sexta-feira, maio 29, 2015

Riocorrente (Paulo Sacramento, 2013)


Já virou regra: o mês de maio vem sendo aguardado por mim pela rara oportunidade de poder conferir no cinema alguns dos títulos que despertaram meu interesse no ano anterior, porém passaram batidos na grade de programação cinematográfica de Ribeirão Preto. As sessões lotadas do Melhores do ano do Sesc são a prova cabal de que existe um público interessado em cinema não circunscrito ao universo dos super heróis ou das franquias milionárias de sucesso, ainda que alguns dos títulos só tenham ganhado notoriedade depois da temporada de premiações (final do ano passado e início desse ano), condição sem a qual parte do público não se aventuraria a experimentá-los.

Eu venho na cola de Riocorrente desde a sua estreia na Mostra de São Paulo de 2013, cujo horário da sessão coincidia com a de O Lobo Atrás da Porta (Fernando Coimbra, 2013), forçando-me a tomar uma decisão difícil. Ambas as apresentações contaram com o elenco e o diretor para um bate papo após os seus términos, havendo a necessidade de um deslocamento da minha parte no caso de Riocorrente. Esse detalhe foi determinante para a minha opção pelo Lobo, mesmo ciente de que eu encontraria mais dificuldades para acessar Riocorrente posteriormente. Não deu outra: sem o apoio habitual do Canal Brasil, a ocasião não se concretizou. A seleção dele na edição desse ano do Melhores do Ano me permitiu uma segunda chance de assisti-lo na tela grande (a primeira oportunidade teria sido no CineSesc).

Ele certamente estaria na minha lista de melhores filmes brasileiros do ano passado, caso eu o tivesse visto antes de elaborá-la. Paulo Sacramento cria uma São Paulo orgânica, pulsante, cheia das contradições que a caracterizam como metrópole, num filme que começa com uma estrutura narrativa relativamente simples e ganha complexidade à medida que seus personagens se encaminham para um beco sem saída. O diretor transforma o que seria um triângulo amoroso convencional numa exploração madura e imagética da solidão, fundindo o corpo dos seus personagens em primeiro plano com o pano de fundo da cidade de São Paulo em profundidade de campo. O ator Lee Taylor é uma representação bem interessante do paulistano médio: enérgico e meio mal encarado, em algum ponto entre o playboy e o marginal de rua, com os nervos constantemente à flor da pele.

O diretor explora o universo de Sérgio Bianchi, do qual foi montador duas vezes - Cronicamente Inviável (2000) e Quanto Vale ou é por Quilo (2005) -, e entrega um filme tão inconformista quanto os de Sérgio, sem o tom de denúncia panfletária que enfraquece as suas produções. O conflito de classes no longa de Sacramento se dá numa zona mais acinzentada, turva, nebulosa, ao contrário das investidas de Bianchi, tendendo para soluções mais maniqueístas, mas nem por isso menos incômodas. Os personagens de Paulo Sacramento extravasam suas insatisfações em busca de liberdade, sem se darem conta de que rumam cada vez mais rápido para um isolamento indesejado.

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Boyhood (Richard Linklater, 2014) - gostei muito do filme de Linklater, não somente pela tão propalada gravação ao longo de 12 anos, mas principalmente porque me vi na figura do filho, do pai e da mãe. É o projeto da trilogia do Antes do Amanhecer (1995), Antes do Pôr do Sol (2004) e Antes da Meia Noite (2013) em uma só tacada. A cena em que o jovem parte para a faculdade e a mãe discursa uma despedida improvisada é absolutamente genial. Dois mundos em choque, irreconciliáveis, mas carregados de sinceridade. Só experimentei uma das partes, a segunda delas ainda me aguarda...

Fabian Cantieri, da Revista Cinética, conseguiu traduzir em palavras a riqueza desse momento especial:

Existe uma certa fonte de sabedoria na juventude que se prova inesgotável enquanto dura. A chamada vida adulta é a marca desse esgotamento, de um transbordamento empírico que faz com que a novidade apreendida, por mais inédita, já não carregue o frescor vidamudante, como diria Joyce, autor tão caro a Linklater. A velhice é o dar-se de encontro com a inevitabilidade do tempo que carrega a morte e a intransigência de um passado. 

O sentimento de desespero que se dá com a mãe ao fim é inversamente análogo à sensação de Mason: enquanto ela se depara com a intangibilidade de se relacionar às coisas – seus maridos se foram, seus filhos partem para outra vida e sua casa é agora vazia – e queda sem nada, Mason embarca na leveza de uma liberdade ainda irreconhecível: sem pais, irmã ou namorada de balizas, sobra um mundo. O nada é o que resta a ela e o que sobra a ele. Dickinson versava que “o perigo aumenta a soma”. Mason se depara com o início do perigo e a mãe se vê sem ter o que somar. Mas do embate entre o olhar do futuro e passado, entre o saudosismo, o temor e a esperança, fica o entrosamento de um tempo que só pode ser alcançado ao passo da vivência contínua dos dias presentes sob a veia concreta da relação humana: na troca de experiências com o outro.

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Mommy (Xavier Dolan, 2014) - os excessos de Xavier Dolan me incomodaram bastante dessa vez. O frescor inicial de Eu Matei a Minha Mãe (2011) se esvaiu por completo, salvando-se apenas a atriz Anne Dorval. A plateia que dividia a sala comigo parece ter gostado bastante.

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