terça-feira, junho 28, 2011

Acaso (Krzysztof Kieslowski, 1981)


Todos os blogs relacionados ao lado são unanimes em considerar a atual safra cinematográfica de baixíssimo nível - pelo menos a safra dos filmes que chegam à capital. Se na capital do estado mais rico do Brasil o negócio está feio, imagina no interior. Em Ribeirão, que pode ser considerado um dos expoentes do interior paulista, cada filme lançado ultimamente – apenas blockbusters! - toma no mínimo quatro salas: dublado, dublado 3D, legendado e legendado 3D. São ao todo 27 salas de cinema: Cinemark 8, UCI 11 e Cinépolis 8. Como, infelizmente, todos se programam para passar os mesmos filmes (salvo algumas exceções) não sobra muita coisa fora do circuito ultra-comercial. É verdade, existe o Cauim, porém eu o desconsiderei propositalmente já que o mesmo não passa por um momento digno de nota. Sendo assim, sobram os DVDs (que anda melhor do que nunca) e a programação do SESC.

Calhou de a programação do SESC no último mês ser dedicada ao cineasta Krzysztof Kieslowski, com atenção especial para os seus longas menos conhecidos que vão Além da Trilogia das Cores (esse foi o nome dado a programação numa clara referência aos seus três últimos filmes: A Liberdade é Azul (1991), A Igualdade é Branca (1994) e A Fraternidade é Vermelha (1994) - depois dessa trilogia seu nome rodou o mundo e seus filmes anteriores ganharam maior visibilidade).

Assisti ao belíssimo Acaso (1981), que recentemente ganhou uma edição caprichada em DVD (ele de novo!) pela Videofilmes. Que bela descoberta! Conforme consta no encarte da edição, o filme acompanha Witek (Boguslaw Linda, numa complexa caracterização), um jovem estudante de medicina que, após a morte do seu pai, corre para tentar alcançar o último trem para Varsóvia. A partir desse evento, Kieslowski propõe três desfechos para a história de Witek: como membro do Partido Comunista, como dissidente político e ativista comunitário, ou como pai de família burguês. Segundo Kieslowski, o cidadão polonês do início dos anos 80 só dispunha de duas opções de vida: ou se rendia ao comunismo ou vivia uma vida condenada ao limbo. Quem detinha o oxigênio para a sobrevivência do cidadão era o regime, fora dele só respirava quem optava pelo retiro espiritual – e adotava o catolicismo por conseqüência. Uma vida materialista estava fadada ao fracasso (a maneira como Kieslowski resolve essa questão é sublime, o plano final é de cortar o fôlego - curto e grosso). As cenas memoráveis se sucedem e duas em especial me chamaram muito a atenção: 1. a lembrança do momento do nascimento de Witek (uma das primeiras cenas do filme, repetida em outras ocasiões) em que o sangue que realmente importa é o de uma pessoa arrastada pelos corredores de um hospital (o contexto histórico é estabelecido) e 2. a famosa cena da maça (filosofia, política e religião magnificamente representadas no mesmo plano).

Os três desfechos, apesar de serem apresentados em seqüência, se entrelaçam ao longo da projeção. A atenção para os detalhes, o cuidado em apresentar ao espectador cada evento no momento certo, valorizam o trabalho de Kieslowski sobremaneira. Uma ideia relativamente simples (o livro A Christmas Carol (1843), de Charles Dickens, já trabalhava uma variação desse mote) executada de maneira criativa, inteligente e competente ganha contornos políticos, filosóficos e religiosos. Temas caros a obra do diretor como o acaso, o destino, a coincidência e as escolhas individuais são bem explorados e muito bem resolvidos. O filme ressoa na nossa cabeça por muito tempo depois de visto.

Hoje será a vez de A Dupla Vida de Veronique (1991) do mesmo Kieslowski, depois um ciclo de quatro filmes de John Cassavetes. Salve o SESC!

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