Dos poucos filmes que eu vi do
Ozu (ainda), Também Fomos Felizes (1951)
é aquele que congrega o maior número de personagens, seja dentro do universo da
família retratada ou daqueles que orbitam ao seu redor. Para além de todas as
considerações recorrentes presentes em qualquer análise que se faça de sua
obra, relacionadas ao posicionamento de câmera, ao registro dos detalhes dos
objetos em cena, ou dos rituais cotidianos domésticos, bem como do prosaísmo
das relações humanas, foi neste exemplar que a maestria da sua direção se fez
notar mais nitidamente pra mim. A sua intervenção me pareceu tão precisa, tão
cirúrgica, a ponto de me fazer crer por vários instantes que não era um filme
que se desenrolava diante de meus olhos, mas um drama concreto, palpável, que
bem poderia ser o meu e de minha família - embora, obviamente, a minha
realidade seja bem diferente da condição de vida japonesa do pós-guerra.
O enredo é básico: a família
Mamiya procura um marido para a filha mais nova, Noriko, interpretada por
Setsuko Hara, com a habitual leveza quase sobrenatural que caracteriza as suas
parcerias com Ozu. No entanto, a moça não quer aceitar um casamento arranjado.
Simples assim.
É absolutamente impressionante
como nenhuma palavra trocada ou ação empregada carrega qualquer resquício de
artificialidade, nada parece forçado ou fora de contexto. As emoções exploradas
pelos personagens, mesmo aquelas que possuem uma inclinação mais negativa, tais
como as manifestações machistas do irmão mais velho (Chishû Ryû, o eterno
parceiro de Ozu), são genuínas, perfeitamente cabíveis dentro do contexto
sócio-econômico-cultural na qual o Japão estava inserido. O equilíbrio das
forças que regem as relações dos personagens é perfeito, o mais próximo
possível da naturalidade, sem prejuízo algum para a exploração da ficção
(inerente à própria ideia de filme/cinema) ou para qualquer aproximação que se
queira fazer delas no plano da realidade. É como se o cinema de Ozu, e mais
propriamente de Também Fomos Felizes,
fosse a representação fiel da realidade humana, ao menos no que concerne os
dilemas (comuns/corriqueiros) enfrentados pelos seres humanos no dia a dia -
sem o efeito da "manipulação" intrínseca à prática cinematográfica.
Três cenas permanecem comigo:
- quando Koichi (Chishû Ryû),
irmão de Noriko e pai de dois filhos pequenos, se excede e dá um tapa no mais
velho deles. A maneira como Ozu desenvolve o conflito até encontrar um desfecho
para esse ato de desespero/irracionalidade é sublime. Não há como ser mais
honesto no retrato do envolvimento dos personagens (principais e secundários)
com o episódio;
- quando a mãe de Kenkichi
declara a Noriko a sua vontade de vê-la fazendo parte de sua família (Kenkichi
é viúvo e tem um filho, sofrendo um preconceito por parte da família de Noriko,
que já prometera sua mão para outro pretendente, mais bem sucedido);
- o momento em que Noriko veria
pessoalmente o seu pretendente arranjado, depois de haver se decidido por
Kenkichi (a reação que ela teria ao vê-lo pessoalmente fica por conta da
imaginação do público).
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