segunda-feira, agosto 18, 2014

Também Fomos Felizes (Yasujirô Ozu, 1951)


Dos poucos filmes que eu vi do Ozu (ainda), Também Fomos Felizes (1951) é aquele que congrega o maior número de personagens, seja dentro do universo da família retratada ou daqueles que orbitam ao seu redor. Para além de todas as considerações recorrentes presentes em qualquer análise que se faça de sua obra, relacionadas ao posicionamento de câmera, ao registro dos detalhes dos objetos em cena, ou dos rituais cotidianos domésticos, bem como do prosaísmo das relações humanas, foi neste exemplar que a maestria da sua direção se fez notar mais nitidamente pra mim. A sua intervenção me pareceu tão precisa, tão cirúrgica, a ponto de me fazer crer por vários instantes que não era um filme que se desenrolava diante de meus olhos, mas um drama concreto, palpável, que bem poderia ser o meu e de minha família - embora, obviamente, a minha realidade seja bem diferente da condição de vida japonesa do pós-guerra.

O enredo é básico: a família Mamiya procura um marido para a filha mais nova, Noriko, interpretada por Setsuko Hara, com a habitual leveza quase sobrenatural que caracteriza as suas parcerias com Ozu. No entanto, a moça não quer aceitar um casamento arranjado. Simples assim.

É absolutamente impressionante como nenhuma palavra trocada ou ação empregada carrega qualquer resquício de artificialidade, nada parece forçado ou fora de contexto. As emoções exploradas pelos personagens, mesmo aquelas que possuem uma inclinação mais negativa, tais como as manifestações machistas do irmão mais velho (Chishû Ryû, o eterno parceiro de Ozu), são genuínas, perfeitamente cabíveis dentro do contexto sócio-econômico-cultural na qual o Japão estava inserido. O equilíbrio das forças que regem as relações dos personagens é perfeito, o mais próximo possível da naturalidade, sem prejuízo algum para a exploração da ficção (inerente à própria ideia de filme/cinema) ou para qualquer aproximação que se queira fazer delas no plano da realidade. É como se o cinema de Ozu, e mais propriamente de Também Fomos Felizes, fosse a representação fiel da realidade humana, ao menos no que concerne os dilemas (comuns/corriqueiros) enfrentados pelos seres humanos no dia a dia - sem o efeito da "manipulação" intrínseca à prática cinematográfica.

Três cenas permanecem comigo:

- quando Koichi (Chishû Ryû), irmão de Noriko e pai de dois filhos pequenos, se excede e dá um tapa no mais velho deles. A maneira como Ozu desenvolve o conflito até encontrar um desfecho para esse ato de desespero/irracionalidade é sublime. Não há como ser mais honesto no retrato do envolvimento dos personagens (principais e secundários) com o episódio;

- quando a mãe de Kenkichi declara a Noriko a sua vontade de vê-la fazendo parte de sua família (Kenkichi é viúvo e tem um filho, sofrendo um preconceito por parte da família de Noriko, que já prometera sua mão para outro pretendente, mais bem sucedido);

- o momento em que Noriko veria pessoalmente o seu pretendente arranjado, depois de haver se decidido por Kenkichi (a reação que ela teria ao vê-lo pessoalmente fica por conta da imaginação do público).

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