onde mais funcionários precisam ser gradualmente explorados para maiores resultados no sentido de pagar as contas e gerar lucro?”.

Kléber encerra a sua crítica de Trabalhar Cansa com um parágrafo certeiro, que um desavisado não hesitaria em relacioná-lo à sua própria produção, “de qualquer forma, há uma enorme felicidade achada no desfecho, uma sequência essencial onde não apenas o homem, a sociedade e o próprio filme revelam um desejo importante de se libertar através do som. Essa libertação vem depois de um exercício tão bem conduzido em estabelecer uma crônica de tensos costumes, muitos deles só possíveis de serem observados no Brasil. A maneira que esses costumes são revirados, por outro lado, só é possível no cinema”. Detalhe para a observação feita a respeito do emprego do som, cuja importância lhe garantiu a presença no título, tamanha a onipresença da sua influência sobre os personagens.

Por mais que se abafe qualquer tentativa de se conferir uma unidade a alguns filmes produzidos em Pernambuco, parece que uma força oculta, inconsciente, insiste em aproximá-los. A partir do surgimento de Baile Perfumado (1977), de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, com a inspirada recriação do registro da passagem do libanês Benjamim Abrahão pelo Brasil, responsável pelas únicas imagens registradas de Lampião, o caminho para abordar o presente sem abdicar do passado estava pavimentado. Cinemas, Aspirinas e Urubus (2005, Marcelo Gomes), Árido Movie (2005, Lírio Ferreira) e Baixio das Bestas (2006, Cláudio Assis) “revelam a presença do arcaico no moderno, a reiteração sob novas formas de um modelo civilizatório ao mesmo tempo perverso e fascinante”, conforme observação de José Geraldo Couto em um dos seus textos que trata do fenômeno O Som ao Redor. Dessa vez, entretanto, tudo isso aparece “sob a aparência de uma prosaica crônica urbana ambientada num bairro recifense de classe média”. O nordeste, desse modo, é retratado sem a costumeira carga de estereótipos que caracteriza as suas abordagens.

É o típico filme, raro, que não se esgota em um único texto. Mesmo as melhores críticas, e a internet está repleta delas, não são capazes de condensar toda a sua riqueza de valores. Cada texto tem ao menos alguma observação relevante capaz de enriquecer a discussão ambicionada por Kléber. Não é pra menos, já que ele se desenvolve como uma longa sequência de cenas inspiradíssimas, de impacto duradouro, alternando de um personagem a outro, de um episódio a outro com uma desenvoltura notável. Pena que o filme não encontrou um público mais amplo. Merecia.

segunda-feira, junho 03, 2013

Vocês Ainda Não Viram Nada (Alain Resnais, 2012)


Outra peça teatral adaptada para o cinema com o toque inconfundível de Alain Resnais – nesse caso, a rigor, são duas peças do dramaturgo Jean Anouilh, Eurídice e Cher Antoine ou L´Amour Raté, sendo a primeira encenada sobre a estrutura dramática da segunda, uma dentro da outra. As preocupações acerca do tempo e da memória, realidade e sonho (fantasia), estão, com de hábito, perfeitamente combinadas, valorizadas pelo dinamismo da montagem - que agora conta com um recurso até então menosprezado pelo diretor: a tecnologia, na forma do CGI. Essa marca registrada do diretor, que permeia toda a sua obra e lhe valeu por algum tempo a alcunha de realizador de produções “difíceis”, é totalmente despojada em Vocês Ainda Não Viram Nada: desde os créditos de abertura, em que os atores (famosos do cinema francês) são convocados por seus verdadeiros nomes em um telefonema para uma sessão póstuma de Eurídice, o espectador já se vê como cúmplice do jogo de encenação que se seguirá até o término do filme. Resnais não sonega nenhuma informação que possa nos privar de alguma referência. Mesmo jogando limpo com o espectador desde o início, o que pode ser considerado uma característica incomum em sua filmografia, o encanto da experiência permanece absolutamente intacto.

O nítido prazer dos atores ao reencenar os papéis da dita peça que em outros tempos já foram seus, só vem a reforçar o clima de festa e descontração que parece dominar as últimas produções de Resnais. Um famoso trailer de Bastardos Inglórios (2009) que circula pela internet mostra o radiante diretor Quentin Tarantino repetindo uma tomada depois de uma provável jornada exaustiva, ao que ele mesmo pergunta à produção, “Cool! Still one more time... Why? Because we love making movies”. Esse parece ser o ímpeto que vigora nas produções de Resnais também. Esse contentamento e satisfação pela filmagem (tournage), pela engrenagem do processo, contagia o espectador, transparecendo no resultado final. Quando a encenação de Eurídice termina e os atores se congratulam a lembrança de Noite de Estreia (1977), de John Cassavetes, foi inevitável, ao que o próprio e sua esposa, na ficção e na vida real, Gena Rowlands, descem do palco para serem ovacionados pelos seus pares.

Talvez o único cineasta capaz de fazer frente à Resnais hoje em dia seja Manoel de Oliveira. Mesmo gozando de idade avançada, suas produções emanam energia - e olha que elas lidam de frente com o fim que se avizinha.

O que eu vi de melhor no ano até agora.